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... da Magia de voltarmos a Ser

por Rogério Costa Pereira, em 21.12.13

Ouçam uma coisa.

Lembram-se da parte final do "Peter Pan" (versão Disney)?, quando o pai vai à janela e vê o barco desaparecer no horizonte? e se lembra que também tinha visto algo semelhante, em criança, algo que o tens-que-ser-homem o tinha feito esquecer?

Como aqui há dias recordava o Luis Grave Rodrigues, Christopher Hitchens disse algo como "Eu nem sequer sou tão ateísta como sou anti-teísta". E comigo passa-se algo semelhante, ao ponto de até conseguir deixar de parte o meu ateísmo em prol do meu anti-teísmo. Converter-me-ia a qualquer deus que abolisse as religiões. Não precisamos de deuses. Precisamos de Mulheres e de Homens. Verdadeiros Crentes. Crentes na Mulher e no Homem.

Ouçam uma coisa.

A tábua de salvação está em algo que nós podemos ver, basta abrir os olhos. Olhem as nuvens, rememorem os vossos tempos fraldados e desfraldados e verão que a Magia está nas Mulheres e nos Homens. Vejam o barco.

Magia. Não permitam que os tempos que correm vos impeçam fazer Magia e de ensinar os vossos meninos a acreditar nela e a fazê-la. Porque ela, a Magia das Mulheres e dos Homens, existe. Foi por Magia que se inventou a roda. Foi por Magia que demos passos adiante, como Civilização.

Se não acreditássemos que o coelho (salvo seja) sai da cartola, mesmo que duvidemos que está lá, não teríamos sequer saltado da árvore. Jamais o nosso polegar poderia tocar nos outros dedos. Uma inoponibilidade que nos impediria o Ser.

Foi tudo por Magia, Magia nossa. Porque ousámos.

Há algo em que temos de insistir, algo de que não podemos desistir. Somos. Existimos. Essa é a Magia. Ser. Ser e acreditar que podemos ser mais do que aquilo a que nos tentam reduzir. O deus ao qual pedimos? Peçam a vocês, e verão que resulta melhor. E resulta desde logo porque se formos crentes (em nós) o suficiente, e se lutarmos por nós, as coisas acontecem. Ou desacontecem. Como quem separa o trigo do joio.

Não somos números.

Somos!

Experimentem tirar um livro, um piano, uma arte de fazer sorrir dos ouvidos dos vossos meninos. Eles abrem muito a boca, e acreditam sem acreditar. E o sorriso sai. Porque eles acreditam. Não os enganamos, é como que uma espécie de raio de sol em dia de chuva. E acontece o arco-íris.

Façam essa Magia. E eles inventarão de novo a roda. As rodas que sejam necessárias. E como que por Magia, talvez não no nosso tempo (certamente que não), voltaremos a ser Mulheres e Homens.

Ora experimentem. Pensem bem no ridículo a que a nossa espécie se devotou. No ridículo a que as Mulheres e Homens se entregaram. Números. Hoje por hoje, somos números. Contas de subtrair. O meu filho não é um número; nenhuma criança pode ser reduzida a um número. Assim como nenhum velho pode começar a ser olhado como um criminoso porque ousou ter números a mais no tempo de Vida.

É assim tão simples? É assim tão simples, sim! Somos nós que complicamos e deixamos que nos compliquem. Se esta forma de pensar e de agir muda o mundo no imediato? Claro que não. Leva tempo. Quase tanto ou mais do que o tempo que levou a chegarmos a esta negação de vida.

Mas ou nos entregamos ao umbigo da nossa existência, e aí podemos atropelar os nossos iguais e dormir descansados. Há muito quem consiga e siga dessa forma. Ou acreditamos naqueles Olhos Grandes, cheios de esperança, que nos olham a cada dia.

Os nossos Filhos. Temos tudo a aprender com eles, para depois lhes ensinar a não esquecer. Não é um paradoxo, esta estranheza circular. Circular mas benigna.

