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Quando o cidadão simplificado interpretar os ditos resumos à sua maneira, e, tendo em conta essa interpretação da interpretação (atenção que estamos perante duas interpretações: a interpretação de quem faz o resumo e a interpretação que o cidadão faz do dito resumo) fizer asneira e depois sofrer as consequências em tribunal, sempre poderá atirar as culpas para o Simplegis. Parece que já estou a ver: o Autor invoca a lei, o Réu invoca o resumo da lei. Francamente!, alguém dê dois dedos de testa a esta gente.
A propósito deste artigo da Fernanda Câncio, no qual se questiona o facto de as chamadas publicações doutrinárias (Povo Livre, Avante, Acção Socialista) empregarem jornalistas enquanto tal e da legitimidade destes para invocarem tal estatuto e ainda do porquê de lhes ser concedido tal estatuto, não posso deixar de dizer duas palavras.
Há pelo menos quatro normas do Estatuto do Jornalista que convém ter em atenção para tentar dilucidar a questão, as constantes dos artigos 1º, 3º, n.º 1 do 13º e alínea a) do 14º.
O artigo 1º, no seu n.º 1, contém a definição de jornalista ("São considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão".). Já o número 2 exclui da actividade jornalística “o exercício de funções referidas no número anterior quando desempenhadas ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial”.
Ora, até aqui parece, até pelo carácter taxativo do n.º 2, e devido ao facto de ali não ser incluido o exercício das funções elencadas no n.º 1 ao serviço de publicações doutrinárias, que se pretendeu que alguém que desempenhe tais funções no Avante, por exemplo, pode fazê-lo enquanto jornalista. Ou seja, não é o facto de exercer as funções referidas no n.º 1 ao serviço de uma publicação doutrinária que lhe retira, ipso facto, tal estatuto.
Atente-se agora no n.º 1 do artigo 13º, preceito só aparentemente marginal à questão que se discute, mas que se revela deveras elucidativo acerca do espírito que presidiu à definição de jornalista e às funções excluídas daquela definição. Refere o preceito: “1 - Os jornalistas têm direito a participar na orientação editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional, bem como a pronunciar-se sobre todos os aspectos que digam respeito à sua actividade profissional, não podendo ser objecto de sanções disciplinares pelo exercício desses direitos.”. Isto é, e para o caso vertente, um jornalista não tem direito a participar na orientação editorial do órgão de comunicação social para que trabalhe se este tiver natureza doutrinária ou confessional. Trocado por miúdos, temos que esta norma não impede — pelo contrário —, e fá-lo de forma expressa, que um jornalista exerça a sua função num órgão de comunicação doutrinário ou confessional (ou que deva deixar de ser jornalista por esse facto), impedindo-o apenas de participar na orientação editorial desse órgão.
Efectivamente, e aqui chegados, parece-me não restar qualquer dúvida que um jornalista não está impedido de desenvolver a sua actividade no Avante, no Povo Livre ou na Acção Socialista. É esse claramente o espírito da lei, foi essa a vontade do legislador, o que se constata quer pela não inclusão daquela actividade no rol das que não são actividade jornalística, quer por se conceber a prática do jornalismo num órgão desse tipo, limitando-lhe “apenas” a participação na orientação editorial. Esta última questão, de resto, é deveras curiosa e mesmo perturbadora, uma vez que abre alas a uma espécie de jornalista de segunda classe, destituindo-o do poder de participação consagrado no artigo 13º. Por outras palavras, em face da lei, não tenho grandes dúvidas de que um jornalista tem toda a legitimidade para exercer a sua actividade profissional num órgão de comunicação social doutrinário ou confessional, sendo certo que se o fizer, ao contrário dos seus colegas dos demais órgãos fica impedido de participar na orientação editorial da publicação em causa.
Porém, e sendo certo que a lei tem esta estranha inclinação, a Fernanda tem toda a razão na forma como alude à alínea a) do artigo 14º “Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes (...) Informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião”. Como é que isto se faz no Avante, no Povo Livre, na Acção Socialista?, órgãos onde ainda para mais está vedada ao jornalista a participação na orientação editorial? Não faço ideia. É obviamente incompatível e nem merece mais explicações para além das que a Fernanda já deu. Um jornalista do Avante informa com rigor e isenção? Parece-me que a pergunta já vem com resposta.
Dura lex, sed lex, o que não quer dizer — longe disso — que a questão não deva ser considerada em futuras revisões. Pelo contrário, a questão tem de ser considerada e a lei alterada, a bem da sua coerência. E pode-se fazê-lo de duas maneiras, ou se retira de dever de jornalista o de informar com rigor e isenção, o que de resto, tendo em conta o tipo de jornalismo que se vai praticando, seria uma mera adequação à realidade, ou se dá nova redacção aos artigos 3º e 13º do Estatuto, por forma a que deixe de se poder qualificar como jornalista quem trabalha num desses órgão ao serviço de um partido político, instituições que não primam exactamente pelo rigor e pela isenção (nem isso se espera delas).
Em suma: até ver, para além do acolhimento expresso no conceito de imprensa das publicações doutrinárias (definidas na Lei de Imprensa como “aquelas que, pelo conteúdo ou perspectiva de abordagem, visem, predominantemente divulgar qualquer ideologia ou credo religioso”), verifica-se igualmente que devemos tirar as aspas aos jornalistas do Avante. Ainda assim preferiria errar com a Fernanda a acertar com o Estatuto dos Jornalistas.
