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 Este texto é de Isabel do Carmo (médica). E tem toda a razão.

O primeiro-ministro anunciou que íamos empobrecer, com aquele desígnio de falar "verdade", que consiste na banalização do mal, para que nos resignemos mais suavemente. Ao lado, uma espécie de contabilista a nível nacional diz-nos, como é hábito nos contabilistas, que as contas são difíceis de perceber, mas que os números são crus. Os agiotas batem à porta e eles afinal até são amigos dos agiotas. Que não tivéssemos caído na asneira de empenhar os brincos, os anéis e as pulseiras para comprar a máquina de lavar alemã. E agora as jóias não valem nada. Mas o vendedor prometeu-nos que... Não interessa.

Vamos empobrecer. Já vivi num país assim. Um país onde os "remediados" só compravam fruta para as crianças e os pomares estavam rodeados de muros encimados por vidros de garrafa partidos, onde as crianças mais pobres se espetavam, se tentassem ir às árvores. Um país onde se ia ao talho comprar um bife que se pedia "mais tenrinho" para os mais pequenos, onde convinha que o peixe não cheirasse "a fénico". Não, não era a "alimentação mediterrânica", nos meios industriais e no interior isolado, era a sobrevivência.

Na terra onde nasci, os operários corticeiros, quando adoeciam ou deixavam de trabalhar vinham para a rua pedir esmola (como é que vão fazer agora os desempregados de "longa" duração, ou seja, ao fim de um ano e meio?). Nessa mesma terra deambulavam também pela rua os operários e operárias que o sempre branqueado Alfredo da Silva e seus descendentes punham na rua nos "balões" ("Olha, hoje houve um ' balão' na Cuf, coitados!"). Nesse país, os pobres espreitavam pelos portões da quinta dos Patiño e de outros, para ver "como é que elas iam vestidas".

Nesse país morriam muitos recém-nascidos e muitas mães durante o parto e após o parto. Mas havia a "obra das Mães" e fazia-se anualmente "o berço" nos liceus femininos onde se colocavam camisinhas, casaquinhos e demais enxoval, com laçarotes, tules e rendas e o mais premiado e os outros eram entregues a famílias pobres bem- comportadas (o que incluía, é óbvio, casamento pela Igreja).

Na terra onde nasci e vivi, o hospital estava entregue à Misericórdia. Nesse, como em todos os das Misericórdias, o provedor decidia em absoluto os desígnios do hospital. Era um senhor rural e arcaico, vestido de samarra, evidentemente não médico, que escolhia no catálogo os aparelhos de fisioterapia, contratava as religiosas e os médicos, atendia os pedidos dos administrativos ("Ó senhor provedor, preciso de comprar sapatos para o meu filho"). As pessoas iam à "Caixa", que dependia do regime de trabalho (ainda hoje quase 40 anos depois muitos pensam que é assim), iam aos hospitais e pagavam de acordo com o escalão. E tudo dependia da Assistência. O nome diz tudo. Andavam desdentadas, os abcessos dentários transformavam-se em grandes massas destinadas a operação e a serem focos de septicemia, as listas de cirurgia eram arbitrárias. As enfermarias dos hospitais estavam cheias de doentes com cirroses provocadas por muito vinho e pouca proteína. E generalizadamente o vinho era barato e uma "boa zurrapa".

E todos por todo o lado pediam "um jeitinho", "um empenhozinho", "um padrinho", "depois dou-lhe qualquer coisinha", "olhe que no Natal não me esqueço de si" e procuravam "conhecer lá alguém".

Na província, alguns, poucos, tinham acesso às primeiras letras (e últimas) através de regentes escolares, que elas próprias só tinham a quarta classe. Também na província não havia livrarias (abençoadas bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), nem teatro, nem cinema.

Aos meninos e meninas dos poucos liceus (aquilo é que eram elites!) era recomendado não se darem com os das escolas técnicas. E a uma rapariga do liceu caía muito mal namorar alguém dessa outra casta. Para tratar uma mulher havia um léxico hierárquico: você, ó; tiazinha; senhora (Maria); dona; senhora dona e... supremo desígnio - Madame.

Os funcionários públicos eram tratados depreciativamente por "mangas-de-alpaca" porque usavam duas meias mangas com elásticos no punho e no cotovelo a proteger as mangas do casaco.

