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Os seus seguidores chamavam-lhe Mahasamamatman — A Grande Alma Sam — e diziam que ele era um deus. Ele, contudo, preferia deixar de lado o Maha- e o -atman, e chamar-se apenas "Sam". Nunca afirmou ser um deus. Mas, por outro lado, também nunca disse que não o era. Sendo as circunstâncias aquilo que eram, nem a afirmação nem a negação poderiam trazer qualquer benefício.
Roger Zelazny — in O Senhor da Luz
Eu baralho sempre estas cenas dos dias. Hoje é aquele em que se dizem mentiras muitas, aquele em se comemora a ressurreição, esse fenómeno natural nos seres vivos, ou aqueloutro do menino parido por uma virgem? Jesus, que rol... Bem, é mais tipo o primeiro de Abril, mas com mentiras certificadas por uma religião, esse veneno com que o homem insiste em injectar-se.
Felizes, sejam mas é felizes. E busquem essa felicidade no sítio onde ela se encontra. No fim da luta que não tem fim. Não aceitem placebos. And mind the gap...
Acho uma certa piada às pessoas que pedem tudo a Deus. E, depois, se conseguem aquilo que pediram, agradecem-lhe. Se não conseguem, não lhe dizem nada. Podiam fazer como os filhos em relação aos pais. A analogia é mais que justificada, já que, dizem eles, Deus é o pai de todos. Os filhos, quando o pai lhes concede um pedido, agradecem-lhe. Alguns, que outros nem isso fazem. Mas, quando o pai lhes diz que não, insistem, choram, fazem trinta por uma linha para convencer o pai a ceder. Mas, com o Deus pai, é tudo diferente. As pessoas pedem e, se o pedido não é satisfeito imediatamente, esperam… esperam… até que isso aconteça. Algumas esperam até morrer e ficam a ver navios. Ao contrário do que acontece com os filhos normais, não há ninguém que se vire para Deus e se chateie com ele porque não lhe deu o que pedia. Têm medo que Deus se irrite e, depois, nunca mais tenham direito a nada. Mas (coisa estranha!) continuam a dizer e a acreditar que Deus é infinitamente bom!
Nunca entendi bem esta relação com Deus. As pessoas agradecem-lhe por tudo: se chove, agradecem-lhe a chuva; se faz sol, agradecem-lhe o lindo dia; se fazem uma viagem que corre bem, agradecem-lhe pela boa viagem; se a viagem corre mal e sobrevivem a um acidente, agradecem-lhe porque lhes salvou a vida, sem se lembrarem que, sendo Deus infinitamente bom e poderoso, poderia, à partida, ter evitado o acidente. Agradecem-lhe por tudo e… por nada. Nunca o viram nem ouviram. Só ouvem falar dele. Mas consideram-no o maior, o grande chefe, o grande líder, o grande pai, que tudo pode e tudo faz pelos filhos. Mesmo que nada faça. É, realmente, um grande mistério. Para mim, porque para os crentes é tudo muito normal.
E, depois, há as promessas. São assim tipo um negócio. Se me deres isto, prometo que faço aquilo. E, às vezes, dão dinheiro aos santos para que estes lhe concedam uma graça qualquer. Mas ainda não perceberam que é dinheiro mal gasto, porque o santo nunca recebe o dinheiro. São os homens que ficam com ele e dele fazem o que bem entendem.
Pode-se facilmente concluir que Deus e os santos recebem tudo o que lhes quiserem dar, nunca dando nada em troca. Mas ficam sempre na fama de serem bons e generosos.
Ai, quem me dera ser santo! Ou Deus.
As imagens que se seguem não são fruto de um qualquer fogo provocado pela natureza. São obra de mão criminosa. Há 67 anos, no dia 6 de Agosto de 1945 e, novamente, no dia 9, o governo americano decidiu lançar bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki. O bombardeiro que lançou a bomba sobre Hiroshima, no dia 6, ficou conhecido como Enola Gay, nome que lhe foi atribuído pelo próprio piloto. A mãe desse piloto chamava-se Enola Gay. Não consigo imaginar maneira mais odiosa de prestar “homenagem” à própria mãe. Mas ele lá saberá as razões.