Eu chamo-lhe Magia, chamo-lhe Francisco.  Ele mostra-me o tal barco que voa, e eu olho-o, ao barco, e tento que ele não se esqueça disso. Que há barcos que voam. É tão estupidamente fácil mudar o mundo. Basta tirar os óculos baços que nos põem à nascença.

Serei um sonhador, mas ainda me lembro quando os nossos filhos inventaram a roda. Chamaram-lhes sonhadores. Eles não são sonhadores, nós é que nos esquecemos de como é fácil sonhar. E de sonhar a fazer vai o voo de um pardal. Se começarmos hoje, o amanhã vai ser menos distante.

Eu chamo-lhe Magia, a minha avó chamar-lhe-ia um pífaro. É preciso é que comecemos, que ontem já era tarde. Experimentem e verão resultados nos dias seguintes, a cada passo do vosso filho. Quanto aos resultados para a Humanidade? Fizemos tanta asneira que talvez os netos dos nossos netos consigam viver resultados.

No entretanto, “basta” fazer Magia.

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publicado às 07:01


"Há meninos cor de rosa, há outros cor de chocolate, papá!"

por Rogério Costa Pereira, em 07.12.13

 

Hoje foi o dia mundial da hipocrisia. Dia quinze, dia do funeral, a coisa vai fazer por repetir-se. O mundo vai mandar uma centena e meia de eminentes emissários ao funeral do Madiba (há gente cuja missão é ir a enterros). A maioria vai lá para ficar na fotografia. Abutres, lado a lado com o caixão. Há que deixá-los ir, não fazer grandes cenas. Não é hora disso. Tentar não os pisar, por causa do cheiro que depois fica. O povo, esse, saberá festejar a vida de Mandela. É disso que se trata. Não aquele festejar de "ontem" (quando todos os vermes e respectivos assessores tinham já alinhavadas as mensagens de condolências prontas a disparar; um chegou mesmo a fazê-lo aqui há uns meses, tamanha era a vontade). Não o da maioria dos de "hoje", em que até o único carrasco vivo do Madiba (cavaco, a nossa silva) grunhiu o "pesar da praxe". Não o daqueles que "amanhã" incluirão uma qualquer citação de Mandela num qualquer discurso de ocasião. Infelizmente, tudo isso irá acontecer, mas tudo isso é nada.

Como atrás disse, o povo, esse, saberá festejar a vida de MandelaSaúdem Nelson Rolihlahla Mandela. Digam aos vossos filhos que não morreu um homem e expliquem-lhes a razão de tamanha excepção às regras da natureza. Repito-me, bem sei, assim como me repeti com o meu filho e ele acabou por me explicar que não percebia nada "dessas cores; preto e branco". "Há meninos cor de rosa, há outros cor de chocolate, papá!"O meu filho ouviu hoje falar de Mandela pela primeira vez, mas explicou-me, em dois minutos, quem foi, quem é, e quem será Mandela. Em suma, o povo, esse, saberá festejar a vida de Mandela.

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publicado às 02:33


A fada dos dentes numa "noite de gajos"

por Rogério Costa Pereira, em 29.11.13

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publicado às 23:54


FRANCISCO [6 ANOS]

por Rogério Costa Pereira, em 09.10.13


Parabéns, minha vida. Faz hoje seis anos que te vi pela primeira vez, embora já há muito soubesse da tua existência. Parabéns, filho, e estes não são pelo teu aniversário, mas por seres quem és e como és. Poderei não mudar sozinho o mundo, mas mudarei o mundo sozinho, se preciso for, para que possas continuar a mudá-lo depois de mim. Amo-te.


