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Gabo,
Não era suposto sentir-me assim. Chamaste a um dos teus livros “Crónica de uma Morte Anunciada”. Pego apenas no título que escolheste para o livro, não no que nele dizias. Quem não o leu que o leia ou que não o leia, como prova de que continuas vivo. Adiante.
Quando há dois anos te esqueceste, eu sabia que continuavas a anunciar a tua morte. Continuavas a anunciar, sim; porque já antes havias dito ao mundo que não mais escreverias.
Sacana. Tu és sacana. Quiseste morrer-te, ou descansar-te do mundo, mas não nos morreste. Assim como – lamento – não nos morreste hoje. Tenho um milhão de palavras guardadas que o gritam. São a tua prova de vida.
Mas há mais.
Tenho mais provas. Provas de que vives e não morrerás. És culpado. Eternamente culpado. Condenado a fazer magia. Parte de mim veio de ti. Essa magia que punhas nalguma da tua escrita, aquela magia que eu faço por fazer todos os dias com o Francisco, com o meu filho.
Quando me lembro de desistir, olho-te e faço o contrário. Insisto. E estico a corda ainda mais além. Um metro mais além. Cem metros mais além. Um mundo mais além. E, como que por magia – essa tua magia –, ela nunca rebenta. E tem um milímetro, ela. Não lhe inventas mais um metro, à corda. Mas ela não rebenta... E quando a solidão trepa por mim abaixo, lembro-me do nosso cigano. Lembro-me de trechos de ti. E eis-te de volta. E eis-me de volta.
Não era suposto sentir-me assim. Tu já tinhas anunciado a tua hora. Amarraste-te àquela árvore e disseste que dali não saías mais. E dali não saíste. Mula teimosa.
E hoje, estava eu a esticar as pernas, antes de jantar…
E hoje, estava eu a esticar as pernas, antes de jantar. A Nina veio dizer-me. “O Gabriel García Márquez morreu”. Acho que respondi nada. Também não era uma pergunta. Que morreste. “O Gabriel García Márquez morreu”. Fiz muito de conta que era nada comigo. Para mim. Morreu? Qual Gabriel García Márquez? Ele há tantos com esse nome.
Não era suposto sentir-me assim.
Mas sinto. E senti. E chorei. E depois ri-me a pensar na puta da árvore a que te prendeste. Que imagino a mesma onde prendeste "o outro". E a seguir chorei de novo. E consegui rir e chorar ao mesmo tempo. Sempre fizeste de mim o que querias. E não tenho como te agradecer por isso. Ensinaste-me que o impossível se reduz ao tamanho de uma frase mal imaginada. Uma frase sem magia. Um acto sem magia. Uma vida sem vida. Sou o teu pombo-correio para o meu filho.
Magia.
Agora paro.
Não tenho mais ganas, por hoje. Com ou sem magia, hoje morreu-me um amigo. Quando o Saramago se foi, escrevi uma coisa a que chamei Saramago morreu – a minha vida sem pardais.
A esta tua crónica, dei outro título.
E, agora que escrevi... Não era suposto sentir-me assim. E já não me sinto assim.
Quero agradecer aos monsantinos Hélène e João a forma como têm lutado por Monsanto e pela preservação do Património de Monsanto. Sem eles (e mais alguns, lamentavelmente poucos, mas certamente bons), sem a Taverna e agora o Fornvm, Monsanto continuaria a trilhar o caminho do esquecimento e da degradação.
Não me lembro de nos últimos tempos termos ido a Monsanto sem que o cantinho deles fosse o nosso poiso certo. Continuam a encabeçar a luta contra as antenas que o capitalismo selvagem permitiu que fossem instaladas no Castelo. Com a sua luta mexeram com os pequenos e podres poderes que fazem de erva-daninha por esse portugal dos pequeninos afora.
Quem ora os afronta e os vota a um quase ostracismo, acompanhado pelas sempiternas queixinhas disto e daquilo nos tribunais, nas câmaras e o diabo a quatro, já perdeu à partida. A Luta da Hélène e do João não é luta que se perca. E nem um nem outro são gente de baixar os braços por causa de tiros de inveja seca.
A vossa Luta, meus caros, é uma luta de Mulheres e Homens Bons. Uma luta pela dignidade de uma terra. Impossível de perder, demore o tempo que demorar a vencer. Vieram de Lisboa e, para além do resto – e já é tanto –, deram a Monsanto um bebé; Afonso, Monsantino de gema, esse, que um dia virará homem e continuará de peito feito e aberto a luta dos pais.
Tenho orgulho em conhecer-vos e em ser vosso amigo. A vossa luta e as vossas ganas cimentam ainda mais a minha certeza de que um dia teremos de volta o nosso Portugal, esse que tantos transformaram nessa areia que ora quase nos escapa pelos dedos. Mas não escapará. Com gente assim, gente como vocês, não escapará.