Se eu deitar fogo à Serra da Gardunha e for apanhado, mesmo que não mate ninguém, serei considerado criminoso, julgado e condenado como tal. E bem. Se for um acto negligente, também não ficarei impune. Mas o governo americano, presidido por Harry Truman, conseguiu, com este bombardeamento, matar mais de 250 mil pessoas. Inocentes, é bom que se diga. E não foi negligência. Foi um acto criminoso e deliberado que nunca foi julgado nem condenado. Foi o maior crime contra a humanidade cometido pelos governantes de um país onde, nalguns estados, se condena à morte uma pessoa porque cometeu um crime. Em Hiroshima e Nagasaki foram assassinadas mais de 250 mil pessoas! Foram danos colaterais, dirão eles. No dia 11 de Setembro de 2001, no ataque às torres gémeas, em Nova Iorque, morreram cerca de 3 mil pessoas. Foram danos colaterais, dirão os outros.
"A humanidade tem de acabar com a guerra antes que a guerra acabe com a humanidade" disse o presidente americano John Kennedy, em 1961. Bonita frase esta, não se desse o caso de, no mesmo ano em que a pronunciou, estar disposto a iniciar uma guerra, com a finalidade de destituir Fidel Castro, quando mandou invadir a Baía dos Porcos, em Cuba.
Quantas palavras belas saem da boca para fora de tantos e tantos estadistas, de tantos e tantos políticos, por esse mundo fora, e que, mais tarde ou mais cedo, se vem a constatar que não passam de palavras hipócritas para enganar o povo?
Quantos sorrisos belos estão estampados na cara de tantos e tantos estadistas, de tantos e tantos políticos, por esse mundo fora, e que, mais tarde ou mais cedo, se vem a constatar que não passam de sorrisos hipócritas para ficar bem na fotografia?
Depois de Nagasaki e Hiroshima, quantas guerras se travaram, onde morreram demasiados inocentes, só porque vivemos num mundo onde alguns daqueles que nele mandam são hipócritas, xenófobos, fanáticos e gananciosos?
Antes e depois de Nagasaki e Hiroshima, quantas guerras se travaram e quantas atrocidades se cometeram, em que morreram demasiados inocentes, só porque acreditam, fanaticamente, num qualquer Deus que, ironia das ironias, até dizem ser infinitamente bom e justo?
Na Idade Média, a unidade europeia repousava na religião comum. Nos Tempos Modernos, ela cedeu o lugar à cultura (à criação cultural) que se tornou na realização dos valores supremos pelos quais os Europeus se reconhecem, se definem, se identificam. Ora, hoje, a cultura cede, por sua vez, o lugar. Mas, a quê e a quem? Qual é o domínio onde se realizaram valores supremos susceptíveis de unir a Europa? As conquistas técnicas? O mercado? A política com o ideal de democracia, com o princípio da tolerância? Mas, essa tolerância, que já não protege nenhuma criação rica nem nenhum pensamento forte, não se tornará oca e inútil? Ou então, será que podemos entender a demissão da cultura como uma espécie de
libertação à qual nos devemos abandonar com euforia? Não sei. A única coisa que julgo saber é que a cultura já cedeu o seu lugar. Assim, a imagem da identidade europeia afasta-se do passado. Europeu: aquele que tem a nostalgia da Europa.
Milan Kundera, in "A Arte do Romance"
As recentes afirmações do recém eleito Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, acerca da visita de Passos Coelho a Luanda, causaram muita celeuma e uma onda de indignação em Portugal – injustamente, penso eu.
Ouvi as palavras de Martin Schulz em alemão e depois de analizá-las a fundo – também analizei o seu currículo e vi um vídeozinho* - cheguei à conclusão: o homem - até ver - parece-me a pessoa certa no lugar certo, um europeu convicto daqueles que a UE precisa. O que Schulz pensa, também penso eu: na actual situação precisamos de mais Europa e não de menos. Claro, isto só será possível quando os actuais líderes medíocres e os seus comitentes nas capitais europeias forem afastos, sendo substituidos por lideres eleitos –Schulz foi eleito! – por sufrágio democrátio a nível europeu. O princípio de cada um por si e todos contra todos não deve voltar.