Eu vivi nesse país e não gostei. E com tudo isto, só falei de pobreza, não falei de ditadura. É que uma casa bem com a outra. A pobreza generalizada e prolongada necessita de ditadura. Seja em África, seja na América Latina dos anos 60 e 70 do século XX, seja na China, seja na Birmânia, seja em Portugal

 

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publicado às 15:00


Custe o que custar

por Rogério Costa Pereira, em 04.02.12
Custe o que custar, nem que o povo passe fome
Custe o que custar, nem que o povo morra à fome
Custe o que custar, nem que os velhos estiquem de frio
Custe o que custar, os trapos que esperem sentados
Custe o que custar, que tudo tem um fim
Custe o que custar, os remédios são mezinhas do demo
Custe o que custar, que setenta anos são exagero
Custe o que custar, que a velhice é conceito estatístico
Custe o que custar, que a caducidade das gentes é coisa da essência  
Custe o que custar, que há vida para além da morte
Custe o que custar, nem que se incentive a mortandade
Custe o que custar, … e mesmo a infantil
Custe o que custar, que já se subsidiaram coisas piores
Custe o que custar, Deus inventou a doença
Custe o que custar, Deus inventou o cancro...
Custe o que custar, ...para alguma coisa foi
Custe o que custar, que as crianças não votam
Custe o que custar, que o apoio à maternidade sai caro
Custe o que custar, que os putos a chorar de fome não me desafiam em programas de rádio
Custe o que custar, que o leite é caro e o Estado tem tetas que vão lá pela cor
Custe o que custar, o reencontro
Custe o que custar, que Angola é nossa
Custe o que custar, que nós somos de Angola
Custe o que custar, rapidamente e em força…
Custe o que custar, … para Angola
Custe o que custar, que a iliteracia é subvalorizada
Custe o que custar, que quanto menos souberem menos refilam
Custe o que custar, que o serviço nacional de saúde é sobrevalorizado
Custe o que custar, que eu tenho um mandato da troika
Custe o que custar, que se a coisa der para o torto a troika arranja-me posto
Custe o que custar, assim ladram os cães
Custe o que custar, eu recruta deles sou
Custe o que custar, cada um por si
Custe o que custar, que vocês abusaram
Custe o que custar, que para evitar o choro de uma criança com fome…
Custe o que custar, … eu subsidio o algodão para os ouvidos
Custe o que custar, que eles já me tratam por tu
Custe o que custar, que a vossa vida é mesmo assim
Custe o que custar, que viver em Massamá é que é fodido
Custe o que custar, que o conceito de emprego só faz sentido se o desemprego existir
Custe o que custar, que em Espanha um quarto deles não o tem
Custe o que custar, vejam o custe o que custar atrás e abandalhem-se por felizes
Custe o que custar, hei-de lá chegar
Custe o que custar, eu hei-de pôr-vos na linha
Custe o que custar, nem que nada reste
Custe o que custar, desapareçam
Custe o que custar, que vou à frente nas sondagens
Custe o que custar, que o Estado sou eu
Custe o que custar, que o argumento do gaspar assim o dita
Custe o que custar, que o relvas assim mo manda dizer
Custe o que custar, que se foda o povo
Custe o que custar, que se fodam os bebés
Custe o que custar, quem vos manda parir?
Custe o que custar, quem vos manda foder?
Custe o que custar, que se fodam os velhos
Custe o que custar, que se foda a juventude
Custe o que custar, que se foda a classe média
Custe o que custar, que se fodam os pobres que já o eram
Custe o que custar, que se fodam os pobres que o passaram a ser
Custe o que custar, que vocês ocupam espaço germânico
Custe o que custar, eu hei-de pôr esta porra na ordem
Custe o que custar, faz-se já uma lei
Custe o que custar, nem que ponha os mortos a votar
Custe o que custar, que vocês são a névoa que me impede o horizonte
Custe o que custar, eu sou o poder
Custe o que custar, eu sou a oposição
Custe o que custar, quem caralho é o Pedro Rosa Mendes?
Custe o que custar, a pide foi tão maltratada
Custe o que custar, a António Maria Cardoso ainda existe
Custe o que custar, a censura é uma questão de higiene
Custe o que custar, a democracia é démodé
Custe o que custar, a liberdade é um flato
Custe o que custar, vocês são números
Custe o que custar, eu estou a gostar disto
Custe o que custar, sois a minha a montanha-russa
Custe o que custar, não fui eu que me escolhi
Custe-Vos o que Vos custar, Vocês é que Me Elegeram
Custe o que custar, que o povo cheira mal

Custe o que custar, après moi le déluge

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publicado às 02:25

Uma ditadura mascarada de Democracia, em que as vozes dos donos e os donos das vozes se podem escudar atrás das garantias de um Estado de Direito Democrático, é mais perigosa e difícil de abater, porque golpeou o Estado de dentro para fora e instrumentaliza as antigas instituições democráticas, do que uma ditadura escancarada e assumida. Por isso, independentemente dos passos que se venham a dar para combater o actual estado de coisas, é urgente dar um primeiro. Não lhe chamemos Democracia.

Alguns dirão que só numa Democracia eu poderia escrever palavras como estas sem ser atentado por um qualquer pide ou bufo dos tempos modernos. Ora aí é que a porca torce-o-rabo. As formas serão diversas, por enquanto, mas os tarrafais dos tempos que correm já viraram para cá da esquina. Estão aí, no meio de nós. Já todos lhes vimos as formas de actuação, aqui e ali, ontem e hoje. Se duvidam, se acham que exagero, queiram fazer o favor de esperar mais um bocadinho. Até doer! Se fazem questão de esperar mais um bocadinho, depois não se queixem. Continuem "atrás da mesa com o cu na mão". Até doer!