Bem-hajam por Monsanto, bem-hajam pelo vosso exemplo. Bem-hajam por tudo. E continuem a fazer por ser felizes. Os cães ladram mas a caravana passa.
Vocês são a caravana.
Ontem estive na conversa com o André J. Gomes. Brasileiro. O curioso, e isso acontece-me quase sempre que falo com brasileiros, foi a facilidade com que passámos adiante o que não interessa, a forma como não falámos do que é meramente instrumental (embora, convenhamos, o André seja um tipo diferente; basta ler os textos dele na Bula).
Nunca tínhamos trocado palavra e avançámos directo para o "- Tás bom, pá?; - Sim, o que contas?". Passe o exagero, fica a ideia. E eu contei, e ele contou. Alguém já havia caminhado quinhentos anos por nós. Alguém falou a mesma língua. Quinhentos anos a musicar confianças. O mais próximo que sinto, em termos de afinidade – e ainda assim a léguas de separação, por causa de uns cheques carecas pelo meio −, é com Espanha e com os espanhóis.
E dou por mim a pensar que, Espanha à parte, mas essa também se deixou enrolar no mesmo nó górdio que nós (e este tipo de nós só se “desatam” à espadeirada), − dizia, Espanha à parte, a distância geográfica não é um bom referencial.
A Alemanha, no que respeita a caminho caminhado, fica bem mais longe de nós do que o Brasil. A Europa, essa, fica no outro lado do mundo. Puta de jactância, a nossa, que nos cegou a boca e emudeceu os olhos. Portugal virou-se para o lado errado. Fomos atraídos pela cenoura do dono que nos cavalga e hoje já nem a cenoura é necessária. Nem sequer a ameaça de chicote; obedecemos sem ameaça e de rojo lambemos as patas de quem nos põe a pata em cima.
O tempo que não perdi a falar com o André é bem o exemplo do tempo que Portugal perdeu nesta caminhada inglória em que o caminho não se faz andando. Rio, para não chorar, quando penso no que seria ter tido aquela conversa, com um alemão. Ainda que fossemos percebendo, em inglês, o que o outro diz, nunca nos entenderíamos. As nossas referências são outras. Trocámos uma identidade, feita de História comum, por dinheiro fácil.
Agora, chegou a factura da nossa estupidez. Paguem e não bufem. Ou façam como eu, não paguem e bufem… Soltemos a jangada de pedra, com ou sem além-Olicença, e não paremos onde parou a de Saramago. Porto de Galinhas é um bom destino, desta vez sem que seja porto de descarga de escravos (as tais “galinhas” que deram o nome àquele sítio de aportar). Não literalmente, entenda-se, que um Oceano não nos separa…
Alea jacta est, a porra. O Rubicão existe nas nossas cabeças amestradas. Não há rio para atravessar. Basta tirar a venda e olhar.
Quando partimos da parte para definir o todo corremos o risco de generalizar; e quando generalizamos cometemos injustiças, porque necessariamente excluímos ou incluímos no todo algo que, por Princípio, mereceria ser considerado à parte. E tratado como tal.
Inventei esta espécie de trava-línguas de má colheita para avisar que, ao dizer o que vou dizer, necessariamente cometerei injustiças. Porque nem todos os alemães são iguais (adiante explicarei o propósito disto). Mas são injustiças medidas, calculadas, submetidas a uma espécie de Princípio da Concordância Prática.
Normalmente, este Princípio é usado quando se verifica o confronto de dois Direitos e um tem de prevalecer sobre o outro – veja-se a questão da Liberdade de Imprensa versus o Direito à reserva sobre a Intimidade da Vida Privada; até que ponto é legítimo um jornalista revelar factos da vida privada de quem quer que seja?
A resposta tem de ser dada caso a caso. Será legítimo um jornalista dizer que o vice-Primeiro Ministro é homossexual? Obviamente que não. E se esse mesmo político for o líder de um partido que tem como uma das bandeiras a luta contra o casamento entre homossexuais? Aí a coisa complica-se. Mas a resposta, para mim, continua a ser não. E podíamos ir por aí adiante com esse vice-Primeiro Ministro. Ou então mudar de assunto.
Não mudemos de assunto. E se um jornalista seguir o conselho de Ana Gomes que, no programa Conselho Superior, da Antena 1, disse, antes da formação do actual Governo, em 7 de Junho de 2011, o que foi resumido (presumo que por um jornalista) assim?: «Em relação à formação do Executivo, a eurodeputada socialista defende que os meios de comunicação social devem assumir o seu papel de contribuir para a transparência do passado dos políticos, nomeadamente do presidente do CDS-PP, Paulo Portas. Ana Gomes acredita que estão em causa a idoneidade e credibilidade pessoais e políticas de Paulo Portas para voltar a desempenhar cargos governamentais e lembra o caso dos submarinos. Ana Gomes vai mais longe e acusa Paulo Portas de ter encetado uma “campanha de desinformação” e de calúnia de dirigentes socialistas, associando-os ao processo Casa Pia.»
