Subitamente reparei no silêncio que se fez à volta da guerra civil na Síria que continua pacatamente a decorrer com o seu cortejo de barbaridades enquanto o povo se congratula pelo bom senso das super potências e se falou em prémios Nobel para Putines, Obamas e... (believe it or not) Assades. E assim continuará até um dia destes quando for preciso excitar novamente a opinião pública para propiciar uma intervenção militar inútil para quem sofre e lucrativa para quem fornece o "material".
And if the building's burning move towards that door But don't put the flames out There's a bit of magic in everything And then some loss to even things out
Começo pois por uma citação cuja origem continua pouco definida: "...filhos de puta, mas os nossos filhos de puta...". Eis então um nó górdio do BE, da cultura de protesto do BE e, por extensão, de todas as correntes de esquerda com as quais sempre me identifiquei: o compromisso.
Melhor dizendo, a incapacidade escatológica de, pura e simplesmente, considerar a possibilidade do compromisso, provavelmente porque isso implicaria uma perda de pureza, o que, diga-se de passagem, para o Zé Manel representaria um grande problema. Ironias à parte, o facto simples é que a cultura de protesto, entendida no seu sentido mais lato, é responsável por alguns dos, ou quase todos, grandes saltos civilizacionais dos últimos cinquenta anos.
Facto simples também, é que a cultura de protesto funciona quando o capitalismo funciona, ou no mínimo, mais ou menos. Quando deixa de funcionar, como acontece na nossa situação actual, as suas formas de actuação deixam de funcionar. Tornam-se bizantinas, sem por isso perderem a substância. Simplesmente, não levam a lado nenhum e só convencem aqueles que à partida já estavam convencidos. A cultura de protesto transforma-se em pouco mais do que a contemplação do próprio umbigo.
Mas, se aceitarmos a origem mais comum da citação a respeito dos tais "...nossos filhos da puta...", é caso para dizer que, sem a impureza de Franklin Roosevelt — quem tiver dúvidas, que vá à internet e procure, por exemplo 'democratas sulistas' — a pureza de todos nós, assentaria hoje nos critérios raciais de Adolfo Hitler.
Mas o assunto é a situação síria, e eu não vou fugir ao assunto. Ouvi os tambores da guerra a rufar, como todos, mesmo os mais distraídos. Fiquei com a impressão de que, se calhar, o José Rodrigues dos Santos leva aviõeszinhos para a banheira, para brincar durante o banho, mas o assunto não é este. A utilização de armas químicas é dos poucos tabus que restam, na cena internacional. A proibição destas armas data de 1925, no rescaldo da matança da Primeira Guerra. Por isso, neste momento, a questão para mim é simples: o que é que colocamos num dos pratos da balança e o que é que colocamos no outro?
E o fiel da balança tem uma localização simples. Fica em Nova Iorque, num arranha-céus de vidro e aço, e costumamos chamar-lhe Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não tem qualquer traço de pureza. Foi concebido na lógica e pela lógica das potências nucleares. Com todas as suas limitações, é das poucas coisas que nos separam da barbárie. Que fale então a voz dos diplomatas, que esses nunca tiveram dúvidas a respeito dos méritos do compromisso. E enquanto eles falarem, não falam os canhões.
Com todo o respeito pelos que sofrem em Boston; Com todo o respeito pelos 2 mortos e 49 feridos (até agora) no atentado cobarde de Boston; Estou cansado de fazer zapping e não consigo saber: quantas dezenas de homens, mulheres e crianças morreram hoje na Síria e arredores (metafóricos e geográficos)? E ontem? E anteontem? E amanhã? Já foram tomadas "medidas sérias"? Em quantos mundos vivemos, mesmo? Só num, com dois pesos e duas medidas. Uma vida vale quanto? Depende da nacionalide e da cor.
Voltando a Boston: A dúvida de sempre. Quem é o culpado? A CIA ou o inimigo de ocasião, o Irão? Venham as teorias. As sempre renegadas "da conspiração" e a oficial. A história vai registar a segunda. Quem interessa culpar é o culpado ou não passa de quem interessa culpar? Na CNN já se pergunta "quem serão os maus, desta vez?". Merda de mundo.
Voltando à Siria:
Só ontem terão morrido 16 pessoas. Em Março foram mortas pelo menos 6000 pessoas ("terão", "pelo menos", mais "coisa" menos "coisa").