Ora vejamos: Schulz não criticou propriamente a ida de Passos Coelho a Luanda. Criticou simplesmente o triste facto de numa UE a desintegrar-se ser necessário um parceiro da UE pedinchar investimentos aos países totalitarios e cleptocáritcos, os quais depois através da alavanca do dinheiro roubado aos seus respectivos povos, podem excercer influência nefasta dentro das democracias da UE, aviltando-as. O dinheiro de fontes dúbias atiça, sempre, a espiral negativa e não faz nascer nada de bom. Claro, Schulz que não morre de amores por Angela Merkel, também podia e devia ter dado como exemplo negativo a recente viagem da Sra. Merkel a China onde ela fez exactamente o mesmo que Pedro Passos Coelho.
Agora muitos dirão que o “dinheiro não tem cheiro” e muito menos numa situação que muitos países da Europa estão a viver actualmente. Assim, com a falta de liderança tanto de Bruxelas como do sistema Merkozy, não é de admirar que muitos digam: “não me interessam os princípios, estou a afogar-me e tudo o que vem à rede é peixe”. Todavia, infelizmente o dinheiro sim tem cheiro, primeiro por causa do acima referido e segundo por causa de um princípio estratégico fundamental: quem nas relações entre países social, economica e ecologicamente mais desenvolvidos e outros menos desenvolvidos e emergentes deve dar as cartas – no sentido sóciocêntrico, de maximização de benefícios, de cordial colaboração e não de arrogância! - , são os primeiros e nunca os últimos. De facto, se queremos desenvolver os menos desenvolvidos e criar benefícios comuns, as coisas têm que correr assim e só assim (c.f. Esboço estratégico New Deal).
Considerações académicas, sublimes e de wishful thinking de quem apenas sabe explicar mas não fazer? De modo nenhum! Conheço imensas pessoas que conseguiram, quer intuitivamente quer por conhecer certos princípios, dar a volta às coisas em situações muito adversas. E eles estão aí, já maiores e vacinados, esperando que chegue a hora da verdade em que os actuais políticos arrumem o carro de vez no atoleiro – em Portugal e em todo o resto da Europa.
Entretanto escrevi ao Sr. Martin Schulz a explicar-lhe que com a falta de estratégia de Bruxelas, as coisas passam-se mesmo assim no sentido da observação que ele faz e que, em consequência, nos afundamos cada vez mais no atoleiro se não insuflarmos novo conteúdo à ideia da Europa. Europeu não pode ser “aquele que tem a nostalgia da Europa” mas sim aquele que contruibui activamente para construir, fortalecer e desenvolvê-la, visando os Estados Unidos da Europa. Talvez o Sr. Schulz me responda?
* http://www.europarl.europa.eu/the-president/de/president/biography.html(com legendas em inglês)
Não é democrático, é salazarento é nojento segundo alguns, que os maçons tenham a obrigação de declararem essa condição, se integrarem um governo ou a Assembleia da Republica. A verdade é que os ritos maçónicos impõem a obediência e a solidariedade entre "irmãos". Mas ser governante ou deputado também obriga a "jurar cumprir a constituição".
Como é lógico há aqui uma contradição insanável. Ou é leal para com a Constituição ou obedece à hierarquia maçónica. Veja-se o exemplo do Dr. Arnault que, quando lançou o Serviço Nacional de Saúde, afirmou publicamente que tinha colhido primeiro a aprovação da sua loja maçónica e, só depois, da Assembleia da República. Ou num registo menos grave, que deu a conhecer a lei primeiro aos seus ""irmãos" e só depois a deu a conhecer aos seus colegas deputados!
Pode manter-se a equidistância? Tenho muitas dúvidas!
Depois, como lembra Rangel, no Público, não deixa de ser irónico que a maçonaria, que foi das forças que mais contribuiu para a "secularização" do estado, separando o estado da religião, tenha tomado o mesmo ascendente sobre o estado que ajudou a ser laico!
Isto só prova um principio muito antigo mas sempre presente: quem toma o poder exerce-o!
Durante as minhas quase seis décadas de vida (digo seis décadas porque parece menos que sessenta anos) já ouvi uma enorme quantidade de coisas que me irritaram.