Mas Ana Gomes foi ainda mais longe e falou de “dois ministros do Governo de Durão Barroso que fariam investidas em meios de prostituição, um deles até disfarçado de cabeleira postiça”. E termina, alertando a Imprensa para que “não digam que não sabiam e que não foram avisados.”. Na altura não tive dúvidas, e referi-me a Ana Gomes como alguém que toca-e-foge, mas deixa as incumbências e os trabalhos sujos para os outros. Mas, no que aqui interessa, ficou o desafio de Ana Gomes à Imprensa. Investiguem e revelem o passado de Paulo Portas. E a verdade é que nem a Imprensa investigou (o que Ana Gomes insinua que a Imprensa já sabe), nem Paulo Portas moveu qualquer processo contra Ana Gomes. Só isto dava uma notícia.
Mas e se um jornalista investigasse? E se um jornalista escrevesse sobre “os dois ministros do Governo de Durão Barroso que fariam investidas em meios de prostituição, um deles até disfarçado de cabeleira postiça”? Seria legítima esta invasão, por um jornalista, na vida privada dos tais “dois ministros do Governo de Durão Barroso”? Se o benefício adveniente dessa intromissão resultasse em ganhos para o país, obviamente que a mesma estaria legitimada.
Em suma, Concordância Prática de Direitos é isso mesmo. Colocá-los, na prática, em concurso e, perante a impossibilidade de ambos se exercerem na plenitude, verificar qual deve prevalecer. Olhando, com bom-senso, os deves e os haveres. Os ganhos e os perderes.
Apliquemos agora este mesmo Princípio, ainda que violentado, à tentacular Alemanha de agora. Será possível legitimar a injustiça em que se traduz a violenta generalização de afirmar que todos os alemães são iguais? E qual a importância de tão ingrata tarefa?
Vamos a factos.
A Alemanha entre 1914 e 1945 tentou por duas vezes dominar a Europa e, em medidas diferentes, praticamente a reduziu a escombros (em termos físicos, económicos, políticos e sociais). Sendo que de ambas as vezes o domínio da Europa seria o trampolim para o domínio do mundo. Esta questão aparece para além do explícito quando propagandeado pelo ideal nazi. Um império de mil anos, imutável e perfeito à imagem da “raça alemã” (o que quer que isso seja). Não me vou alongar em questões como o “misticismo nazi”, que é por muitos visto como a trave mestra do “ideal ariano”; mistura de esoterismo, fanatismo, megalomania, homofobia, racismo, anti-semitismo, xenofobia e demais maleitas congéneres. Basta dizer que a ideia assenta no facto de o nazismo ser a religião e o führer o deus.
A questão é, pois, elementar. Em cerca de 30 anos, a Alemanha (vou aqui ser simplista e chamar-lhe apenas Alemanha; na verdade há mais do que uma Alemanha) foi a génesis das duas grandes guerras convencionais à escala global. Durante a II Guerra Mundial, já com os aliados portas adentro, os alemães (e aqui vem a primeira generalização) ficaram com Hitler até ao fim. Já Hitler se tinha reduzido à sua primeira essência de cobarde, encafuando-se num buraco e terminado com a infeliz nascida que mudou a rota do planeta, e continuavam os alemães a lutar por esse desatino genocida de um louco com voz de rádio.
Mais factos.
Século XXI; eis de novo a Alemanha como potência económica mundial. E eis de novo a Alemanha, reunificada desde 1989, com ganas de dominar o mundo. Há, desta feita, uma nada ténue diferença para as vezes anteriores. É que em 2013 a Alemanha está efectivamente a comandar os destinos, no terreno, de pelo menos três países; Chipre, Grécia e Portugal. E com ganas de o alcançar em tantos quanto possa, o que rapidamente conseguirá, se os homens de bem e sem preço marcado na testa não se mexerem. Espanha, Itália, França, Holanda. E caídos estes, os restantes vêm com o troco. Omito propositadamente a Irlanda, porque não passou de um ensaio. Um teste à Inglaterra. E a Inglaterra é (são), por razões históricas, económicas e geográficas, “outros quinhentos”.
Ainda mais factos.
E agora vou apenas limitar-me ao que não oferece dúvida. Ao que nos toca, embora na Grécia as coisas não sejam muito diferentes. Desde que permitimos, empurrados pelo actual Governo, a entrada da troika em Portugal, quantas vidas se perderam? Entre suicídios, doença, fome, frio; ou “apenas dor e mágoa”. Quantos morreram antes de tempo e quantos não chegaram a nascer? Quantos emigraram? Quantos não imigraram?
