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... e ver a Estrela

por Rogério Costa Pereira, em 27.10.13

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publicado às 02:41


Hoje é dia de festa

por Licínio Nunes, em 29.09.13
Em última análise, existem apenas dois tipos de sociedades, umas podem ser designadas por fechadas e as outras por abertas. [...] O drama das sociedades abertas, é que têm que permitir a actuação dos seus inimigos.
Karl Popper in A Sociedade Aberta e Os Seus Inimigos


A festa da Democracia, com toda a sua majestade, e eu festejo-a como posso. Festejo-a no seio dum Povo rude e alienado, que dificilmente justificará a maiúscula, mas que é o meu e que me faz, também, aquilo que eu sou.

Celebro a festa da Democracia numa condição de ocupação. Estrangeira como só a ocupação consegue ser, protagonizada por um von Colditz solicito e seboso, que assegura aos seus senhores que sim, Belém já está a arder, no fogo lento da miséria sem amanhã nem esperança, com lugar reservado apenas para os membros do seu arco. Que me exclue, mas também me liberta da obrigação de respeitar as consequências das péssimas escolhas dos meus concidadãos.

Festejo com um nó na garganta, firmemente decidido a afirmar que o futuro não pertence à corja de patifes designados por ministros-e-secretários-de-estado-de-cavaco-silva, assim como não pertence ao fedelho ranhoso que conseguiu começar a trabalhar mais tarde até do que os filhinhos do sr. Kadafhi. Nem a este nem àquela víbora peçonhenta, cujo apelido me incomoda, e que prova como a verdadeira miséria desafia a gravidade e sobe, sempre; pelo menos até ao Largo do Caldas.

É dia de festa. Seja lá qual for a decisão colectiva do meu Povo rude, hoje senti ou recordei um cheirinho de alecrim. Gostei.

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publicado às 17:37


A nomeação de Maria Luís Albuquerque para o cargo de Ministra das Finanças é uma provocação reles e vil saída da cabeça de uma criatura infame que, de derrota em derrota que não mata-mas-mói (não ainda totalmente real e eficaz, para meu lamento; que tais derrotas são o lado para onde eles melhor se deitam), insiste em vingar-se de quem, dia após dia -- na rua, nos jornais e nas redes sociais --, faz por lhas infligir. Falo das pedras no caminho do esvaziamento, do despejo, do esgotamento de um país; as areias na engrenagem da aniquilação total. Falo do POVO que ousa respirar.

Para o “neoliberalismo segundo coelho e respectivos caudilhos”, quanto pior melhor. Não quero com isto dizer que Gaspar era melhor do que a ora indigitada – ao nível do “pior é impossível”, não é sério fazer tal comparação. Ao dizer que, para Passos y sus muchachos, “quanto pior melhor”, refiro-me ao pior para Portugal e para os portugueses.

Gaspar era a pedra angular deste governo e das suas políticas de terra queimada. O plano de acabar com Portugal e com os Portugueses, pela via duma espécie de genocídio social, cultural, económico e institucional, sustentando numa espécie de solução final política, foi traçado a régua e esquadro por Gaspar, orientado pelos seus mandantes. E, ainda que fosse factual que Gaspar houvesse sido escolhido por Passos para a função – no que não concedo e apenas por uma questão de raciocínio refiro --, tal não retiraria ponta de verdade ao que atrás disse. Pelo contrário. Passos, eleito pelo voto popular, era a legitimação democrática, salvo seja, de um mercenário pago para trazer o país até aqui. Mas Gaspar já fez o seu trabalho e pode seguir adiante, para outras funções.

Em suma, neste estado de coisas, tanto fazia escolher Maria Luís Albuquerque como a nossa senhora de Fátima. O trabalho já está feito e o barco dos infernos já dispensa Caronte. Aos olhos dos neoliberais, o ideal até dispensaria, neste momento, um ministro das finanças – não vá correr-se o risco de o escolhido não ter a arte e o engenho de ir além de apenas se certificar de que o leme se mantém seguro na direcção do abismo.

