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...«Porque foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem...»
Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
Voltei a Lisboa. Voltei ao Campo das Cebolas, uns quinze anos depois. Passei ao lado da Oliveira e cheio de expectativas entrei na Casa dos Bicos, local onde se encontra a Fundação José Saramago. Apanhei a desilusão da vida. Alguns, poucos, manuscritos. Algumas, poucas, fotos, muitas sem contextualização alguma. Muitos livros, de edições diversas, espalhados pelas paredes. Algumas folhas das provas de algumas obras. Uma medalha perdida ali num recanto, e aqui convém destacar que a tal "medalha" perdida é o símbolo em formato de metal de um Prémio Nobel e quando devia ser destaque central é um mero adereço pelo qual muitos vão passar e nem ver. Uma espécie de escritório mal iluminado. Alguns ecrãs a emitir reportagens, umas por ocasião do Nobel, outras a emitir o documentário sobre José e Pilar. Um auditório, uma televisão, uma mesa, com jornais Público já repassados de falta de actualidade, e uma biblioteca que talvez venha um dia a permitir que se percorra páginas de uns livros. Fiquei desiludido, Saramago merecia melhor. Vou-me refugiar nas palavras deixadas por ele em tantos e tantos livros e talvez me esqueça...
[lamentavelmente, não sei quem é o autor do excelente "retrato"]
PS - O senhor da foto nada tem a ver com este post (mentira!, ou não o destacaria), mas achei por bem revelar um dos autores que não passarão férias comigo. É o tipo de xanax de que prescindo; porém, como continuo ansioso por um romance dele que se suporte além das dez páginas, aqui fica o incentivo. Força, António, desce desse teu quase-nobel e continua a tentar, pode ser que um dia encontres o teu Levantado do Chão e, quiçá, mas aqui já entro no domínio do absurdo, um memorial de um convento qualquer.
PPS (isto do PPS é uma aberração, mas prefiro-o ao PS2, que é uma consola) - Gosto muito das tuas crónicas, um dia até te pedi um autógrafo numa das colectâneas que delas te fazem. Calhou que escreveste Rogerio. E eu não sou ro-ge-rio. Levo acento. Até era gajo para, no meio de uma qualquer bebedeira, me amandar aos teus cus de judas, salvo seja, mas essa foi a gota de água. Como diz o povo, quem nasce para Antunes jamais chegará a Saramago.
Uma coisa me faz compartilhar aqui o texto que se segue: é que, pasme-se (pasmo eu, por certo), concordo com quase tudo. De resto, e a propósito, haveria muito a dizer sobre o que moveu (e move) o cerco a Garzón. Ou talvez não, que está lá tudo. Nas linhas e nas entrelinhas. Entretanto, nós por cá (aqui me incluo) andamos como que algo sedados com o novo Governo: "é preciso dar-lhes tempo". Pois será, mas a verdade é que não vai adiantar nada. Para efeitos de raciocínio, vamos acreditar que eles estão imbuídos da melhor das vontades e que irão fazer o maior dos esforços. Mas para quê? À custa de quê? E de quem? De quantas gerações? Por onde andará o filho do meu filho? Virá a existir? Que língua oficial falará? Que moeda usará? Andará de cabeça erguida? Ou de chicote no lombo? Aí vamos, para onde quer que seja, empurrados por uma Alemanha e uma França cegas e de olhos bem abertos e que conhecem bem a inevitabilidade do que aí vem. Mas valerá a pena ir para a rua? O que se passa na Grécia demonstra que também não é esse o caminho. Não há rua que os faça parar, aos mercados. Não há esforço, não há medidas orçamentais, não há apertar de cinto, não parece haver nada. A decisão já está tomada há muito. O galgar diário das taxas de juro está aí para o provar. E, isto é óbvio, se a Alemanha e a França quisessem evitar o que vai acontecer já o teriam feito. Ora, perante o inevitável, para quê seguir por este caminho? Para voltarmos a ser o bom aluno da Europa?, com a diferença que no fim teremos por certo um "no can do, sorry". E talvez um ossito? Até parece, agora que releio o que acima deixo, que conheço de cor o caminho, que estes, da ilusión compartida", sabem para onde querem ir. Nada disso, o único que eu sei - e já não é pouco -, é que este, o actual, não leva a lado nenhum. Perante tal, dou por mim a pensar numa certa jangada de pedra, "ancorada" ali entre África e a América do Sul. Grande Saramago, muito tu gritaste, muito continuas a gritar.