Mas há algo que devo esclarecer, sob pena de estas palavras perderem aqui o sentido. Estarei, de forma abusiva, a confundir a troika com a Alemanha? E os infames mercados e as agências de rating?; e bildenberg e o Goldman Sachs? Obviamente, nem tudo isto é Alemanha, basta atentar no declarado ódio visceral que Merkel tem ao Goldman Sachs. Quanto ao triunvirato “Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional” estamos conversados. Os dois primeiros são notoriamente marionetas da Alemanha e o FMI é uma espécie de sempre-em-pé onde haja tostão para extorquir. Alemanha, pois. Os mercados, as agências de rating, bildenberg e o Goldman Sachs, não sendo dominados pela Alemanha − que apenas terá algum poder partilhado nos três primeiros e alguns agentes infiltrados no último −, não vão muito além da agiotagem em grande escala, sem pretensões de ocupar efectivamente o terreno. E a Alemanha, com brio e vocação, aproveita o que mais lhe interessa, a médio e longo prazo. A germanização da Europa. Um império de mil anos, imutável e perfeito.
E, com esta conjugação de factores, teremos em breve um Portugal que manterá o nome como mera referência geográfica. O Algarve e parte do Litoral Alentejano serão uma espécie de Flórida europeia, onde os boches virão morrer no descanso do führer. No resto do país, uma China a custo zero. Trabalho escravo. Construir aqui, espetar a etiqueta “Made in Germany” (ao “made in” não podem eles fugir) e vender para o resto do mundo.
Apliquemos agora a esta loucura, quiçá minha, o tal Princípio da Concordância Prática, ainda que necessariamente adulterado.
De um lado temos uma nação próspera, organizada como nenhuma outra, que pé ante pé se foi recuperando, também graças a um Mundo que lhe garantiu rédea solta e lhe tirou o açaime. Uma nação que vive numa Democracia interna bem mais saudável do que a nossa (suprema ironia). Um país repleto de fervorosos cidadãos, que exercem cidadania efectiva.
Do outro lado, temos todos os factos atrás elencados. Aquilo que, sem arriscar, chamo de IV Reich. Por mera curiosidade − ou nem por isso −, diga-se que esta expressão, IV Reich, foi usada pela primeira vez por Rudolf Hess, já depois do Julgamento de Nuremberga, quando grunhiu algo como “eu serei o führer do IV Reich”. Não calhou. Mas a verdade é que calhou o sacana morrer tarde, já com 93 anos, em 1987. Teorias acerca das causas da sua morte não faltam, mas a maís razoável, atendendo ao facto de o bicho estar cego e praticamente não se conseguir mexer, é que tenha mesmo sido assassinado e o suicídio “versão oficial” não passar de uma emenda bem pior que o soneto. Adiante.
Ser-me-á, perante tais factos, legítimo cometer a injustiça de enfiar todos os alemães no mesmo saco e olhá-los por igual, porque não há tempo para fazer distinções? Ver em cada alemão um inimigo só porque é alemão? Por natureza (minha) diria que não, que mais vale ousar a injustiça de deixar em liberdade mil culpados, do que a maior injustiça de prender um inocente. [e agora entrem os violinos]
E se em vez do Euro, a arma fosse de guerra convencional? E se em condições “ideais” cada alemão fosse agora chamado de volta às trincheiras?; chamado de volta ao viver e matar hitleriano? Os netos da Alemanha genocida estariam aí para as curvas? Se sempre estiveram (ainda não passaram 100 anos sobre a Primeira Guerra Mundial), se economicamente estão… Se para um alemão de classe média viver ao estilo “Deutschland,Deutschland über alles” é necessário chacinar de fome, de frio e de doença dez portugueses (eufemismo, bem sei; serão mais), se a Merkel acabou de ser reeleita, que conclusões posso tirar?
Eis-nos, pois, em pleno matar ou morrer de um IV Reich, bem mais “eficaz” do que os anteriores.
Será injusto tomar a parte pelo todo? Mas e se a parte andar perto do todo? Se for o quase todo? E eis a Justiça de não generalizar versus a Justiça de perder tempo a escolher. E digo perder tempo porque os alemães já provaram (demasiadas vidas matadas) que, quando somados (quando em matilha), perdem a individualidade em favor de um “ideal” de conquista que lhes corre na massa do sangue. A Historia não mente e insiste em não errar. O problema dos homens é precisamente terem memória curta. A reunificação da Alemanha equivaleu, metaforicamente, à união da fome com a vontade de comer. Quem come é sempre a Alemanha, os devorados somos nós; os outros.
“A História é uma velhota que se repete sem cessar” [Eça de Queirós, in Cartas de Inglaterra] e a verdade é que a Alemanha já nos disse − gritou, ameaçou, matou −, por demasiadas vezes, que não cabe nela.
Arriscai por Justiça não ser injustos (é perigoso e longo o caminho de separar tão pouco trigo de tanto joio). Eu arriscarei, também por Justiça, sopesar a injustiça que a História me grita com a injustiça de ser “Justo”. Ainda que os alemães não sejam todos iguais, os resultados da Alemanha aplicada no terreno são sempre os mesmos. No que me toca, antes morrer de pé e berrar de dor do que rastejar às ordens de um kapo que no momento tem assento em São Bento e em Belém.