Posto isto, e porque parece mal não ter alguém na pasta das Finanças, qual a razão para não dar mais uma cuspidela no POVO e escolher quem, antes de o ser, já reúne todas as condições para não o ser? Penso que foi o João Semedo que disse, as palavras são minhas mas ideia é esta, que a cabeça de Maria Luís Albuquerque podia ser pedida hoje mesmo, que quem o fizesse não cairia no ridículo.

Por mais absurdo que pareça, Passos escolheu Albuquerque para o cargo porque esta já reunia, hoje mesmo, aos olhos da higiene democrática, condições para ser demitida de secretária de estado. Que pior afronta para a democracia e para o regular funcionamento das instituições democráticas do que escolher Albuquerque? Alguém que comprovadamente mentiu e reincidiu na mentira? Antes que alguém ousasse pedir-lhe a cabeça, Passos promoveu-a. E como se deve estar a rir, e como deve estar a ser felicitado pela sua vilanagem companheira.

Se vivêssemos numa Democracia, se tivéssemos um Presidente da República, o governo cairia já hoje. Mas tal não acontece nem vai acontecer pelas mãos de Aníbal, o traidor. Para o decano regedor da destruição pátria, ora elevado a chefe de estado, este é um sonho tornado realidade.

E amanhã assistiremos à alegoria sórdida que aníbal, Passos e seus mandantes nos servem no prato – o gozo primário de homologar a ignomínia. Apesar de não a ter jurado – ou por isso mesmo --, à constituição democrática que cada vez mais se resume ao papel, sinto-me completamente desobrigado de respeitar o estado de sítio actual. E direi e agirei em conformidade.

Não assistirei cego, surdo e mudo a este “quanto pior melhor”, que tem como fim único a destruição e venda a retalho do país do meu filho. Continuarei a não dar para o peditório destes canalhas. Não assistirei sentado à destruição de Portugal. E continuarei a escrever e a fazer, em Liberdade – aqui ou ali --, aquilo que a consciência me dita.

Continuo a sonhar que é possível, mesmo que tudo indique o contrário. Assim o engenho e as forças mo permitam – e a loucura não me atente --, continuarei a contribuir para o extermínio do projecto de aniquilação de Portugal.

Este é o meu testemunho e a minha certeza. 

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publicado às 22:42


Há um Abril a morrer em Portugal

por António Filipe, em 24.04.13
Roubaram-me Abril. De mansinho e a pouco e pouco foram-me roubando Abril. Aquele Abril que eu e tantos outros ajudámos a construir, a pouco e pouco, até ao dia do cravo na ponta da espingarda. E que dia aquele foi!

Não fora o cravo a entupir o cano, estaríamos agora a celebrar mais um ano de liberdade, de igualdade e de justiça social. Se, há 39 anos, estes valores eram um sonho, hoje não passam de um pesadelo. Porque não sabemos quanto mais tempo vão durar. Não sabemos o futuro. Mas o futuro (ainda) está nas nossas mãos. Desde há alguns anos que nos têm vindo a roubar alguns dos sonhos que, naquela madrugada de Abril, o povo tornou realidade. Tudo por causa do cravo que entupiu o cano da espingarda. Tivéssemos usado uma rosa, sem pétalas mas cheia de espinhos, e tudo teria sido diferente. Lembro-me de ter avisado, na altura.
Aqueles por quem tivemos tolerância hibernaram durante algum tempo. Esconderam-se mas não desapareceram. Nos últimos anos regressaram e são intolerantes. Vieram para destruir a democracia e o estado social. E a liberdade. Sim, a liberdade, porque as pessoas já têm medo de falar contra eles, mesmo sabendo que são maus, porque, se falarem, eles têm mil e uma maneiras de retaliar. E as pessoas sabem que, à primeira oportunidade, eles são implacáveis. Não nos prendem, mas roubam-nos o trabalho, roubam-nos os direitos, roubam os ordenados e as pensões a quem (ainda) os tem. Roubam-nos a liberdade. Não são ditadores, são pior que isso. Sabem ao que vêm e nós sabemos ao que eles vêm. Prendem-nos sem nos encarcerarem, para que, nas próximas eleições possamos votar neles. E nós votamos. Sempre neles. Sempre nos mesmos, há quase quarenta anos. Tal como votámos nos ditadores antes deles, durante mais de quarenta anos.
Quisemos ser heróis e fazer uma revolução sem sangue. O Miguel Portas, que faleceu há um ano e que sempre foi um defensor dos ideais de Abril, um dia escreveu ou afirmou que “as grandes lutas se fazem com pessoas normais, não com heróis”. E, como sempre, tinha razão. Pessoas normais teriam disparado primeiro e, só depois, entupiriam, com cravos, o cano da espingarda. Armámo-nos em heróis e saímos derrotados. Armámo-nos em povo de brandos costumes e eles vingaram-se. E continuam a vingar-se do bem que lhes fizemos (ou do mal que não lhes fizemos). Agora, querem fazer pactos de regime para tornar a vingança mais democrática. E nós, espantosamente, deixamos!
Há 39 anos o povo saiu à rua. Éramos milhões. Ouviam-se gritos à liberdade e à democracia. Ouviam-se palavras de ordem contra o regime fascista, que dava o último suspiro. Ouviam-se palavras de ordem contra as potências estrangeiras que, quais abutres, pairavam sobre Portugal, prontos a atacar à primeira oportunidade. “Nem NATO nem Pacto de Varsóvia, independência nacional!” - gritavam milhões de pessoas. Quase quatro décadas depois, é fácil verificar que de independência nacional pouco ou nada nos resta. Os abutres poisaram e estão-nos a devorar. Os nossos governantes são lacaios dos mercados e dos países mais poderosos, que os controlam. Abril está cada vez mais longe.
Mas esta escalada contra as conquistas de Abril (ainda) pode ser interrompida. Assim o povo queira. Assim o povo se decida a lutar, como fez há 39 anos. Eles estão-nos a roubar Abril e, para a semana, é Maio.
E que ninguém se iluda. Os cravos, a serem usados, é na lapela. Para o que falta, usemos rosas sem pétalas e com muitos espinhos.
De aço.