[todos os anos faço por escrever um texto ao Francisco, no dia de aniversário, para além de todos os outros todos que vou escrevendo e que, raramente, não o têm como pedra de toque e moral da história. este ano, pela primeira vez, li-lhe o pequeno texto que lhe dediquei (assim saiu, pequeno em letras, mas não em sentir) e que encima este post]

-- Que lindo, papá, tão bonito; obrigado e dá cá um beijinho.
-- Gostaste, filho?
-- Sim, muito!, é um presente muito bonito, mas não tenho mais prendas?
-- É capaz de haver para aí mais qualquer coisita, sim. Queres que te leia o texto outra vez?
-- Não, obrigado, ainda não me esqueci. Onde estão as outras prendas?
-- {#emotions_dlg.happy}

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publicado às 20:32

-- Francisco, eu e a mamã vamos amanhã à manif, na Covilhã.
-- MANIFESTAÇÃO! MANIFESTAÇÃO! MANIFESTAÇÃO! Grândola Vila Moreeeena...
-- :) Mas olha, filho, temos de ir mais cedo para trabalhar e ajudar a preparar a manif.
-- Eu sei.
-- E como tu não paras quieto, e não podemos andar a correr atrás de ti, importas-te de ficar com os avós?
-- Não. :(
-- Se fosse só ir à manif, como na última a que fomos, tu irias. Sabes isso, não sabes?
-- Sim.
-- Mas desta vez temos outro papel.
-- Sim.
-- Gostavas de ir?
-- Sim, mas não me importo de não ir. Vocês têm de trabalhar.

-- Serias capaz de parar quieto enquanto trabalhamos? De nos ajudar?

-- Acho que não, gosto de brincar e correr.
-- Olha lá, puto, e por quem vamos lutar?
-- Contra os homens maus.
-- Sim; mas vamos lutar por quem?
    [pelo tipo de conversas que tenho com o meu filho, esperava uma resposta: "por mim"]
-- Pelo Povo! :)
-- E quem é o Povo?
-- Sou eu e os outros meninos como eu. Olha, papá, eu não me importo de ficar com os avós.

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publicado às 22:14

a ideia é mais ou menos esta.

e um gajo vive e ama e odeia e despreza.

e é feliz e é triste e excede-se e aprende e morre.

e depois tem ali o caixão.

e é só? não, não é só.

E aqueles que por obras valorosas / Se vão da lei da Morte libertando

plantar uma árvore, pisar uma erva-daninha...

ter um filho!

não, não é só

"Caminante, no hay camino / se hace camino al andar / al andar se hace el camino"

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Imagem: Django (Italy, Spain 1966 / Director: Sergio Corbucci)

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publicado às 00:37


olhos nos olhos

por Rogério Costa Pereira, em 10.02.13

Fui ler a historinha ao meu filho. Reparei, pelo canto do olho, que ele não estava a olhar para o livro. Por hábito, e porque o notei desatento às letras e às imagens, parei e olhei para ele. Estava a olhar para mim. Com aqueles olhos grandes por onde lê e se dá a ler.

"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"

Olhei-o nos olhos, sorri-lhe e li-lhe o resto da historinha.

"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"

Desvendou-me a essência em meia-dúzia de palavras. Há exactamente sessenta e quatro meses que a cara dele está nos meus olhos. Há exactamente sessenta e quatro meses que nos olhamos nos olhos. Faz hoje sessenta e quatro meses que a minha mulher e eu nascemos de novo.

"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"

Há coisas do arco-da-velha. Esta frase, longa-metragem das minhas sinopses diárias e redondas, saiu-lhe hoje.

Logo hoje que (ele não sabe) nos encontramos numa encruzilhada para onde não caminhámos mas para onde nos arrastaram.

O meu país já não se chama Portugal. Há exactamente sessenta e quatro meses. Disso já suspeitava, que um país é feito a cada dia por quem o faz e por quem o deixa fazer. E Portugal deixou-se ultrapassar pela direita. Pela direita. Mudou de ser, mudou de título. O nome do meu país é outro.

"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"

Faz hoje sessenta e quatro meses.

Não haverá bruxas, apesar de as haver, de as haver.

Já não há países sem Inc. a seguir ao nome.

Mas há filhos e há mães e há pais.

"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"

Mania esta que os adultos têm de complicar o que é simples. E toma e embrulha, Morpheus. "What is real?  How do you define real?  If you are talking about what you can feel, what you can smell, what you can taste and see, then real is simply electrical signals interpreted by your brain." [Morpheus, The Matrix]

Tenta antes isto.