Mas nada me irrita e revolta mais do que estar num grupo onde se começa a dizer mal de uma determinada raça, de um determinado povo ou de um determinado grupo. O racismo e a xenofobia sempre me incomodaram. Infelizmente, constato que isto acontece com cada vez mais regularidade. E isso incomoda-me, porque eu fico sem palavras. Cobardemente, admito-o, pois tenho o pressentimento que, no grupo, sou o único (salvo raras excepções) que sente obrigação de falar em defesa daqueles que, não estando presentes, estão a ser atacados. Tenho a sensação que somos um país cada vez mais xenófobo e racista. Pelos nossos erros, culpamos todos e tudo o que nos seja alheio. Raramente temos a humildade de admitir a nossa própria culpa. Culpamos os ciganos, os pretos, os romenos, os imigrantes em geral e até os nossos próprios emigrantes. No entanto, ironia das ironias, quando algum dos “nossos” comete um erro, ouço, muitas vezes, a expressão: “É à portuguesa”. Expressão que eu detesto, diga-se de passagem, por considerar que não deixa de ser xenófoba por ser contra o nosso próprio povo. Neste aspecto, outros povos fazem exactamente o contrário. Por exemplo, os americanos têm uma expressão semelhante, mas usam-na quando alguém tem sucesso naquilo que faz. Quando as coisas correm bem, dizem: “It’s the american way”, o que é uma maneira bem mais optimista de encarar a vida.
O que mais me espanta é que muitas das pessoas a quem eu ouço comentários racistas, afirmam-se democratas e dizem que são a favor da liberdade e da igualdade. Chegam ao cúmulo de, muitas vezes, iniciarem um comentário racista com: “Eu não sou racista, mas…”. E, depois de mandarem uma enxurrada de baboseiras de teor claramente racista, dão-se ao luxo de afirmar, orgulhosamente: “Mas, atenção, eu não sou racista.” Bem, justiça lhes seja feita, pelo menos negam a sua própria xenofobia, o que demonstra algum sentimento de culpa. O Hitler nem sequer se dava a esse luxo. Exterminava judeus, ciganos e tudo o que não fosse raça ariana, sem pudor nem vergonha.
Já não me espanta muito o facto destas mesmas pessoas se assumirem católicas e, muitas delas, até praticantes. É que as religiões sempre foram e continuam a ser causa de grandes ódios por esse mundo fora. Tudo o que for de crença diferente é para destruir.
Cúmulo dos cúmulos: agora até já nos jogos de futebol se instalam jaulas destinadas aos adeptos do clube adversário. E, depois, dá no que deu: fogo à peça.
Tenho alguma dificuldade em acreditar que qualquer normal ser humano não tenha o discernimento necessário para chegar à conclusão de que qualquer outro ser humano é igual a ele e que todos temos defeitos e qualidades. Se tivermos respeito, damo-nos ao respeito. Se compreendermos, somos compreendidos. O ódio só alimenta o ódio.
Deixo uma canção do grande John Lennon, que, além de ter uma melodia bem bonita, tem uma letra sobre a qual todos devíamos meditar.
"A Grã_Bretanha, apesar de afirmar a identidade religiosa do Estado. é não discriminatória em todos os aspectos da vida. Financia escolas anglicanas, mas também católicas, judias, muçulmanas e seculares. Os países laicos financiam escolas seculares, mas não escolas religiosas.
Quem é mais tolerante e pluralista?"
Joseph Weiler, Judeu convicto, especialista em Direito Constitucional, o homem que defendeu no tribunal Europeu dos Direitos Humanos o direito de a Itália ter crucifixos nas pareces das escolas e o direito da França a não os ter. Ganhou, e diz que esse pluralismo é que é bom!
A intolerância é apanágio do facciosismo ideológico.
