A actual crise política vai no seu terceiro dia. O primeiro foi o dia da ira.
Um cronista do Público falou em Hamlet; poderia ter falado noutra coisa qualquer, mas que parecia tragédia, parecia. Num movimento que parecia de espadachim profissional, Paulo Portas demitiu-se. Meia-hora antes duma cerimónia oficial de estado, a estocada perfeita. Irrevogável! Em poucos minutos, os portugueses esqueceram o inenarrável Gaspar, esse sim figura marcante do século XXI português, tanto como o seu antepassado António, o das Botas, o tinha sido no século anterior.
Durou pouco este primeiro dia. Cerca de duas horas e meia depois, começou o dia da farsa. Em directo, como convém, ficámos a saber que afinal que afinal não tinha havido estocada, nada de irrevogável tinha acontecido, porque este iria ser o longo dia para o primeiro, ministro como convém, ir a Berlim, sossegar a Rainha da Prússia e garantir-lhe que poderá prosseguir a sua própria agenda política interna sem sobressaltos.
Quero fazer aqui um parêntesis, para dizer que nada nestas peripécias me surpreendeu. O senhor Paulo Portas, grande e profundo actor político, nunca passou dum embuste mediático, criado em boa medida pelo próprio, durante o tempo em que foi director do "Independente", alguém se lembra? Quando o tal espadachim esgrimia furiosamente contra o primeiro-ministro da época? Águas passadas, decerto, que apenas moveram irrevogavelmente o tal espadachim, enquanto o embuste durou e foram mais de vinte anos. Ficámos a saber ontem que o tal grande actor político não manda nada no seu próprio partido, continua apenas a ser, irrevogavelmente, a sua imagem de marca, provavelmente porque aqueles que realmente mandam não conseguem desencantar quem tenha, irrevogavelmente, a mesma falta de vergonha na cara.
Hoje é o terceiro dia. O dia da bruma. Talvez venha a ser recordado como o dia em que a segunda República portuguesa terminou. Parece que a condição imposta pelo garante da constituição e do normal funcionamento das instituições, é que o espadachim ressuscite. Se as noticias hoje avançadas tiverem fundamento, Paulo Portas irá ressuscitar como vice-primeiro-ministro e ministro da economia. Como segundo parêntesis, devo dizer que a possibilidade de tal pasta ser desempenhada por um não economista, até poderia ser uma boa novidade, em todas as circunstâncias que não estas. Assim, é apenas farsa sobre farsa.
Estes foram também os dias em que os meios de comunicação, elemento essencial para a manutenção do Consulado Gaspar, cortaram com a narrativa que o manteve, durante dois anos. Como irão encarar a ressurreição anunciada e, tudo o indica, irrevogável? Será que haverá um único jornalista que seja capaz de encarar estes actores como um mínimo de seriedade? Os próximos dias irão ser os dias do desencanto. Como é que os portugueses irão encarar a sua situação crítica? À força de cuspidelas, como já aconteceu com o ex-Consul Gaspar? Ou será que se irão finalmente convencer de que não há mais nenhum Salgueiro Maia em Santarém. Talvez quando a canícula assentar. Talvez os portugueses queiram olhar o espelho e gostar do que vêm.
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