É possível alterar este fado? Claro que sim! Levanta-te, descruza os braços, ergue os punhos e muda o teu mundo. Se cada um mudar para melhor o seu mundo, o mundo muda (e sim, continuo a acreditar; vivo ao som de violinos, se isso vos fizer felizes; mas sei que um dia alguém inventou a roda, e muitas rodas se seguiram e outras tantas se seguirão.)
E a velhota pára de se repetir.
* Texto escrito em 17 de Novembro de 2013 e que, por razões que para aqui não interessam, não foi publicado. O actual cenário na Ucrânia não me faz mudar a essência do que escrevi, mesmo porque o que penso da Alemanha não se altera por causa do que penso desta Rússia putinesca. Não sigo a teoria do mal menor e não troco o péssimo pelo mau.
Mudam-se os tempos, mudam-se as formas. Não se muda a vontade. A pegada desdobra-se, agora de forma mais uniforme e interactiva, nas quatro plataformas que já existiam mas que agora se unem em torno de uma imagem, embora as referências e a substância de cada uma se mantenham.
Para além, da pegada (original) [http://pegada.blogs.sapo.pt/], onde se mantém válida a advertência de cabeçalho, mas que será sempre onde tudo começou e a partir de onde tudo se desenrola, a pegada está no Ouvir & Falar [https://www.facebook.com/groups/ciclodetertulias/], no pegadabook [https://www.facebook.com/pegadablogue] e no twitter [https://twitter.com/pegadablogue], que passará a ser alimentado essencialmente através dos posts que se vão publicando nos demais.
Aproximam-se tempos ainda mais complicados. Em carne ou em letra continuaremos ser o que somos. Não ousamos menos do que querer mudar o mundo (nenhuma mulher ou homem de bem tem o direito de querer menos); se cada um insistir nessa forma de estar, ele acaba por mudar. Sempre assim foi e não seremos nós a viver a excepção. A bem, coisa que se assemelha cada vez mais a uma utopia sem pernas, ou a mal.
Reinvente-se a roda, pois.
"Por su madre portuguesa fue conocido como Paco, el de Lucía, al identificar, igual que en Andalucía, al hijo con el nombre de la madre, Lucía Gomes" [Publico.es]
A expressão tem de ser reinventada. Não é o diabo que anda à solta; é o homem, mesmo. Quantas guerras regionais são necessárias para assumirmos que vivemos duas Guerras Mundiais ao mesmo tempo? Esta que nos assombra o dia-a-dia em forma de homens-lobo "eleitos" em formato "democracia" mascarada, e esta outra de trincheiras à antiga, espoletada pelos mesmos homens-lobo. Os poucos Homens e Mulheres que restam têm de tomar a palavra. E a palavra não é feita de palavras. Já é hora de mudar de nome, de deixar de ter medo do medo; ou arriscamo-nos a voltar a ter um número tatuado no cérebro (os poucos que ainda não o ostentam, com orgulho). O mundo, esse, já o resumiram a um código de barras. Francamente, estou farto de escrever. É tempo de olhar o relógio.
Li a carta do filho ao pai [link] e do pai ao filho [link].
“(…) Ontem, o meu pai foi-se embora. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. (…)”
Não percebo. Não percebo esta gente, não percebo esta cambada de energúmenos de sofá, que nada fazem para além de coçar os tomates e dizer mal do árbitro; sem nunca ter mexido uma palha que fosse, porque se sentem bem até a comer merda, desde que a merda seja o prato da moda. E que acima de tudo não pareça mal comer merda.
Mas percebo muito bem a razão de estarmos como estamos. Este país de agora é a imagem cuspida e escarrada da maioria estatística que o habita. Invejosos, calaceiros, mandriões, parasitas; infelizes que se alimentam das desgraças dos outros. Vivem sem viver. Gritam para dentro, porque os tomates que não têm servem apenas para coçar. Nada mais. Não chegam a ser gente, são meras coisas que para aí andam. Cúmplices, por inacção, do estado de sítio que nos arranca os sentires.
Lamentavelmente, e isso custa-me muito (e digo-o de cabeça fria), beneficiarão da luta de quem a trava todos os dias. Da minha, sim. E da de tantos outros, que acreditam que o impossível não passa de uma desculpa que os fracos inventaram para justificar o comodismo e o medo que têm de ousar ser gente.
Luto aqui, nas ruas, nos tribunais, nas salas de aula. Por onde passo. Para mudar o mundo, sim. Claro que tento. Claro que ouso. Claro que mudo. Sou pai, porra! Como é possível não querer mudar este mundo? E ainda que não fosse — pai —, tentaria na mesma. Claro que é possível mudar o mundo sozinho. Porque, felizmente, ainda que poucos, somos muitos a estar sozinhos nessa demanda. Quanto mais sozinhos nos acharem, menos difícil será existir. E quem nasce assim, só existe duma forma. Existindo. E assim se inventou a roda. E inventaremos tantas rodas quantas forem necessárias. Para mudar o mundo.