Ontem passei os olhos por aqui e fiquei a saber que o colégio que frequentei entre os 3 e os 14 anos ficou este ano no topo do ranking das escolas. Cada pessoa é um mundo. Cada pessoa tem a sua experiência. Os pais são livres, naturalmente, de escolherem a escola dos seus filhos. Mas nem sempre os filhos, quando são pequenos, bastante pequenos, contam aos pais o que os amedronta. Lembro-me da provocação do C. Hitchens ao perguntar se a religião é abuso de menores. Às vezes é. No Mira Rio onde cresci, nunca ouvi falar de um deus misericordioso, de um deus pai, nunca ouvi falar de amor. A religião foi-me essencialmente incutida por duas vias: a via dogmática, que se traduzia em muito cedo já saber declamar as provas extra-bíblicas da existência de cristo; e a via do medo, esta muito eficaz, porque o pecado, venial e mortal, nas suas consequências, se não sanados, eram ilustrados até à náusea. Insistia-se bastante no limbo, mas, sobretudo, e este é o aspecto fulcral do meu Mira Rio, havia uma atenção doentia, por parte do colégio e do preceptorado, aos pecados da carne. De resto, os sacerdotes do opus dei ajudavam no terror. A primeira aproximação que tive às consequências do fenómeno do desenvolvimento (futuro) do meu corpo e da minha cabeça pecadora foi a explicação de que o dito corpo era o templo do espírito santo. Ora, o templo não pode sentir o que quer que seja. Isto foi terrivelmente explorado ao ponto de ser convocada uma reunião com a directora do colégio no dia em que a mesma entendeu que nós, a minha turma, já teríamos sido visitadas por um acontecimento que inicia fatalmente a inclinação para o pecado da carne, de resto bastante provocado por uma espécie que nos era estranha - os rapazes. Esse acontecimento era a menstruação. Sim, ele foi-nos explicado em associação com o pecado. A tarde estava amena, eu era muito pequena, mais do que as outras, e pela primeira vez na vida percebi a dor da diferença. É que eu ainda não era menstruada. Eu nunca tinha pensado em sexo. Quando a directora desatou a falar no fenómeno sanguinário, no pecado, na gravidez fora do santo matrimónio, na propensão masculina para nos atrair para o pecado, senti-me uma ilha e, claro, comecei, nesse dia, a pensar em sexo. Na confissão, precedida de uma lista de presença pública semanal, recebíamos uma folha com os dez mandamentos e para cada um sugestões de pecados. Assim, o nosso exame de consciência seria induzido e mais completo. No sexto mandamento, o fatídico da castidade, perguntava-se, por exemplo: demoro-me, no banho, a contemplar o meu corpo? Lembro-me de ser muito nova e de pensar demoradamente nesta pergunta. Lembro-me de tomar banho em dois minutos para não pecar. E lembro-me de pensar demoradamente noutras perguntas do mesmo calibre. Tal como na inquisição, a sugestão é tão minuciosa que a criança acaba por acreditar que fez aquilo, mesmo que o não tenha feito, e que se o fez cometeu o tal pecado digno do fogo que a virgem maria fez a graça de mostrar aos três pastorinhos e que a professora nos deu a ver ilustrado num desenho. O sacerdote fez-me perguntas de uma minúcia que nunca vi, como advogada, serem feitas em tribunal. O meu corpo, o corpo de uma criança, foi escrutinado atrás de uns quadradinhos de madeira, o confessionário. Havia também a professora sofia, que depois de uma asneira grande que fiz com 9 anos, vendo-me comungar, me levou para uma sala fechada e explicou-me que eu recebera do corpo de cristo em pecado mortal. Convenceu-me, sem apelo nem agravo, de que estava condenada ao inferno. Passei muitas noites da minha quarta classe a adormecer com medo, com uma ideia da esperança de vida, tendo a minha por inútil, já que fatalmente condenada ao inferno. A professora sofia torturou-me de muitas outras maneiras. O ensino era bom? Sim. Havia professoras boas? Sim. Havia boas pessoas? Sim. Fiz amigas e apesar de tudo, com elas, recordações felizes? Claro. Mas às vezes a religião é abuso de menores. Este é apenas uma parte do meu relato pessoal. Não é um relato de ensino de sucesso. Aos 14 anos fui para a escola pública. Fiquei em choque durante um mês. Descobri rapazes, pobres, ateus, conflitos sociais e debate livre de ideias. Ao mesmo tempo, descobri outros católicos. Católicos que me falaram pela primeira vez em amor em vez de pecado, em perdão em vez de castigo, em fazer em vez de apenas rezar. Descobri, com esses católicos, a acção social. Descobri que há um deus de todos que a todos ama e que a todos aceita. Na verdade, um pai, que nunca, por natureza, renega um filho. Foi assim. na escola pública, no meu Rainha Dona Amélia, que não ficou no topo do ranking das escolas, que me deram a dimensão de pessoa. Mais tarde disse adeus a deus. Mas sem mágoa, porque foi de outro deus que me despedi.
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