As propostas de François Hollande – que declarou não rejeitar uma intervenção militar na Síria – e a reação hostil na Alemanha mostram claramente que numa altura em que Paris evoca uma intervenção na Síria, Berlim prefere fechar os olhos, estima o Süddeutsche Zeitung, alargando assim um pouco mais o fosso que se está abrir entre as duas capitais:
Se ainda era necessária uma prova de que a Alemanha e a França não estão somente divididas relativamente à moeda única, François Hollande tratou de a apresentar. […] Ou o novo Presidente francês é muito ingénuo, ou muito calculista. É ingénuo quando acredita realmente que pode persuadir Vladimir Putin [o Presidente russo estará de visita a Paris no dia 1 de junho]. É calculista, porque para ele se trata de um efeito temporário antes das eleições legislativas em França [nos dias 10 e 17 de junho]. No entanto, seria injusto acusar o governo federal de inatividade. No Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Alemanha é um dos países que, desde há um ano, choca com o muro de defesa erguido pela China e a Rússia à volta do regime sírio.
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Guido Westerwelle, segue uma política que visa afastar o ditador Bashar Al-Assad do país através de pressões diplomáticas e sanções. As Nações Unidas são responsáveis pela proteção do povo sírio. O que não implica forçosamente a opção militar. Enquanto, por um lado, os franceses escolhem, talvez demasiado cedo, a via militar, os alemães habituaram-se a fechar os olhos. São capazes de falar detalhadamente de todas as consequências de uma intervenção violenta, sem nunca mencionar as consequências de uma não-intervenção.
Milhares de mortos e feridos, um estado contra a sua própria população, será preciso mais para que o Ocidente lance uma acção militar limitada mas definitiva na Síria?
Os assassinatos em massa são assuntos internos da Síria?
O antigo primeiro-ministro francês Dominique de Villepin, candidato às próximas presidenciais, afirmou este domingo que é altura de "pensar numa ação no terreno" na Síria, admitindo "ataques cirúrgicos" contra o regime de Bachar al-Assad.
"É tempo de atuar de forma determinada, com a Liga Árabe, para criar uma equipa de intervenção humanitária", disse Villepin, convidado do jornal da noite do canal de televisão pública France 3 e citado pela agência AFP.
Villepin adiantou que não basta dizer, é preciso fazer, torna-se necessário um calendário.
"Vamos dar algumas semanas à comunidade internacional para atuar e preparar uma alternativa de ataques cirúrgicos", referiu.
A sangrenta repressão na Síria é alimentada pela renda obtida com a venda de petróleo à Europa. Sanções contra o petróleo sírio vindas de toda a União Europeia prejudicariam gravemente a capacidade da Síria de continuar com o massacre. Clique aqui para exigir que as lideranças da UE imponham sanções imediatas contra o petróleo sírio:
Durante meses, o brutal presidente da Síria, Assad, tem contratado capangas para guerrear contra seu próprio povo. Líderes de governo de todo o mundo já condenaram essas atrocidades, mas países europeus de destaque têm o poder de interromper o fluxo de capital que financia esse banho de sangue.
Alemanha, França e Itália são os três principais importadores de petróleo sírio. Se esses países decidirem impor sanções imediatas da UE, os recursos de Assad para continuar com o massacre se esgotarão. Assad tem ignorado os apelos políticos para refrear suas investidas, e as lideranças da UE têm discutido medidas para reforçar sanções, mas apenas um grande protesto global as pressionará a agir com urgência.
Não temos tempo a perder - diariamente, dezenas de sírios são mortos a tiros, torturados ou desaparecem simplesmente por exigir direitos democráticos fundamentais. A UE pode parar imediatamente de financiar a repressão. Clique no link abaixo para assinar a petição para que os chefes de Estado da UE adotem imediatamente sanções contra o petróleo da Síria:
Todos assistimos e lemos sobre a horrenda violência na Síria. Grande parte dessa cobertura vem de jornalistas cidadãos apoiados pela Avaaz que arriscam suas vidas para relatar sobre a repressão de Assad. E agora temos uma oportunidade de transformar nosso horror em ação. Especialistas dizem que sanções da UE contra o petróleo sírio interromperiam seriamente o fluxo de capital para o cruel exército de Assad sem produzir consequências negativas significativas para a economia europeia nem para a população síria.
Quase todo o petróleo exportado da Síria é comprado e refinado pela Alemanha, França e Itália, mas estes países ainda não usaram o grande peso de sua relação comercial com Assad como moeda de barganha em troca de proteção ao povo sírio. Todavia, eles denunciaram a violência, e os jornais informam que algumas lideranças da UE já estão fazendo pressão por sanções ao petróleo sírio. Vamos exigir que elas reforcem a pressão e aprovem essas sanções imediatamente, interrompendo a máquina que alimenta o regime assassino de Assad.