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publicado às 14:14


A democracia dos Dupont & Dupond, S. A.

por António Filipe, em 17.01.12

Hoje em dia, a democracia é assim como uma espécie de religião. No caso português, foi-nos impingida há trinta e tal anos. A grande maioria dos portugueses acreditou nela. E muito bem. Mas não tardou muito que a democracia deixasse de o ser, na verdadeira acepção da palavra. A pouco e pouco foi-se degradando, mas os portugueses continuaram a acreditar nela. E pior, continuaram a acreditar que viviam em democracia. Acreditar em democracia é uma coisa. Mas acreditar que vivemos em democracia é outra completamente diferente. No tempo do fascismo havia muita gente que acreditava em democracia, mas ninguém acreditava que vivíamos numa. Conquistámo-la em 1974 mas esquecemo-nos que temos que a reconquistar diariamente, senão perdemo-la. Pode manter o nome, mas a prática é outra conversa. A palavra democracia, de origem grega, significa “governo do povo” (Demos=povo - Kratein=governo). Se alguém acredita que, em Portugal, temos um governo do povo, decerto vive na lua. O simples facto de podermos votar sempre que há eleições não significa que vivemos em democracia. Neste país, grande parte das pessoas nem sequer sabe os nomes ou conhece as caras daqueles que as vão representar. A única pessoa cujo nome aparece no boletim de voto e que é escolhida de acordo com os votos é o Presidente da República. E este, nas últimas eleições, foi eleito por vinte e tal por cento dos votantes. E foi assim que passou a ser o representante de todos os portugueses.
Este sistema está feito por partidos e para partidos. Devia ser do povo e para o povo. Isso é que é democracia. O sistema representativo e parlamentar ou semiparlamentar, que se apodera do nome da democracia, limita o poder dos cidadãos ao simples direito de votar, ou seja, a nada. É o único direito que o povo tem e, mesmo esse, é condicionado pelos mais diversos factores que, em muitos casos, se resumem à necessidade de arranjar emprego (para si próprio ou para um familiar) e a promessas eleitorais que raramente são cumpridas.
Não podemos considerar democrático um sistema em que os políticos e governantes mentem constantemente, enriquecem à custa do povo, prometem e não cumprem, não são responsabilizados pela má gestão do dinheiro dos contribuintes, um sistema em que o ordenado mínimo e grande parte das pensões são miseráveis.
Enquanto isto acontecer, a democracia não passa de um sistema em que os eleitores têm a liberdade de escolher os seus próprios ditadores. Não passa de um mito. De uma religião em que os deuses são os partidos e os crentes são os seus militantes. Não passamos de escravos modernos, crendo poder votar e livremente escolher quem decidirá o nosso futuro. E quando, logo após as eleições, chegamos à conclusão que fomos enganados, podemos barafustar, espernear e até ameaçar. Não temos poder para mudar nada. E andamos nisto até ao dia das eleições seguintes. E nesse dia lá vamos nós, todos contentes e orgulhosos, exercer o nosso único direito democrático. E, espantosamente, votamos nos mesmos ou nos outros, que, afinal, são os mesmos! E, como são os mesmos, fica tudo na mesma. Só mudam os “boys”, que foi para esses que votámos. E assim tem acontecido connosco há mais de trinta anos e, com outros países, ainda há mais tempo.
A nossa democracia é um “bluff”. A oposição já não existe. Os principais partidos políticos estão de acordo no essencial: manter este tipo de sociedade, em que os mercados e os senhores do grande capital é que mandam. Nenhum dos partidos políticos com acesso ao poder põe isso em causa. Tudo isto, nem remotamente, tem a ver com democracia. Escolher entre o Sr. Feliz e o Sr. Contente ou entre Monsieur Dupont e Monsieur Dupond nunca será uma verdadeira escolha.
Vivemos numa ditadura económica.

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publicado às 18:24

"Face a solicitações de vários órgãos de comunicação social sobre a atribuição do prémio Nobel da Paz deste ano, o PCP divulga o seguinte:

A decisão da atribuição do Prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo – inseparável das pressões económicas e políticas dos EUA à República Popular da China - é, na linha da atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2009 ao Presidente dos EUA, Barack Obama, mais um golpe na credibilidade de um galardão que deveria contribuir para a afirmação dos valores da paz, da solidariedade e da amizade entre os povos".

 

 

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publicado às 15:51

Este homem atreveu-se a lutar pela democratização da China. Foi condenado a 11 anos de prisão. Porque, no seu manifesto, com 10 000 assinaturas, defende o fim do regime de partido único, a independência do poder judicial e a liberdade de associação.

Para o Tribunal de 1.ª Instância n.º 1 de Pequim, esta ousadia, naturalmente, é descrita como actividades que visavam "subverter o Governo". Onze anos de prisão, então.

Há quem reclame dizendo que esta sentença não é própria de um "grande país".

Isto de se dizer "grande país", só pode ser dito a bem da diplomacia, entenda-se. A bem de uma revogação da sentença. Mas apetece gritar, não é? 

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publicado às 10:17


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