"Papá, estou a ver a minha cara nos teus olhos"

Isto sim, é real.

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publicado às 03:12


Miguel de Unamuno, "Venceréis pero no convenceréis"

por Rogério Costa Pereira, em 03.02.13

Unamuno. Ouso chamar-lhe Basco e Espanhol e (eis a ousadia) Português. Poucos, para além do Eça e do Ramalho e do Camilo e do Pessoa e do Agostinho da Silva e do José Gil, nos retrataram, de forma tão real e verdadeira e perene, como ele. Mas ouso mais. Contrariá-lo! 


Não convencerão nem tampouco vencerão.   

 

 

«Portugal é um povo triste, e é-o até quando sorri. A sua literatura, incluindo a sua literatura cómica e jocosa, é uma literatura triste. Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida. A vida não tem para ele sentido transcendente. Desejam talvez viver, sim, mas para quê...»


Tem razão nas pinceladas, Unamuno. Basta olhar o bagaço à volta. Ainda assim ouso faço por contrariá-lo. Ou isso ou, eu Português, transformo-me, e ao meu filho, no retrato com ares de definitivo que ele de nós pintou. Ouso Acreditar. Acreditar, pois. Ouso lutar. Tem cinco anos, o meu Filho. Chama-se Francisco.

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publicado às 05:07


Nina

por Rogério Costa Pereira, em 09.12.12

Tenho escrito nada sobre ti, diz o vento que foi. Desatenta vai a aragem, que tudo o que escrevo é por ti, está em ti, vem de ti. Sem ti, palavra nenhuma sairia de mim. Estás em todas as cores que formam as letras que alinho; danças em cada vírgula, apontas-me cada ponto final. Conjugas-me em cada verbo. És o meu Verbo!, a minha palavra. Não será longo este paradoxo de letras que aqui alinho enquanto a natureza dorme. O que me és... A incapacidade de descrever, de escrever; de te descrever e de sobre ti escrever. És o ar que respiro, o passo que dou, a decisão que tomo. O filho que temos. E o oposto também. O teu branco dá-me a imaginar o negro do caminho contrário. A impossibilidade de respirar, de andar, de ir por aqui ou por ali. O não existir do Francisco. O nosso filho. Sobre isso não posso - não sei! - escrever. Ninguém pode. Há quem finja escrever sobre o amor. Eu, como sabes, não sou um fingidor. És as minhas asas. Há treze anos no relógio dos homens. Desde sempre, no perpétuo. No eterno do que é. Do que me és. O nosso sempre.

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publicado às 02:24


Francisco

por Rogério Costa Pereira, em 09.10.12

Esta é uma carta que um dia lerás e, nessa altura, perceberás aquilo que hoje, tu próprio, já me queres explicar (há dias dizias-me que com os homens-maus não vale a pena conversar, que eles continuam a tirar-nos coisas — e eu nunca te disse tal, nunca a disse à tua frente, pelo menos).

Quanto te ia tirar esta foto — na verdade não ta ia tirar, dei-ta para vermos mais tarde —, aquando desta foto, tinhas tu três anos, reparei naquela sombra imensa que ias caminhar e, lembro-me, pausei por dois segundos. Não gelei, nada disso. Parei. Perdi-me ali um pouco; que eu queria mesmo era apanhar-te a sombra, a tua, antes de entrares na outra sombra. Mas tu entraste e a foto ficou bonita e aquela sombra só te protegia do sol, que em Abril de 2010 já queimava.

Hoje, Francisco, estamos contigo dentro da sombra. Outra sombra. Agora, Filho, enquanto te escrevo estas palavras, estamos todos numa sombra imensa que não serve para nos proteger do sol; é uma sombra que não nos deixa ver o sol. Que não nos quer voltar a deixar ver o sol. Que nos quer tirar o amanhã. Eu e todos os Teus, Nossos, tudo fazemos e faremos para que tu, e outros meninos como tu, possam continuar, apesar da sombra, a ver um sorriso, uma nesguinha de sol. Enquanto a sombra má não morre. Mas a verdade, Francisco, é que hoje, essa nesguinha de sol já não vai além de uma pintura na parede. É uma espécie de sol enganador.