Mudar o mundo e extirpar dele quem fez por o trazer até aqui; quem faz por o manter por aqui. Mudar o mundo a cada dia, porque, mesmo mudado, o mundo continuará carente de metamorfoses benignas. A cada dia. Todos os dias. Criar Homens. Impedir que nasçam novos lobos do Homem.
Fernando Tordo regressará a este país, sim. E voltará pela porta grande, pela mesma porta por onde, quer queiram quer não, também saiu. Porque um Homem assim não cabe em portas pequenas.
E agora vou continuar a mudar o mundo, sem me preocupar com quantidades, mas ciente de que ontem já era tarde. Vou tentar manter-me pelo desamor de que fala o João Tordo, mas é-me muito difícil. Destroem-nos a essência e o respirar, esses animais. No que me toca, e desde que não me tolde o pensamento, posso bem com o ódio que não me apoquenta. Eu entendo ódio, e penso que o João Tordo também. Talvez seja outro o sentimento que tanta repugnância nos causa. Nem é bem um sentimento, bem vistas as coisas; é apenas um cheiro fétido.
E pára tudo. Pára a miséria, a fome, a doença; parem de atentar no ataque deste vil governo de vis ao Estado Social e seus moribundos Serviço Nacional de Saúde e Ensino Público. Hoje, pára tudo. Esqueçam as pensões e os salários roubados mês sim, mês sim. Hoje é dia de placebo. Vamos todos gritar pelas camisolas que correm no relvado atrás de uma bola. E dizer mal dos que vestem de negro e decidem contra as nossas camisolas. Vamos enchê-los de alcatrão e penas. As vitórias deste povo medem-se pelos golos que as camisolas marcam. E viva o cavaco, viva o coelho. Hoje é o dia nacional do esquecimento.
Numa entrevista ao "Jornal de Negócios", em 25 de Julho de 2008, o hoje ministro nuno crato disse: «Felizmente tenho bastante liberdade porque estou no ensino superior. Se estivesse no ensino secundário sentir-me-ia bastante diminuído pela falta de liberdade».
E, hoje, em pleno tornado cratiano, o que diria nuno crato sobre a liberdade dos professores? Que críticas teceria o crato de 2008 às actuais políticas para o ensino? O que diria crato -- tão crítico de Bolonha -- às licenciaturas de dois anos que ele vai ensaiando? O que diria nuno crato à destruição vigente do serviço público de educação? E, já agora, o que diria nuno crato sobre a forma como nuno crato engavetou o relatório sobre a licenciatura do relvas?
Sem me perder em mais exemplos, como contextualizaria este nuno crato as afirmações do nuno crato de 2008?
Em suma, "O que diria nuno crato de nuno crato?"
A pegada não morreu; apenas deslocámos a maior parte das nossas pegadas para o facebook. Enorme pecado, bem sabemos; mas por estes instantes, em que o tempo não abunda, é mais fácil interagir e publicar ali. Esta nossa casa não desaparece; será sempre a referência principal e o lugar das pegadas mais profundas. No entretanto, e quando não nos virem por aqui, é porque estamos aqui: pegadabook. Cliquem no link (não é necessário ter facebook para ler, apenas para comentar) e/ou façam like acima. A todos os leitores e ao sapo, que nunca nos falhou, pedimos desculpa. É coisa de momentos; a pegada será sempre aqui. Aqui é a regra, este anúncio não revela mais do que uma excepção. Já agora, e também no facebook, mas numa onda diferente -- e em que todos os leitores podem ser autores --, visitem o ouvir & falar.
nota: neste momento temos 4102 likes no pegadabook e 2882 membros no ouvir & falar o que, pelas regras do facebook, não nos permite alterar o nome de nenhum (o que daria jeito). os nomes na imagem foram, portanto, editados. meros formalismos, que o que interessa é mesmo o conteúdo.
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
Uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril
fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.
Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.
Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.
Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.
Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.
E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.
A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.
Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.
E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.
Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.
Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.
E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.
Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.
Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.
Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.
Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.
Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.
Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.
E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.
Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.
Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.
Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.
Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.
Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.
Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!
Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.
Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.
Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.
E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.
Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser
pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.
No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!
É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.
Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Eta, povinho besta. "E agora o Benfica só fica contente se o Benfica for campeão nacional". Como raio vou aguentar esta semana de dizeres tamanhos? E amanhã [hoje] o caixão vai dar uma volta ao estádio? Uma volta ao estádio? O caixão?
Ó fraca gente que vomita fracos líderes que governa fraca gente que vomita fracos líderes. A sério, não é assim. Não é assim. Não é desta forma.
Não é assim que se presta homenagem a alguém. Não é assim que nos governamos. Está tudo do avesso.