«UNA ILUSIÓN COMPARTIDA
El descrédito de la política y las quejas asiduas sobre la corrupción de la vida democrática no pueden dejar indiferentes a las conciencias progresistas. Son muchas las personas que, desde diferentes perspectivas ideológicas, se han sentido indefensas en medio de esta crisis económica, social e institucional. La izquierda tiene un problema más grave que el avance de las opciones reaccionarias en las últimas elecciones municipales. Se trata de su falta de horizonte. Mientras los mercados financieros imponen el desmantelamiento del Estado del bienestar en busca de unos beneficios desmesurados, un gobierno socialista ha sido incapaz de imaginar otra receta que la de aceptar las presiones antisociales y degradar los derechos públicos y las condiciones laborales.
Es evidente que los resultados electorales han pasado una factura contundente al PSOE. Pero las otras alternativas a su izquierda no han llegado a recoger el voto ofendido por las medidas neoliberales y las deficiencias de una democracia imperfecta. Y, sin embargo, no es momento de perder la ilusión, porque la calle y las redes sociales se han puesto de pronto a hablar en alto de política para demostrar su rebeldía. Esta energía cívica, renovada y llena de matices, tiene cuatro preocupaciones decisivas: la regeneración democrática, la dignificación de las condiciones laborales, la defensa de los servicios públicos y el desarrollo de una economía sostenible, comprometida con el respeto ecológico y al servicio de las personas. Son las grandes inquietudes del siglo XXI ante un sistema cada vez más avaricioso, que desprecia con una soberbia sin barreras la solidaridad internacional y la dignidad de la Naturaleza y de los seres humanos.
La corrupción democrática se ha mostrado como la mejor aliada de la especulación, separando los destinos políticos de la soberanía cívica y descomponiendo por dentro los poderes institucionales. Hay que devolverle a la vida pública el orgullo de su honradez, su legitimidad y su transparencia. Por eso resulta imprescindible buscar nuevas formas de democracia participativa y sumar en una ilusión común los ideales solidarios de la izquierda democrática y social.
Los poderes financieros cuentan con nuestra soledad y nuestro miedo. Sus amenazas intentan paralizarnos, privatizar nuestras conciencias y someternos a la ley del egoísmo y del sálvese quien pueda. Pero la energía del tejido social puede consolidar una convocatoria en la que confluyan las distintas sensibilidades existentes en la izquierda y encontrar el consenso necesario para crear una ilusión compartida. Debemos transformar el envejecido mapa electoral bipartidista. El protagonismo cívico alcanzado en algunos procesos como el referéndum sobre la permanencia de España en la OTAN, el rechazo a la guerra de Irak o el 15-M, nos señalan el camino.
Se necesita el apoyo y el esfuerzo de todos, porque nada está escrito y todo es posible. El mundo lo cambian quienes, desde los principios y el compromiso cívico, se niegan a la injusticia, rompen con la tentación del acomodo y se levantan y pelean dando sentido a la ilusión. La memoria de la emancipación humana exige una mirada honesta hacia los valores y el futuro. Nosotros estamos convencidos de la necesidad de reconstruir el presente de la izquierda. ¿Y tú?» (Publico.es)
Não é à pessoa.
Escrever é ir além do que se é; só quem o conhece pode destrinçar o ser que acorda e dorme. Não é o meu caso. Nunca vi Saramago e nunca ansiei por isso. Saramago era para mim um livro que se lê. Tão-só. E tão só o fiz quando o fiz. Cresci – de crescer (os anos não são para aqui chamados) – a lê-lo, ao Saramago-livro. Li o Memorial como quem vive uma vida. Saí dele diferente, como quem – por causa – se decide numa encruzilhada. Ele há disto? Que coisa é esta que me deforma & forma desta maneira intrusiva? Na altura, a anos-luz deste presente circunstancial, senti Saramago um escultor, moldando sentires na pedra bruta do meu ser. As palavras do Memorial têm cheiro e sabor e olhos. Ouvem e palpam. Lá estão e cá hão-de ficar para sempre, como parte de mim e de quem de mim veio e há-de vir.
