Aqueles que tornam a revolta pacífica impossível, tornam a revolução violenta inevitável
— John Fitzgerald Kennedy
Bem-vindos ao Admirável Mundo Novo! Durante décadas, os cidadãos deste Continente acordaram pela manhã com a confortável constatação de que
o Relógio ainda não tinha parado. Animados por esse conforto, entregavam-se à sua higiene matinal e iam trabalhar, animados pelo pressuposto de estarem a construir um futuro melhor para si próprios e para os seus filhos. No fim de contas,
"...Os Russos também amavam os seus próprios filhos".
E então, o Mundo tal como o conhecíamos acabou. Era uma manhã fria e límpida de fim de Outono na Europa Central. Atónitos, vimos o Muro cair. Vimos aqueles carrinhos de opereta, fumarentos, atravessarem as ruínas da vergonha e perderem-se nas vastas avenidas de Berlim Ocidental. Eles tinham avisado: algum tempo antes, os manifestantes de Leipzig tinham deixado de gritar
"Nós somos o Povo!", para dizerem apenas
"Nos somos UM Povo!". Que se dane a semântica, era a Primavera no Inverno anunciado; o Povo.

O relógio foi atrasado e o Povo regozijou. Distraiu-se. Outro monstro, mais antigo, regurgitava já o seu veneno; mais lento, não menos letal, apenas mais dissimulado. Hoje, muitos europeus acordam com a raiva a queimar-lhes as entranhas. Muitos ainda não percebem porquê, e é irrelevante. Se os Passos, os Gaspares, os Rajoys, as Merkel, fossem capazes de parar, nunca teriam começado. Algures, aquele limiar de que fala a citação inicial foi/está a ser/será ultrapassado.
É próprio do espírito humano procurar refúgio contra a agressão em categorias escatológicas. Basta rever os marcadores deste blog, crise das dívidas soberanas, austeridade, rendas financeiras, neo-liberalismo. Crise. A agressão, essa é mais diária e mais invisível, excepto para os agredidos: as crianças que comem a sua única refeição diária na cantina escolar, os idosos que vêem o Inverno que se aproxima como uma condenação, os desempregados para quem
desespero é uma condição diária. Todos estes, mais os que eu me esqueci de mencionar, sabem que a revolta não é como escolher entre cinquenta canais de merda, na televisão por cabo. Todos eles sabem que
"...ou eles ou nós..." é uma escolha de sobrevivência que lhes está a ser imposta.
Eles não são capazes de parar e nós não podemos parar. Eles defendem os seus interesses, nós defendemos a nossa própria sobrevivência e a dos nossos. Algures, no futuro que houver, os historiadores irão identificar os momentos-chave em que a violência poderia ter sido evitada. A nós, nenhuma outra alternativa nos resta senão vencer.
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