O único (e único nunca foi pouco) sol que tu vês é o do nosso sorriso quando sorris. Do teu ser criança. Do nosso amor por ti. Do teu amor por nós. Do orgulho que temos em seres como és e começares a querer lutar, também tu, menino, contra o negrume que nos atenta a todos. Isso nunca nos tirarão. E perceberes quando eu chego a casa desalmado e descoroçoado e eu sentir que tu sentes isso e sentir que tu sentes que estive a respirar fundo aquele sorriso para to mostrar. Dói, sim. E tu sentes isso tudo e vens para mim, olhas para mim e dás-me o teu sorriso, com esses teus olhos que são a minha eternidade. E esqueço-me do meio-sorriso e dou-te um sorriso sério e inteiro, como tu mereces. E tu dizes-me que percebes. Umas vezes dizes mesmo, outras intuo-o no teu olhar.

Já percebeste em que tempo estás, Francisco. Já sabes dos homens-maus. Mas também já te dei a conhecer muitos, outras e outros, os nossos, teus, Amigos que tudo farão para que quando leres esta carta possas dizer algo como "Raio do velho, sempre preocupado. Much ado about nothing..., afinal foi só soprar, e eu lembro-me desse imenso sopro, foi o mundo inteiro a soprar e varreram-se os homens-maus da terra". 

Não sei exactamente quando lerás e perceberás esta carta, a quem a lerás ou quem ta lerá. Não sei se poderás lê-la. Talvez a apaguem. Talvez a queimem. Talvez eu seja parvo. Talvez a sombra imensa que nos impede o caminho e nos arranca os sentidos desapareça com esse tal sopro de que falas. Que o possamos dar. Que não nos falte peito. Ainda que eu pensasse que não é possível, continuaria a minha demanda. Esta luta onde estou dia e noite, a cada respirar teu. Quando te olho à noite, já tu andas aos saltos na brincadeira dos teus sonhos, quando te olho nessa altura, Filho, e esqueço o meu olhar em ti, sinto-me mais forte. Sinto que vai ser fácil soprar, outras vou-me abaixo e perco-me na raiva que sinto pelos tais homens-maus, sim, mas também pelos que nada fazem, essa espécie infecunda de indolentes, pelos que se conformam. Perco-me no desprezo que me atenta quando olho os inconformados de sofá, quando olho os que têm medo. Na pena que sinto pelos que sabem tudo, pelos que desistiram de lutar, pelos que se estão a guardar para o grande momento (pode ser que lhes caia na cabeça), que não embarcam em momentos "simbólicos", "simbólicos", dizem eles. Eles desistiram de ti e dos outros meninos como tu, eu não desistirei nunca de ti. Tenho medo, sim, mas medo de ter medo. E se hoje -- hoje, um dia, quando leres e perceberes o que aqui vai dentro -- olhares para esta carta e sorrires então é porque ou a luta valeu a pena ou eu estava mesmo a exagerar.

Hoje fazes cinco anos, Filho; cinco anos em que nos ensinámos, em que demos passos adiante juntos (e alguns separados, mas eu estava lá de alguma forma). Nem deste pelo que aconteceu desde que nasceste, Francisco. O que estava já a acontecer e a preparar-se quando eu nasci e cuja garganeira tu agora apanhas em grande rotação. Com cinco anos. Temos podido evitar isso, outros não. Ouviste umas palavras diferentes, umas menos bonitas, sabes de uns homens-maus. E nada mais. Outros meninos, Francisco, não. Têm fome, sede. Há avós e pais a morrer de maleitas que poderiam ter sido curadas. E meninos, também. E outros meninos, ainda, que nunca serão. Hoje, Filho, tu tens um nome. Há quem te queira pôr um número. Tratar-te como um número. Se isso acontecer, se não o tivermos logrado evitar, espero poder ter sabido ensinar-te a escapar a essa marca; essa marca que não pode ser a marca do Homem. A lutar contra ela.

