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Eu sei que o Pedro sabe que eu sei que ele escreveu isto para calar a Fernanda. Para, à conta de uma notícia, segundo a qual Portugal é condenado pelo TEDH por entrave à liberdade de expressão, com ironia, fazer valer um ponto de vista.  O ponto de vista, demagogicamente explicado pelo Pedro, e já desmontado pela Fernanda, é o de que afinal a liberdade de imprensa não é absoluta e pode prevalecer sobre o segredo de justiça, o bom-nome e a privacidade, esses bens que eu, por exemplo, tenho andado para aqui a trazer à baila. 


Claro que para a piadola surtir efeito, seria preciso que alguém tivesse defendido que a liberdade de imprensa prevalece sempre sobre os outros bens referidos, o que não foi o caso, e também seria necessário que o Pedro mostrasse menos subserviência perante os juízes, já agora, o que é um ponto que me espanta particularmente. 


Poder-se-á dizer que isto tudo é irrelevante, porque o Pedro Lomba só está a atirar uma boca à Fernanda Câncio, mas na verdade a questão é um pouco mais sensível, porque o Pedro é um óptimo jurista, mestre em direito constitucional, e vê-lo usar  uma decisão isolada do TEDH, com o historial que esse tribunal tem nestas matérias, como arma de arremesso, é vê-lo desqualificar-se.


Permito-me então deixar as piadas aos outros e recordar algumas coisas que me parecem importantes para não confundir um debate...importante.


Não há direitos absolutos. Há colisões de direitos e colisões de direitos com bens e valores conflituantes. A liberdade de imprensa não é uma liberdade absoluta. Em muitos casos concretos, e é no caso concreto e não em abstracto que se deve analisar o que quer que seja, cede perante um direito ou um bem ou um valor que, no caso, repito, de acordo com critérios de ponderação que o Pedro Lomba conhece, se revelam prevalecentes. Claramente, na minha opinião, é o que se passa na hipótese absurda de divulgação de conversas telefónicas gravadas ilegalmente entre Sócrates e Vara. A privacidade, aqui, prevalece.


Já na decisão - prefiro a decisão à notícia -  a que o Pedro Lomba faz referência sem ler, o caso é bem diferente: temos um jornalista que publicou uma notícia referente a factos - e não alegados factos - constantes de um processo já arquivado. A notícia diz respeito a um político que tinha sido arguido num processo por ter agredido sexualmente uma doente, na qualidade de médico. Na realidade, abreviando, estamos perante duas notícias, baseadas nas declarações da vítima. Depois, há uma "nota do director do jornal" que é "opinativa" e incita novos testemunhos a virem a público, o que, parece-me, traduz um juízo difamatório segundo o qual há, certamente, outras vítimas.


Excepcionalmente, tendo a considerar que o TEDH esteve bem em condenar o Estado português em matéria de liberdade de imprensa. Digo isto, porque o caso já estava arquivado, porque havia interesse público em revelar os factos e porque nada foi inventado. Já quanto à "nota do director do jornal", não acompanho a decisão do TEDH, como de resto não a acompanhou o Juiz português Cabral Barreto em voto de vencido quanto a essa parte.


Cada decisão é uma decisão, mas podemos, com o que se tem passado ao nível dos tribunais portugueses e do TEDH, que não revoga as decisões nacionais, fazer um esforço de teorização.


É que se tivermos a paciência de percorrer as decisões em que Portugal foi condenado em matéria de liberdade de expressão/liberdade de imprensa ,e de ler ler as decisões nacionais que antecederam essas mesmas condenações, somos forçados a concluir deste modo: 


os juízes não são loucos, não, mas estão, muitas, mas muitas vezes equivocados. Basta analisar as decisões para se perceber que em Portugal há uma tendência quase automática para condenar a liberdade de imprensa, com critérios de ponderação muito pobres, sendo às vezes penoso ler as sentenças e verificar que a Academia avança para nada. Escrevem-se teses que nos actualizam acerca do manuseamento dos direitos fundamentais, como esta ou esta , para nada. Os juízes não as lêem.


Por seu turno, o TEDH, longe da realidade de cada país, condena sempre, quase invariavelmente, a honra, o bom-nome, a privacidade, o segredo de justiça, tudo em prol da absolutíssima, ao que parece, liberdade de imprensa ou de expressão.


De facto, os juízes não são loucos, mas estão, muitas, mas muitas vezes equivocados. E o problema, parece-me, é a tal distância do ambiente cultural de cada país. Porque a privacidade, por exemplo, em Portugal é uma coisa e no Reino-Unido é outra.


Há decisões que condenaram Portugal, consideradas históricas pelos jornalistas vencedores, que são, do ponto de vista jurídico puro, independentemente da simpatia que mereçam as personagens reais implicadas, uma vergonha. É o caso desta.  Vai-se a ler a decisão e dispenso-me de comentários. A mentira é indemnizável. E como esta, há outras.


 É sempre assim, portanto: os juízes portugueses tendem a decidir contra a liberdade de imprensa, os juízes do TEDH tendem a decidir a favor da liberdade de imprensa ou de expressão.


Ora, isto não dá base alguma para uma piadola ou para calar quem quer que seja, se é que me entendem. E não podemos, juristas, opinadores, jornalistas que lidam com conflitos destes no seu quotidiano, ficar rendidos com o que diz um juiz ou com o que diz um tribunal para efeitos de se ter uma opinião. Nem ninguém se pode atrever a desligitimar a nossa opinião à conta de uma decisão judicial. Era o que faltava.


É sempre bom recordar que vivemos numa sociedade aberta de intérpretes.

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publicado às 15:09


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