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Mudar o Mundo [a propósito da carta a um pai]

por Rogério Costa Pereira, em 19.02.14

Li a carta do filho ao pai [link] e do pai ao filho [link].

“(…) Ontem, o meu pai foi-se embora. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. (…)”

Não percebo. Não percebo esta gente, não percebo esta cambada de energúmenos de sofá, que nada fazem para além de coçar os tomates e dizer mal do árbitro; sem nunca ter mexido uma palha que fosse, porque se sentem bem até a comer merda, desde que a merda seja o prato da moda. E que acima de tudo não pareça mal comer merda.   

Mas percebo muito bem a razão de estarmos como estamos. Este país de agora é a imagem cuspida e escarrada da maioria estatística que o habita. Invejosos, calaceiros, mandriões, parasitas; infelizes que se alimentam das desgraças dos outros. Vivem sem viver. Gritam para dentro, porque os tomates que não têm servem apenas para coçar. Nada mais. Não chegam a ser gente, são meras coisas que para aí andam. Cúmplices, por inacção, do estado de sítio que nos arranca os sentires.

Lamentavelmente, e isso custa-me muito (e digo-o de cabeça fria), beneficiarão da luta de quem a trava todos os dias. Da minha, sim. E da de tantos outros, que acreditam que o impossível não passa de uma desculpa que os fracos inventaram para justificar o comodismo e o medo que têm de ousar ser gente.

Luto aqui, nas ruas, nos tribunais, nas salas de aula. Por onde passo. Para mudar o mundo, sim. Claro que tento. Claro que ouso. Claro que mudo. Sou pai, porra! Como é possível não querer mudar este mundo? E ainda que não fosse — pai —, tentaria na mesma. Claro que é possível mudar o mundo sozinho. Porque, felizmente, ainda que poucos, somos muitos a estar sozinhos nessa demanda. Quanto mais sozinhos nos acharem, menos difícil será existir. E quem nasce assim, só existe duma forma. Existindo. E assim se inventou a roda. E inventaremos tantas rodas quantas forem necessárias. Para mudar o mundo.  

Mudar o mundo e extirpar dele quem fez por o trazer até aqui; quem faz por o manter por aqui. Mudar o mundo a cada dia, porque, mesmo mudado, o mundo continuará carente de metamorfoses benignas. A cada dia. Todos os dias. Criar Homens. Impedir que nasçam novos lobos do Homem.

Fernando Tordo regressará a este país, sim. E voltará pela porta grande, pela mesma porta por onde, quer queiram quer não, também saiu. Porque um Homem assim não cabe em portas pequenas.

E agora vou continuar a mudar o mundo, sem me preocupar com quantidades, mas ciente de que ontem já era tarde. Vou tentar manter-me pelo desamor de que fala o João Tordo, mas é-me muito difícil. Destroem-nos a essência e o respirar, esses animais. No que me toca, e desde que não me tolde o pensamento, posso bem com o ódio que não me apoquenta. Eu entendo ódio, e penso que o João Tordo também. Talvez seja outro o sentimento que tanta repugnância nos causa. Nem é bem um sentimento, bem vistas as coisas; é apenas um cheiro fétido. 

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publicado às 16:40


O Bom Inverno

por Rogério Costa Pereira, em 22.04.11

Acabei há dias de ler O Bom Inverno, de João Tordo. Trata-se, definitivamente, de algo de novo na literatura portuguesa. João Tordo tem o mérito de fazer das suas fraquezas forças. Assume-as – assume-se!, como bem se vê no recurso ao novelístico House − com folgança e às escâncaras, quase que a gozar connosco. Bom Inverno é um livro que tem um defeito bom – ele há disso, como o cigarro que ora fumo: o livro não se lê, devora-se. É um defeito, sim, mas, no meu caso concreto, é um defeito muito meu – um defeito do leitor, que é glutão. O romance tem – confirmo! − dos melhores diálogos de sempre – de sempre!, e não exagero − da literatura portuguesa. Bosco é o nosso bicho-papão, o homem do saco, metáfora crua de algo/alguém a que cada leitor dará forma/nome. O eterno monstro debaixo da cama que atenta todas as medranças, os tempos da luz acesa no corredor. Os outros actores, e não é à toa que uso esta palavra – actores ­−, são memoráveis (Olivia é um quadro em branco; nem João Tordo saberá exactamente quem ela é – e escrever é mesmo isto, as palavras a atropelar o instrumentalizado autor). Estamos lá todos e, como na vida, todos temos uma parcela da culpa; até da de estarmos vivos. João Tordo entrega-nos o livro em cru e obriga-nos a recorrer aos nossos sonhos e pesadelos para o cozinhar. É um livro manifestamente incompleto, de tão cheio que vem. Nem o facto de utilizar quatro vezes uma das palavras mais detestáveis da língua portuguesa, procrastinar, me tirou do sério; mesmo na altura em que esta antecede o belo adiar tão mais português. E tão mais bonito.

Em suma, fiquei leitor, e penso que com João Tordo e valter hugo mãe estamos bem servidos, por muitos e bons anos. Não podiam ser mais diferentes, quer nos enredos, quer no domínio das palavras, quer na criação de personagens. Ambos, porém, tem algo em comum. Escrevem de forma despretensiosa, coisa que os afasta de José Luís Peixoto, um fulano que tem tudo para dar certo, mas que exibe um umbigo grande demais. E não, nisto da literatura, a humildade não é algo despiciendo.

PS - Não sou crítico literário, já tenho afazeres que bastem, sou um "mero" leitor. 

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publicado às 23:48


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