Todos os Nomes. Ainda hoje aquele sou eu. Saramago tem o dom de nos transformar e de nos transformar também. De nos transformar porque não saímos diferentes da discussão, e de nos transformar também porque nos obriga ao protagonismo. Ordena-nos, como que sob ameaça, o papel principal. E lá andei (e ando) entre registos de nascimento e de morte. À procura.
Ensaio sobre a Cegueira. Ceguei primeiro (naquele semáforo) e fui o fingidor depois; Homem Duplicado, procurei; O Ano da Morte de Ricardo Reis, entrei vezes sem conta naquele quarto de hotel.
Não se traduz este sentir em palavras (tento): a minha angústia de hoje, a minha dor, resume-se (?) ao facto de não mais haver mais daquilo (disto), como que a extinção de uma espécie. Acabou-se o chilreio obrigatório e maçador e divertido e saltitante e definitivo (imaginem a vossa vida sem pardais). Da certeza da certeza (da minha) de que para o ano não sairá mais um – ainda que eu o venha a detestar (como aconteceu com Caim).
Caim. Com Caim, que eu (ainda abaixo da esperança média de vida, o que me retira autoridade) julguei escusado, senti (assim que o li) que Saramago dizia algo como "estou quase aí e continuo a não acreditar em ti, essa luz que até já vi [quatro pontos em forma dele, disse ele em entrevista] não pode ser, que eu sei que estou deitado naquela cama e que dali me levam metade para aqui e a outra metade para acolá. Às cinzas."
Assim o quero. Quem manda aqui sou eu. Assim como fiz Blimunda e Baltasar, Jesus a amar Madalena, ceguei o primeiro que cegou. Assim vos dou, eufemismo de marco-vos a ferros. Como vosso pai.
Com Saramago, o homem, foram-se hoje as esperanças de mais intrusões destas. A partir d’agora tenho a certeza de que as páginas não me comandam.
Foi só isto que se perdeu hoje. Este.
Doravante, ler será infinitamente mais cómodo. E aborrecido.
Uma última palavra (e detesto terminar assim) para os que crucificam Saramago ou o enforcam numa figueira, conforme o queiram cristo ou judas: o Saramago que ontem morreu, o dos livros, não tem direita ou esquerda. Foi sempre em frente. Leiam e odeiem ou amem. Ou então calem-se, que daqui não levam votos nem pedidos de mais hóstias ao padeiro.
Hoje este génio faria 88 anos. A partir de amanhã, é ir ao cinema. O filme chama-se José & Pilar .
Eu nunca tinha lido o texto que segue do Saramago. Hoje, ao almoço, o meu pai perguntou-me: - já leste esta coisa maravilhosa? E deu-me a ler a carta do Saramago à sua avó. Acabei-a num soluço.
O meu pai, por acaso, nasceu em 1922, em Grijó de Vale Benfeito, uma aldeia, então, perdida em Trás-os-Montes, tão distante, tão rural. A minha avó tinha 16 anos quando o meu pai nasceu e o meu avô 19, gente dada à longevidade, pelo que tive a sorte de ter avós paternos até bastante tarde, coisa que pareceria impossível, dada a idade avançada do meu pai, quando comparada com a idade dos pais dos meus colegas de escola. Isto para dizer que esta carta do Saramago diz-me muito, sei exactamente de que tipo de mulher está a falar, sei daquela ruralidade, sei daquela ligação à terra que Saramago não esqueceu, ouvi da boca dos meus avós, para além do que me transmitiu o meu pai, tanto do que me faz sentido nesta carta. Eis um texto magnífico e nele a possibilidade da intimidade entre o leitor e o escritor. Hoje, o meu dia teve sentido por causa do momento de génio e de autenticidade que se passo a trancrever:
A verdade é que esta é uma capa perfeitamente escusada. Por dois motivos: é feia que dói (nos olhos, nos ouvidos, nos sentidos todos) e é um aproveitamento barato da morte de Saramago. Para além de ser um ataque escusado à Santa Madre Igreja (eu sei, eu sei, mas têm-me dado umas cenas muito esquisitas para ler). Falando sério, quando se ataca uma religião que se ataque em modos — motivos não faltam — e com classe, agora colocar Cristo entre mamas e tatuagens naquela cama horrível com o título do livro de Saramago à cabeceira é que não. OK, confesso, estou-me assim um bocadinho nas tintas para o que possam sentir os crentes ao ver aquilo — aliás, quem estiver de bem com a religião em causa nem sequer olhará duas vezes para capa —, o que realmente me repugna é ver a memória de Saramago ser pontapeada desta maneira. Aquilo não é uma homenagem, aquilo reduz-se a somar mamas com religião para vender mais qualquer coisinha — cheira-me, no entanto, que lhes vai sair o tiro pela culatra. Lembro-me da reacção de Saramago quando acabou de ver o Blindness do Meirelles. Como ficou comovido e como levou logo um beijo do realizador na careca. Se ele visse isto, estou certo que não gostaria e que responderia à tentativa de beijo na careca com um belo dum murro nas trombas. Depois da novela das cinzas, que tem uma culpada insuspeita, depois dos aproveitamentos políticos todos, mais esta. Deixem o homem em paz, pode ser? Se o querem mesmo homenagear, leiam-no. É assim que se homenageiam escritores.