Tenho perfeita noção da importância de Eusébio, de como ele e a Amália -- ainda que também instrumentalizados, em ditadura e Democracia --, levaram além o nome de Portugal. De como abriram sorrisos de portugueses obrigados a emigrar, para fugir à guerra e à fome. Portugueses que sorriam quando os reconheciam por serem do país do Eusébio. E de Amália. De como ambos eram sinónimos de um país que nada mais tinha. Nada mais tem.
Eusébio tem um lugar de destaque na história do desporto mundial. E na medida em que o desporto faz parte da história de um povo, também aqui.
Mas vamos lá colocar as coisas certas nos lugares certos. A começar pelas nossas cabeças. Em cima dos pescoços.
Podem dizer-me para que comece eu. Seja. Às tantas sou eu que estou do avesso, que vejo tudo de forma errada. Serei eu quem chora pelas pessoas erradas. Pelos motivos errados. E tantas pessoas "erradas" que partiram nos últimos dois anos. Enquanto os "certos" que este povo escolheu continuam a tirar-nos o pão da boca. Para isso todos os motivos são também certos. Contra isso nada, para além de um eterno encolher de ombros.
Talvez este povo não passe disso. De um encolher de ombros.
Há tanto que não escrevo.
Em rigor, não sei se algum dia escrevi; o que faz do tempo um tempo ainda maior.
Como que sem princípio nem fim.
Uma folha em branco e letras em cima.
Isso já eu fiz.
Mas escrever?
Escrever de escrever? Alinhar sentires em forma de palavras? Orquestrar letras? Pô-las a cantar e a dançar?, a chorar e a rir? Ou simplesmente a estar?
E a não estar.
Mandar as letras estar e não estar é coisa incomum e trivial, complexa e fácil… e um ror de outras coisas mais, todas em forma de antónimos e sinónimos.
Assim mesmo. O nosso reflexo ao espelho.
Escrever será a nossa tese e a nossa antítese.
O nosso sim e o nosso não.
Quando nos olhamos ao espelho olhamos o nosso contrário. A esquerda à direita, a direita à esquerda.
E o eterno olho vesgo que quem nos olha vê -- não o de quem nos olha, mas aquele que quem nos olha vê.
Escrever de vómito; há quem o faça. Eu mesmo alinhei palavras e frases dessa forma. E tive aplausos e apupos. O tal espelho. Mas duvido que tenha escrito.
Escrever de escrever será algo como a líbido em papel. E sei lá eu o que é isso, a líbido em papel. Sente-se, não se sente, sente-se, não se sente.
Um piscar de olhos.
A verdadeira escrita estará algures na parte em que os olhos fecham. Algures ali, antes de abrirem. Algures ali, antes de fecharem.
Talvez ditando de olhos fechados para que outro o maximize ao papel. Ia dizer reduza ao papel, mas isso seria uma ironia dupla, que nada na escrita é redutor e o papel não passa de um veículo.
Uma escrita falada, talvez… O Antero fazia muito isso, resfolegava e os outros apanhavam daqui e dali e iam a correr assinar por baixo. No papel.
Mas uma escrita falada não é escrita, a não ser que se tome o percurso inverso. Se escreva para depois se dizer.
Dizem as convenções de bem escrever (ele há disso, com feiticeiros a soldo e aprendizes salivantes).
Dizem os livros – ironia, dizem os livros.
Li tanta escrita falada que calhou estar no papel… Tanta que me desdigo e contradigo.
No papel.
A ideia é mesmo essa; palavras no papel.
Palavras no papel.
Ao som de uma música que não é mas que se ouve; de uma mão que não apalpa mas que se sente; de um cheiro sem cheiro que nos faz delirar de tanto cheirar…
De uma língua que passa ao de leve no ouvido; onde não há ouvido nem língua.
De um olhar que não se olhou, mas que se vê.
Que se lê.
Acho que escrever é essencialmente isso.
Um empurrão dado de trás prá frente e de frente prá trás.
Como que numa entoação perfeita e imperfeita -- escrever talvez seja isso; ambas as coisas ao mesmo tempo. A perfeição alinhada com a imperfeição.
Um duplo empurrão uno, após o qual não ficamos no mesmo sítio; por mais coordenado que seja.
Uma teia de aranha que se limpa mas que, de tão bela, não se deixa limpar.
Quem sabe um dia.
Sei lá se estou aqui, sei lá se estou bem.
Há tanto que não escrevo.
Talvez escrever seja também isso.
Não escrever...
Esse resolve-se
O dos meninos sem pão
Não
Esse tem solução
O dos meninos sem pão
Não
Porque vivemos do cartão
E os meninos sem pão
Não
Vivem do pão que não é
Do pão que não têm
Os meninos sem pão
(os meninos sem pão)
Meninos sem pão
Meninos sem sorriso
Meninos que vivem uma negação
Negação de Ser Meninos
Porque
Haja o que houver
É preciso haver Meninos sem pão
Porque
Para que os mercados digam sim
Dizemos nós que não
Aos Meninos sem pão
[e as letras que me desculpem
a intromissão
neste tipo de ordenação]
Ouçam uma coisa.