Leio no DN que "O crime de infanticídio está previsto no artigo 136.º do Código Penal e (...) É um crime punível com um máximo de cinco anos de prisão, sempre com pena suspensa.". (o bold é meu)
Até agora, quando um(a) tipo(a) se casava, já sabia que no “e para o mal”, como em “para o bem e para o mal, na saúde e na doença”, estava implícita a cruel realidade de que nem o divórcio acabava com as sogras. Efectivamente, a afinidade não cessava pela dissolução do casamento, o que queria significar que, de divórcio em divórcio, as podíamos ir coleccionando. E às respectivas línguas.
Disse “não cessava” e, mesmo sabendo que é impossível alguém estar a ler um texto que ainda não terminei - muito menos publiquei, senti-vos tremer. A teoria do caos virou lei e o meu monitor abanou.
Pois é verdade, argutos e ora abandonados leitores, com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro aka "a que altera o regime jurídico do divórcio", acabou-se a papa-doce. Agora, recambiada a(o) noiva(o) para casa da mãe vai-se a sogra embora também (notem a rima à Quim Barreiros). Rectius, ressalvados os casos de viuvez, sogra passa a só haver uma: a actual e mais nenhuma. Digo “ressalvados os casos de viuvez” porque o legislador, ó negro humor, achou por bem que, em caso de dissolução do casamento por morte, o(a) viúvo(a) mantenha o direito à sogra, que é coisa que faz sempre jeito.
Feita a exposição, eis a arma do crime. Duas singelas e aparentemente inocentes palavras: “por morte”! A redacção do artigo 1585º do Código Civil, “A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução do casamento”, ostenta agora o crudelíssimo apendículo “por morte”, enfiado logo depois do “casamento”.
Lamento, meus caros, restam-vos os cromos e as caricas.
PS - Adoro a minha sogra (já escrevi, querida!, está bem assim?).
Cá recebi a vossa enésima alteração ao Código de Processo Civil. É com grato prazer que vos informo que neste momento trabalho com três versões do dito, uma para os processos de tal a tal, outra para os processos de não-sei-quantos a não-sei-quantos e outra para os processos que tramitam desde sei-lá-quando. Não leves a mal - antes de mais não leves a mal o facto de abruptamente te começar a tratar por tu, mas a verdade é que já nos conhecemos praticamente desde Adão e Eva, dizia eu, não leves a mal o que te digo de seguida, mas é de coração, e se um gajo não faz o que o coração manda o coração explode - e depois é uma porcaria que suja as paredes todas, dizia então, é de coração que te atiro: vai para o diabo que te carregue, que maus raios te partam, pára de cagar leis.
Do teu mandatário que neste momento renuncia ao mandato.
(uma adaptação excessivamente livre de uma farpa do Ramalho)
Nem que andasse de candeia acesa, deliberadamente à procura, conseguiria encontrar melhor sequência para o que aqui disse a propósito das prendas do legislador. O dramalhão que ontem ocorreu no Parlamento a propósito da votação do artigo 5º da lei-quadro das nacionalizações, com Afonso Candal (salvo erro) a esclarecer o que a versão original do artigo queria dizer, com Jorge Lacão a reescrever o artigo de forma que se pretendia mais clara e com o PS a recusar votar a proposta com o artigo reescrito, foi um belo exemplo de como se legisla neste pobre país. Em suma, uma norma é apresentada aos deputados para a votarem, a oposição e Manuel Alegre contestam a clareza da dita, um deputado esclarece que está clara que chegue, um secretário de Estado tenta levar a clarificação à letra da lei, o grupo parlamentar do PS recusa-se a votar a versão clarificada.
Tudo à frente das televisões, para o portuguesinho não perder pitada. Eu já não tinha grandes dúvidas de como algumas das lusas leis acabam no DR (e não é coisa só de agora), mas, tivesse havido um pouco de bom-senso, o que se exigia, e podíamos ter sido poupados ao triste espectáculo - o que vale é que o comum dos mortais não há-de ter percebido a gravidade do sucedido.
Por dever de ofício tive recentemente que me debruçar sobre o Código dos Contratos Públicos (CCP), que entrou em vigor em Julho passado. A coisa é um verdadeiro tratado sobre como não legislar, não me refiro à substância, mas à forma. Um texto difícil de trabalhar, cheio de remissões para remissões - remissões para artigos posteriores e artigos anteriores. Excepções a excepções e devaneios do género, que prometem dar cabo da cabeça aos infelizes que com o dito tiverem que trabalhar, tudo feito ao melhor estilo a jurisprudência que resolva. Mas a tudo isso o legislador, essa figura mítica que ninguém parece conhecer, já nos vem habituando - são as chamadas leis feitas a 50 mãos, sem fio condutor, sem eixo orientador.
Neste código, como se não fosse suficiente o emaranhado que atrás descrevo, somos ainda brindados com o artigo 228º, que passo a citar, chamando especial atenção para o brilhantismo do respectivo n.º 2, de que sublinho a parte interessante:
Artigo 228.º (Anonimato)
1 — No concurso de concepção, qualquer que seja a modalidade adoptada, a identidade dos concorrentes autores dos trabalhos de concepção apresentados só pode ser conhecida e revelada depois de elaborado o relatório final do concurso.
2 — A entidade adjudicante, o júri do concurso e os concorrentes devem praticar, ou abster -se de praticar, se for o caso, todos os actos necessários ao cumprimento do disposto no número anterior, nomeadamente no que respeita ao acesso aos documentos complementares referidos no n.º 3 do artigo 226.º.
Em suma, devem praticar ou abster-se de praticar todos os actos necessários à preservação do anonimato. Belo!
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