Só mais uma palavra em relação à liberdade de expressão e a quem acha que tudo pode ser dito, tudo pode ser feito, ou aqui d'el rei que isso é censura. Liberdade é precisamente o contrário disso que pensam: é não fazer tudo, não dizer tudo só porque se pode. O exercício da liberdade devia começar por uma espécie de auto-censura. Assim não sendo, não é verdadeira liberdade, porque fica tolhida logo a montante e sai desembestada em relação a quem se atravesse. Isso é mais libertinagem.
Já o homem está em cinzas e não há maneira de o deixarem em paz.
Alguns de boa fé (poucos), outros na ânsia de arrebanharem mais um adepto ou um voto, a verdade é que se tem misturado vezes demais o nome de Saramago com o de Cavaco Silva, a propósito da ausência deste no funeral daquele. Vejam se entendem: Saramago já tinha assumido que jamais estaria presente em qualquer evento onde estivesse o actual PR, que não tinha interesse em conhecê-lo e que não o cumprimentaria em circunstância alguma (ou algo parecido).
Estou-me nas tintas para as férias nos Açores ou lá para que raio de desculpa inventou Cavaco – seja o que seja, esteve ao seu nível, a desculpa, estou certo. O que verdadeiramente me interessa é que o PR teve a decência e lucidez de não comparecer, de colocar a vontade de Saramago à frente dos seus interesses e dos empenhos dos que entendem que ser PR é ir aos funerais de quem nos odeia ou despreza (e ainda que outras razões tenham sido, que é o mais certo, o que me interessa é o resultado final). Mas qual representação do país? O país esteve representado por quem verdadeiramente o representa. E, nestas coisas, isso não resulta de uma simples eleição. Um homem quando chega a presidente não se desmaterializa nem vai, por artes do divino, além do que é. Não se trata dele, portanto, nem do país, mas de Saramago, que não quereria tal figura no seu funeral. Assim, e independentemente das razões que a forçaram, eis uma boa decisão, a de Cavaco, honrando Saramago com a sua ausência e permitindo-lhe um funeral segundo a sua vontade. Façam o mesmo e deixem o morto em paz, que já vai sendo tempo, pode ser?
PS - Li, de raspão, o sociólogo Alberto, na Sábado, a dizer, como quem exibe uma medalha, que nunca conseguiu ler Saramago (de resto, julgo que não é a primeira vez que aflora este tema, o de não ler Saramago). Seja, homem, não o leu, leve lá a bicicleta. Agora veja se pára de escrever sobre ele.
Não é à pessoa.
Escrever é ir além do que se é; só quem o conhece pode destrinçar o ser que acorda e dorme. Não é o meu caso. Nunca vi Saramago e nunca ansiei por isso. Saramago era para mim um livro que se lê. Tão-só. E tão só o fiz quando o fiz. Cresci – de crescer (os anos não são para aqui chamados) – a lê-lo, ao Saramago-livro. Li o Memorial como quem vive uma vida. Saí dele diferente, como quem – por causa – se decide numa encruzilhada. Ele há disto? Que coisa é esta que me deforma & forma desta maneira intrusiva? Na altura, a anos-luz deste presente circunstancial, senti Saramago um escultor, moldando sentires na pedra bruta do meu ser. As palavras do Memorial têm cheiro e sabor e olhos. Ouvem e palpam. Lá estão e cá hão-de ficar para sempre, como parte de mim e de quem de mim veio e há-de vir.
