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Umas tais ana cristina leonardo e clara ferreira alves consideraram duas vezes numa só lista (*) o Valter Hugo Mãe um autor sobrevalorizado. A mera existência da lista é tão pateta e pedante que dispensa comentários. Este post é portanto sobre as duas senhoras. Provavelmente, não apreciarão a maneira como o Valter insiste na mania de ser um tipo que não nasceu em Lisboa e que não precisa de alinhar nas festinhas de promoção desse além "e o resto é paisagem". Saramago, que não chega (há homens que não morrem) aos calcanhares destas lades, chamou-lhe, ao Valter, algo como "um verdadeiro tsunami literário". Curiosamente, o número dois da Granta portuguesa alberga um texto desse sobrevalorizado. A Granta, essa revistinha conhecida por aceitar qualquer um. A dor de corno deve ser uma coisa fodida. É que obriga as medíocres gentes a fazer cada papelinho.
* ERROS MEUS: A lista não foi elaborada pelas ditas senhoras. Calhou foi os dois indivíduos verem as suas escolhas (e ambos escolheram o Valter) integradas num lista. Mutatis mutandis, mantenho o post.
Acabei há dias de ler O Bom Inverno, de João Tordo. Trata-se, definitivamente, de algo de novo na literatura portuguesa. João Tordo tem o mérito de fazer das suas fraquezas forças. Assume-as – assume-se!, como bem se vê no recurso ao novelístico House − com folgança e às escâncaras, quase que a gozar connosco. O Bom Inverno é um livro que tem um defeito bom – ele há disso, como o cigarro que ora fumo: o livro não se lê, devora-se. É um defeito, sim, mas, no meu caso concreto, é um defeito muito meu – um defeito do leitor, que é glutão. O romance tem – confirmo! − dos melhores diálogos de sempre – de sempre!, e não exagero − da literatura portuguesa. Bosco é o nosso bicho-papão, o homem do saco, metáfora crua de algo/alguém a que cada leitor dará forma/nome. O eterno monstro debaixo da cama que atenta todas as medranças, os tempos da luz acesa no corredor. Os outros actores, e não é à toa que uso esta palavra – actores −, são memoráveis (Olivia é um quadro em branco; nem João Tordo saberá exactamente quem ela é – e escrever é mesmo isto, as palavras a atropelar o instrumentalizado autor). Estamos lá todos e, como na vida, todos temos uma parcela da culpa; até da de estarmos vivos. João Tordo entrega-nos o livro em cru e obriga-nos a recorrer aos nossos sonhos e pesadelos para o cozinhar. É um livro manifestamente incompleto, de tão cheio que vem. Nem o facto de utilizar quatro vezes uma das palavras mais detestáveis da língua portuguesa, procrastinar, me tirou do sério; mesmo na altura em que esta antecede o belo adiar tão mais português. E tão mais bonito.
Em suma, fiquei leitor, e penso que com João Tordo e valter hugo mãe estamos bem servidos, por muitos e bons anos. Não podiam ser mais diferentes, quer nos enredos, quer no domínio das palavras, quer na criação de personagens. Ambos, porém, tem algo em comum. Escrevem de forma despretensiosa, coisa que os afasta de José Luís Peixoto, um fulano que tem tudo para dar certo, mas que exibe um umbigo grande demais. E não, nisto da literatura, a humildade não é algo despiciendo.
PS - Não sou crítico literário, já tenho afazeres que bastem, sou um "mero" leitor.
Álvaro de Campos / Narração por João Villaret / Música por Dead Combo * Para ler/ouvir antes/depois/durante. Dedicado ao esteves sem/com! metafísica.
Logo às primeiras páginas compreende-se que não vamos sair iguais deste livro. valter hugo mãe já me tinha surpreendido com “o remorso de baltazar serapião” — Saramago chamou-lhe terramoto ou algo que o valha. Desta vez, com “a máquina de fazer espanhóis”, estamos perante algo único, um momento ímpar, coisa singular e mais uma porrada de cenas que querem significar isso mesmo. A história da literatura portuguesa vai fazer-se de valter hugo mãe apenas porque valter hugo mãe é o melhor escritor português vivo. Não é exagero, afianço.
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