Que isto não seja uma corrida de estafetas, que eu não te passe mais do que o testemunho de continuares a lutar por mundo melhor. A luta de hoje não é só por um mundo melhor. É a luta por um mundo. Porque não há mundo no sítio para onde nos querem mandar. Existirá a negação, o imundo. Este é o meu testemunho hoje, Francisco, mas este não é testemunho que te queira passar.

Parabéns, Filho. Amo-te.

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publicado às 17:37


Uma gaivota voava voava...

por Rogério Costa Pereira, em 25.04.12

Francisco, não acredito que esta lembrança me venha de '74. Tinha dois anos, então. Talvez de '75. Seja como for, é a minha primeira memória de Abril.

Ontem, andaste pelas ruas de Abril connosco, perguntando-me de quando em vez "são estes os homens maus, papá?". Não, meu filho, e talvez te tenha falado demasiado dos homens maus. Mas aqueles! não eram os homens maus.

Quando puderes perceber isto, saberás quem são os Homens Bons.

Minha vida, meu Abril.

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publicado às 23:59


Carrego a razão e o coração no bolso. Amo-vos!

por Rogério Costa Pereira, em 20.04.12

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publicado às 21:52


Luz (para um amigo)

por Rogério Costa Pereira, em 28.03.12

LUZ

Há exactamente um ano percebi na plenitude a propriedade da expressão “dar à luz”. Dei por mim contigo nos braços. Um desconhecido, que nem meio metro de gente era. E no entanto daria naquele momento a minha vida por ti. Tentei reconhecer-nos em ti, reconhecer-te em nós. Nada. Não pude. Lembro-me da primeira roupinha que te vesti, ali, com 5 minutos de vida. Tu e eu, ambos com 5 minutos de vida. Um casaco branco por cima. Vou ali já venho, disse a enfermeira - vá-o vestindo. E vesti. Ao mesmo tempo que me degladiava com as instruções da caixa de recolha das células estaminais. E tu dormias ou tinhas os olhos fechados. Coisa que o valha. Deus meu. Que coisa tão forte, quem é que se recusa a passar por isto? Quem é que voluntariamente se recusa a ter um vislumbre de Deus? A tua mãe, exaurida, ainda não te tinha visto. O que é que eu faço? De que cor são as paredes? O tecto? Chove ou faz sol? Que dizem os jornais? Pára! Pára de rodar por um instante, que eu quero apreender tudo, até ao mais ínfimo pormenor. Antes, minutos antes: não queira ter o filho pela boca, mulher, que seria caso nunca visto. Força, força, amor. Já o vejo. Já o vejo. Já nos vê. Levantei a cabeça, tu choravas, eu chorava, ele chorava, o quarto sangrava. Os internos que assistiam olhavam para nós fascinados. Era fascínio, espanto, era também alguma cegueira, causada pela luz imensa que se fez naquela sala. E para a qual eles não estavam preparados. Nem nós, mas nós pudemos chorar para limpar os olhos. Ainda hoje sinto um nó de felicidade na garganta de cada vez que me lembro desse dia, desses instantes. As palavras são muito pouco e poderia estar aqui o resto do dia a debitá-las que nada acrescentaria ao que já disse. Luz, acima de tudo é isso. Uma luz imensa, divina. Como se alguém muito grande e com uma mão muito grande, tivesse carregado num interruptor muito grande e acendido uma lâmpada muito grande. Foi de parir. Esse alguém e essa mão e esse interruptor e essa luz. Foi de parir. Ao parir assim, e parimos os três, faz-se essa luz imensa. Dá-se essa luz, diferente de dar alguém à luz. Filho, um ano, e no entanto parece que foi no início desta carta que ora te deixo. Sei que daqui a cinquenta anos te diria o mesmo. Parece que foi mesmo agora. Há-de parecer sempre. Como se mesmo agora. E cada vez que te olho, a mesma luz desce sobre mim. A luz que nos alumiará aos três, para sempre. Haja o que houver. Ser pai, ser mãe, ser filho. Há um ano. Parabéns, meus amores.