Todos os Nomes. Ainda hoje aquele sou eu. Saramago tem o dom de nos transformar e de nos transformar também. De nos transformar porque não saímos diferentes da discussão, e de nos transformar também porque nos obriga ao protagonismo. Ordena-nos, como que sob ameaça, o papel principal. E lá andei (e ando) entre registos de nascimento e de morte. À procura.
Ensaio sobre a Cegueira. Ceguei primeiro (naquele semáforo) e fui o fingidor depois; Homem Duplicado, procurei; O Ano da Morte de Ricardo Reis, entrei vezes sem conta naquele quarto de hotel.
Não se traduz este sentir em palavras (tento): a minha angústia de hoje, a minha dor, resume-se (?) ao facto de não mais haver mais daquilo (disto), como que a extinção de uma espécie. Acabou-se o chilreio obrigatório e maçador e divertido e saltitante e definitivo (imaginem a vossa vida sem pardais). Da certeza da certeza (da minha) de que para o ano não sairá mais um – ainda que eu o venha a detestar (como aconteceu com Caim).
Caim. Com Caim, que eu (ainda abaixo da esperança média de vida, o que me retira autoridade) julguei escusado, senti (assim que o li) que Saramago dizia algo como "estou quase aí e continuo a não acreditar em ti, essa luz que até já vi [quatro pontos em forma dele, disse ele em entrevista] não pode ser, que eu sei que estou deitado naquela cama e que dali me levam metade para aqui e a outra metade para acolá. Às cinzas."
Assim o quero. Quem manda aqui sou eu. Assim como fiz Blimunda e Baltasar, Jesus a amar Madalena, ceguei o primeiro que cegou. Assim vos dou, eufemismo de marco-vos a ferros. Como vosso pai.
Com Saramago, o homem, foram-se hoje as esperanças de mais intrusões destas. A partir d’agora tenho a certeza de que as páginas não me comandam.
Foi só isto que se perdeu hoje. Este.
Doravante, ler será infinitamente mais cómodo. E aborrecido.
Uma última palavra (e detesto terminar assim) para os que crucificam Saramago ou o enforcam numa figueira, conforme o queiram cristo ou judas: o Saramago que ontem morreu, o dos livros, não tem direita ou esquerda. Foi sempre em frente. Leiam e odeiem ou amem. Ou então calem-se, que daqui não levam votos nem pedidos de mais hóstias ao padeiro.
(também aqui)
Siga.
A sensação que me ficou é que Saramago acredita mais em Deus do que Carreira das Neves, tal a indignação que revelou pelo comportamento do segundo (do do meio, Deus). Nem era preciso o abençoado telemóvel ter tocado, que a entrevista já ia divina q.b.. Saramago teme o Deus literal; Carreira das Neves não acredita nele - e o crente vira não-crente e vice-versa.
* "Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso (...)" [o bold literal é meu, o literário é do Saramago]
PS - Que não haja confusões, não subscrevo (só se fosse um perfeito idiota e o Memorial do Convento não existisse. E o Todos os Nomes e o Ensaio sobre a Cegueira e o Ano da Morte de Ricardo Reis e a Jangada de Pedra e... e ...) as palavras do sociólogo Gonçalves, na última Sábado [«(...) qualquer versículo do Antigo Testamento, esse "manual de maus costumes", vale a obra inteira do pobre José, embora, no contexto, a pobreza seja só de espírito.»]. Basta o Memorial do Convento, cuja não leitura devia ser proibida (olhó fundamentalismo) para contrariar a sentença à la Saramago do aspirante.
* em entrevista a Judite de Sousa, hoje na RTP1.
1 - Saramago tem todo o direito de dizer que "O Deus da Bíblia é rancoroso, vingativo e má pessoa".
2 - Saramago também tem todo o direito de dizer que "Caim nunca existiu".
3 - Saramago tem ainda o direito de dizer que "Sem a Bíblia seríamos outras pessoas - provavelmente melhores".
4 - Saramago tem o direito de acreditar que o seu Caim "é um livro divertidíssimo".
5 - Saramago tem o direito de dizer que "a Bíblia é um manual de maus costumes" e até que é um livro impróprio para crianças [esta última parte aparece no Público como tendo sido dita, embora não surja entre aspas].