Lembram-se da parte final do "Peter Pan" (versão Disney)?, quando o pai vai à janela e vê o barco desaparecer no horizonte? e se lembra que também tinha visto algo semelhante, em criança, algo que o tens-que-ser-homem o tinha feito esquecer?
Como aqui há dias recordava o Luis Grave Rodrigues, Christopher Hitchens disse algo como "Eu nem sequer sou tão ateísta como sou anti-teísta". E comigo passa-se algo semelhante, ao ponto de até conseguir deixar de parte o meu ateísmo em prol do meu anti-teísmo. Converter-me-ia a qualquer deus que abolisse as religiões. Não precisamos de deuses. Precisamos de Mulheres e de Homens. Verdadeiros Crentes. Crentes na Mulher e no Homem.
Ouçam uma coisa.
A tábua de salvação está em algo que nós podemos ver, basta abrir os olhos. Olhem as nuvens, rememorem os vossos tempos fraldados e desfraldados e verão que a Magia está nas Mulheres e nos Homens. Vejam o barco.
Magia. Não permitam que os tempos que correm vos impeçam fazer Magia e de ensinar os vossos meninos a acreditar nela e a fazê-la. Porque ela, a Magia das Mulheres e dos Homens, existe. Foi por Magia que se inventou a roda. Foi por Magia que demos passos adiante, como Civilização.
Se não acreditássemos que o coelho (salvo seja) sai da cartola, mesmo que duvidemos que está lá, não teríamos sequer saltado da árvore. Jamais o nosso polegar poderia tocar nos outros dedos. Uma inoponibilidade que nos impediria o Ser.
Foi tudo por Magia, Magia nossa. Porque ousámos.
Há algo em que temos de insistir, algo de que não podemos desistir. Somos. Existimos. Essa é a Magia. Ser. Ser e acreditar que podemos ser mais do que aquilo a que nos tentam reduzir. O deus ao qual pedimos? Peçam a vocês, e verão que resulta melhor. E resulta desde logo porque se formos crentes (em nós) o suficiente, e se lutarmos por nós, as coisas acontecem. Ou desacontecem. Como quem separa o trigo do joio.
Não somos números.
Somos!
Experimentem tirar um livro, um piano, uma arte de fazer sorrir dos ouvidos dos vossos meninos. Eles abrem muito a boca, e acreditam sem acreditar. E o sorriso sai. Porque eles acreditam. Não os enganamos, é como que uma espécie de raio de sol em dia de chuva. E acontece o arco-íris.
Façam essa Magia. E eles inventarão de novo a roda. As rodas que sejam necessárias. E como que por Magia, talvez não no nosso tempo (certamente que não), voltaremos a ser Mulheres e Homens.
Ora experimentem. Pensem bem no ridículo a que a nossa espécie se devotou. No ridículo a que as Mulheres e Homens se entregaram. Números. Hoje por hoje, somos números. Contas de subtrair. O meu filho não é um número; nenhuma criança pode ser reduzida a um número. Assim como nenhum velho pode começar a ser olhado como um criminoso porque ousou ter números a mais no tempo de Vida.
É assim tão simples? É assim tão simples, sim! Somos nós que complicamos e deixamos que nos compliquem. Se esta forma de pensar e de agir muda o mundo no imediato? Claro que não. Leva tempo. Quase tanto ou mais do que o tempo que levou a chegarmos a esta negação de vida.
Mas ou nos entregamos ao umbigo da nossa existência, e aí podemos atropelar os nossos iguais e dormir descansados. Há muito quem consiga e siga dessa forma. Ou acreditamos naqueles Olhos Grandes, cheios de esperança, que nos olham a cada dia.
Os nossos Filhos. Temos tudo a aprender com eles, para depois lhes ensinar a não esquecer. Não é um paradoxo, esta estranheza circular. Circular mas benigna.
Eu chamo-lhe Magia, chamo-lhe Francisco. Ele mostra-me o tal barco que voa, e eu olho-o, ao barco, e tento que ele não se esqueça disso. Que há barcos que voam. É tão estupidamente fácil mudar o mundo. Basta tirar os óculos baços que nos põem à nascença.
Serei um sonhador, mas ainda me lembro quando os nossos filhos inventaram a roda. Chamaram-lhes sonhadores. Eles não são sonhadores, nós é que nos esquecemos de como é fácil sonhar. E de sonhar a fazer vai o voo de um pardal. Se começarmos hoje, o amanhã vai ser menos distante.
Eu chamo-lhe Magia, a minha avó chamar-lhe-ia um pífaro. É preciso é que comecemos, que ontem já era tarde. Experimentem e verão resultados nos dias seguintes, a cada passo do vosso filho. Quanto aos resultados para a Humanidade? Fizemos tanta asneira que talvez os netos dos nossos netos consigam viver resultados.
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