9 de Outubro de 2008

 

Abraço, j.

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publicado às 15:19


terçolho, terçolho, passa para o olho do cavaco...

por Rogério Costa Pereira, em 21.01.12
Haverá algo tão doloroso como a febre de um filho que teima em não descer? Ainda se fosse como o terçolho. Já tinha destinatário.

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publicado às 03:58

Mónica Silvares
13/01/12 00:05
Os pedidos devem ser feitos junto da Direcção Geral do Consumidor até ao final de 2013.
Os consumidores que ainda não pediram a devolução das cauções cobradas, até 1999, como garantia do cumprimento do fornecimento de água, electricidade e gás vão poder fazê-lo até ao final do próximo ano.
Apesar de já ser possível pedir a devolução destas cauções desde que a lei proibiu a sua cobrança, o Executivo decidiu prolongar o prazo de reclamação até ao final de 2013, já que muitos consumidores desconhecem que têm direito à devolução das cauções que pagaram pelos serviços de luz, água e gás, anunciou ontem o secretário de Estado adjunto da Economia, Almeida Henriques.
Em causa estão, em média, valores que rondam os 30 euros. Desde 2007, "a Direcção-Geral do Consumidor devolveu apenas entre 30 a 40 mil euros aos consumidores", revelou ao Diário Económico, a responsável desta instituição, Teresa Moreira, acrescentando que a maior parte destes montantes dizem respeito à EDP.
Estas devoluções devem ser pedidas junto da Direcção-Geral do Consumidor - antes de 2007 eram requeridas junto das entidades prestadoras dos serviços - que tem uma minuta no site que deve ser preenchida para pedir essa devolução. No requerimento deve constar: o nome do contratante, nome da entidade fornecedora, o número do contrato de abastecimento, morada de fornecimento, número de identificação bancária do requerente e, no caso do contratante e do requerente não serem a mesma pessoa, deverá ser indicado a qualidade em que este faz o requerimento. A acompanhar o requerimento deverá juntar-se cópias do bilhete de identidade / cartão do cidadão e do número de identificação fiscal do requerente.
A DGC presta esclarecimentos por via telefónica ou email (dac@dg.consumidor.pt) para que as pessoas que queiram saber se têm ou não direito à devolução das cauções.
"Em 1999, o Governo decidiu proibir a cobrança deste tipo de cauções por concluir que os prestadores de serviços não as utilizavam para garantia de continuidade do serviço quando falhavam um pagamento. Os montantes cobrados acabavam por ficar nas empresas", explicou a directora-geral Teresa Moreira. Inicialmente, bastava aos consumidores dirigirem-se aos prestadores com os documentos comprovativos do pagamento da caução e exigir a sua devolução. Mas, desde 2007, o processo é centralizado pela DGC que recebeu dos prestadores os montantes indevidamente cobrados aos consumidores, acompanhados de uma listagem dos mesmos. Assim nasceu o Fundo do Consumidor que agora tem uma dotação de 19 milhões de euros.
Almeida Henriques, numa visita ontem ao Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa, anunciou que a partir de 15 de Fevereiro será lançado um concurso para projectos e actividades que visem a protecção dos direitos dos consumidores. Nomeadamente, projectos de apoio aos mecanismos extrajudiciais de acesso à justiça pelos consumidores ou projectos de promoção dos direitos dos consumidores, de informação, educação e apoio dos mesmos. O fundo deverá manter-se activo por dez anos.
 