E eu tenho o direito de dizer que Saramago fez uma leitura superficial da Bíblia, o que fica bem demonstrado pela assertividade, à laia de revelação, da sentença, "Caim nunca existiu" - há alguém com dois dedos de testa que diga o contrário? (eu disse: com dois dedos de testa). Eu tenho o direito de achar uma tontaria aquela do "Sem a Bíblia seríamos outras pessoas - provavelmente melhores". Wishful thinking, no mínimo. Não fosse a Bíblia, seria outra coisa qualquer a tornar-nos maus. E cá estaria Saramago a escrever sobre uma inevitabilidade alternativa. O homem não é a Bíblia, a Bíblia é que é o homem - a não ser que acreditemos que o livro nos caiu dos céus aos trambolhões. Eu tenho ainda o direito de achar que uma leitura correcta da Bíblia pode ser um bom instrumento pedagógico - omitir a Bíblia, isso sim, é impróprio para crianças. Como, de resto, é impróprio omitir-lhes (às crianças) a existência do que quer que seja. Saramago acha Caim - o seu - divertidíssimo. Eu achei-o uma estopada, um tiro na água e uma oportunidade perdida para se parodiar o antigo testamento. E muito gostaria de ter achado o contrário, o que quereria dizer que tinha passado umas horas mais divertidas do que as que me foram proporcionadas. Já agora, divertidíssima (nalgumas partes) é a Bíblia. Por último, tenho o direito de continuar a gostar de Saramago, de o achar um escritor de excelência (mesmo Caim, longe dum Memorial, está bem escrito, o problema ali não é formal). Venha o próximo, que cá estarei para o ler, como fiz com este - ao contrário de muitos saramaguianos de primeira hora (mas de Sábado passado, quando lhes nasceu um deus).
PS - Já me esquecia, aquele david não-sei-das-quantas, o do Parlamento Europeu, parece querer instituir o direito de se poder pedir a alguém que renuncie à nacionalidade. Existisse tal direito de petição e, no que me toca, já teria destinatário. O autor do Memorial do Convento não me envergonha (como poderia?), pelo contrário. Envergonham-me, isso sim, os laras e os davides da vida.
No meio de toda a indignação que as palavras de Saramago causaram - e muito justamente, embora alguns insistam em confundir alhos com bugalhos -, resolvi ir ler o livro. Em nada movido pela polémica - apenas fiz o que faço com todos os livros escritos por Saramago: leio-os.
Então não é que o livro é bem capaz de ser a pior coisinha que Saramago algum dia escreveu? Espécie de tentativa débil e gorada de reductio ad absurdum, cheia de dichotes a armar ao engraçado, dei por mim num livro que se consubstancia numa espécie de paródia mal parida àquela parte do antigo testamento. Não vou, como é óbvio, entrar em pormenores, mas não deixarei de referir que me chocou a forma como, partindo de uma interpretação literal do antigo testamento - propositada é certo -, Saramago tentou o humor fácil, quase brejeiro, aquele tipo de coisa insossa que não se espera do autor do Memorial do Convento.
Digamos que Caim, não fosse estar eu abismado pela coisa, seria livro para colocar de parte ao fim de uma dezena de páginas. Por outro lado, o livro lê-se sem grande esforço até ao fim, como quem não desvia o olhar de alguém que escorrega numa casca de banana. O ódio de Saramago a tudo o que "religiosamente mexe" desta vez toldou-lhe o espírito.
O medo que Saramago tem da morte (nunca lhe ouvi tal, apenas me parece que isso transparece nalgumas passagens de Caim) devia ter outro destino.
É o que me parece. Posso, concedo, ter lido tudo mal, ter entendido tudo ao contrário. Nada como comprar e ler.
Uma última referência ao facto de que jamais moldaria assim esta crítica (mesmo porque se há coisa que não almejo, nem tenho competência para tal, é ser critico literário), caso não tivesse Saramago como um dos nossos maiores. É, portanto, com o todo o devido e merecido respeito.
Começo com uma declaração de interesses: Saramago é um dos meus autores caros. Fora umas intermitências e um pretenso ensaio sobre a lucidez, gostei de tudo o que dali veio. Construí imaginários demasiados meus, demasiado densos, demasiado íntimos a partir de muitas das obras dele. Tudo por causa de todo aquele espaço que Saramago sempre deixa ao leitor. Aqui deixo o que escrevi, agora faz tu o resto. E, no caso de Saramago, o resto não se resume à leitura. As palavras são-nos entregues e dá – dá-me! – tanto trabalho (e prazer) arrancá-las à pedra que passam a ser minhas – mais que dele.
Dito isto, avanço para o que me parece óbvio. As últimas declarações de Saramago são um verdadeiro tiro no pé. No caso, Saramago está a fazer à Bíblia – a um livro – exactamente aquilo que muitos lutaram para que fosse feito (felizmente, não conseguiram) aos livros dele.
Ironicamente, esses radicais de ofício que - ironicamente outra vez - acabaram por contribuir positivamente para a construção de uma carreira ímpar, talvez vejam hoje os leitores de (educados na tolerância por) Saramago correr às livrarias em busca de uma boa edição da Bíblia. No que me diz respeito, já tenho a Bíblia (mais do que um formato e mais do que uma “versão”) e só lamento pegar-lhe poucas vezes.
Resta-me, pois, ignorar o que Saramago agora disse e ir comprar Caim. Se levasse a sério tão tontas declarações, teria, coerentemente, que não ler Caim. Faz o que eu digo mas não faças o que eu faço. Saramago fê-lo a preceito ao dizer o que disse da Bíblia e eu sou obrigado a imitá-lo para o poder ler.
Depois de o ler, vou arrumá-lo junto a uma Bíblia - pode ser que se ensinem tolerância.
(imagem sacada ao irmão lúcia, a quem eu um dia expulsei dum blogue...)
"No veo qué otro nombre le podría dar. Una cosa peligrosamente parecida a un ser humano, una cosa que da fiestas, organiza orgías y manda en un país llamado Italia. Esta cosa, esta enfermedad, este virus amenaza con ser la causa de la muerte moral del país de Verdi si un vómito profundo no consigue arrancarlo de la conciencia de los italianos antes de que el veneno acabe corroyéndole las venas y destrozando el corazón de una de las más ricas culturas europeas. Los valores básicos de la convivencia humana son pisoteados todos los días por las patas viscosas de la cosa Berlusconi que, entre sus múltiples talentos, tiene una habilidad funambulesca para abusar de las palabras, pervirtiéndoles la intención y el sentido, como en el caso del Polo de la Libertad, que así se llama el partido con que asaltó el poder. Le llamé delincuente a esta cosa y no me arrepiento. Por razones de naturaleza semántica y social que otros podrán explicar mejor que yo, el término delincuente tiene en Italia una carga negativa mucho más fuerte que en cualquier otro idioma hablado en Europa. Para traducir de forma clara y contundente lo que pienso de la cosa Berlusconi utilizo el término en la acepción que la lengua de Dante le viene dando habitualmente, aunque sea más que dudoso que Dante lo haya usado alguna vez. Delincuencia, en mi portugués, significa, de acuerdo con los diccionarios y la práctica corriente de la comunicación, "acto de cometer delitos, desobedecer leyes o padrones morales". La definición asienta en la cosa Berlusconi sin una arruga, sin una tirantez, hasta el punto de parecerse más a una segunda piel que la ropa que se pone encima. Desde hace años la cosa Berlusconi viene cometiendo delitos de variable aunque siempre demostrada gravedad. Para colmo, no es que desobedezca leyes sino, peor todavía, las manda fabricar para salvaguarda de sus intereses públicos y privados, de político, empresario y acompañante de menores, y en cuanto a los patrones morales, ni merece la pena hablar, no hay quien no sepa en Italia y en el mundo que la cosa Berlusconi hace mucho tiempo que cayó en la más completa abyección. Este es el primer ministro italiano, esta es la cosa que el pueblo italiano dos veces ha elegido para que le sirva de modelo, este es el camino de la ruina al que, por arrastramiento, están siendo llevados los valores de libertad y dignidad que impregnaron la música de Verdi y la acción política de Garibaldi, esos que hicieron de la Italia del siglo XIX, durante la lucha por la unificación, una guía espiritual de Europa y de los europeos. Es esto lo que la cosa Berlusconi quiere lanzar al cubo de la basura de la Historia. ¿Lo acabarán permitiendo los italianos?"
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