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publicado às 16:00


Raspar, vê se percebes: são estes os limites!

por Rogério Costa Pereira, em 24.12.11

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publicado às 23:19


Deus existe e eu conto-lhe uma história todas as noites

por Rogério Costa Pereira, em 24.12.11

Que Deus não existe, dizem. Parvoíce. Deus existe e eu conto-lhe uma história todas as noites — ando agora a ler-lhe o Pinóquio (antes foram os Maias para crianças — noto que ele estranha a mudança, vejo-o nos cocós, que andam menos consistentes). Há dois anos e meio, Deus escrevia-se com minúscula. Era o deus das guerras, o deus da barbárie, o deus redutor dos massacres em nome de, o deus das mortes nas gémeas. deus e o petróleo, a urina de deus. O diabo; deus era o diabo. O diabo dos homens e da puta que os pariu. Nunca me servi dele, com excepção de uma revolta intestinal sem casa de banho à vista. Nem ele de mim. Nasceu o Francisco e tudo mudou. deus cortou as barbas e passou a Deus. Era uma vez um puto. Este meu Deus tem um feitio tramado, porque aos 30 meses ainda se julga um deus. Eu sou o braço esquerdo, a mãe é o direito. Julga ele. Neste Deus, que está no sorriso e no choro, já assentei umas belas dumas palmadas. Já mandei Deus de castigo para o quarto. Este Deus usa fraldas, duas de pano para dormir e uma descartável para fazer as coisas que só Deus pode fazer por ele (vamos acabar com isso no Verão, introduzindo-lhe a tirania do pitó — e ele a nós a prepotência da cama molhada [entretanto, as descartáveis já foram]). Este Deus, ao contrário do outro, dá-me sorrisos. Diz-me "papá, não vás trabalhar" (traduzo para os incréus, ignaros na língua Dele). Eu explico-lhe as coisas e ele entende. Deus magnânimo assimila. O problema é a sopa e a negociação que a coisa envolve. Digo-lhe para comer só uma colher, ele diz não, eu proponho três e ele decide-se por dez. Done!, e damos cinco. Quando Deus está presente, sinto-me um negociador do FBI num livro de Kafka. Deus não quer, eu quero. Acabo por convencer Deus que é ao contrário, que ele quer e eu não. Raras vezes a coisa não resulta, ó tirania dos homens.

Neste momento, passa da meia-noite, Deus está a dormir. Antes de dormir, disse-me, como faz todas as noites: àputo-puto (amo-te muito, na língua de Deus). E depois pregou-me um susto: “Bu!”.

Se o diabo está nos detalhes, Deus está ali ao lado, a dormir. Aquela tábua onde me agarro, onde ele se agarra, onde a minha mulher se agarra. Tudo o que nos une aos três. Isso é Deus. O outro, o do paga agora e livra-te do fogo dos infernos, nunca se mostrou e não o concebo. Não lastimo a minha falta de fé, porque a tenho. Fé no amanhã. No próximo passo do meu filho, o pontapé na bola, o dizer puta em vez de porta (que embaraços já me causou). Que mais se pode querer de Deus, para além da vontade de correr para casa para o ver? O meu pequeno grande Deus. Quinze quilos de matéria divina (com a fralda limpa pesa menos).

(Post escrito em 03.04.10; hoje, Deus está mais calmo)

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publicado às 00:35


Contada pelo meu filho tem muito mais piada

por Rogério Costa Pereira, em 23.12.11

-- Ó papá, sabes por que é que os camarões nunca mais chegavam?

-- Porque tinham ido a um cocktail!

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publicado às 21:23


Quico experimenta um desbloqueador de conversa

por Rogério Costa Pereira, em 18.11.11

(a viagem até Coimbra ia em 5 minutos e o silêncio ainda imperava)

Quico -- Mamã, Papá, hoje um menino mais pequenino bateu-me, deu-me um murro no peito!
Mamã e Papá -- ...
Quico -- Mas depois a Andreia deu-me uma ajudinha e eu bati ao menino
Mamã e Papá - Quiii-cô...?!!
Quico -- Não, não, enganei-me, não era isso que queria dizer. Eu só queria dizer que estou com vontade de fazer chichi.

Nota: A andreia é uma das professoras e não dá "ajudinhas" destas.

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publicado às 21:57


Papá?

por Rogério Costa Pereira, em 06.11.11
- Diz, filho. - Nada; só queria dizer papá!

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publicado às 18:45


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