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publicado às 20:40

It's coming to America first,
the cradle of the best and of the worst.
It's here they got the range
and the machinery for change
and it's here they got the spiritual thirst.
It's here the family's broken
and it's here the lonely say
that the heart has got to open
in a fundamental way:
Democracy is coming to the U.S.A.

— Democracy, Leonhard Cohen

...Ou como os poetas também se enganam. Ou talvez não seja um erro, e o essencial esteja contido naqueles dois primeiros versos, Está a chegar à América primeiro / O berço do melhor e do pior. Devo dizer que não acompanhei o folhetim a respeito de como é que o ti Aníbal ia justificar o facto de violar os juramentos solenes que fez, não os violando, mas passando a bola, ou mais exactamente, chutando para canto.

Em vez disso, dediquei-me a tentar perceber como é que, no berço do melhor e do pior, os herdeiros daqueles respeitáveis figurões que na Versalhes de antigamente — a do Chiado, claro — bebiam chá frio ("Perfeitamente, cavalheiro. Do Alentejo ou da Bairrada?"), iam ser torcidos e levados ao redil, por um Presidente fresquinho na sua legitimidade democrática renovada. Parece que o "homem mais poderoso do Planeta" conseguiu exactamente o mesmo que o ti Aníbal: evitar a vergonha mais imediata e adiar o essencial para daqui a três meses.


Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes, não fora haver este fulano... Aqui há uns anos, toda a gente lhe chamaria "geek". Depois, durante o ciclo eleitoral de 2008, as suas previsões do resultado final e a exactidão das mesmas, levaram o New York Times a convidá-lo para manter um blog no seu site; durante o mais recente ciclo eleitoral americano, o 538 (o número total de grandes eleitores, que tudo decidem), teve mais visitas do que o resto do site. E mais uma vez, bingo! Resultado final: 50 a 0. O fivethirtyeight acertou em todos os resultados; até a Florida passou do rosa-pálido dos republicanos, para o azul-bebé dos democratas, embora só na véspera da eleição.

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publicado às 22:29


Ary dos Santos – Poeta do povo

por António Filipe, em 07.12.12
Há pessoas que nos marcam para sempre. Que nunca esquecem, dê o mundo as voltas que der ou demos nós as voltas que dermos ao mundo. Na minha vida, Ary dos Santos foi uma dessas pessoas.

Acho que a primeira vez que ouvi falar dele foi em 1969, aquando da campanha para as eleições legislativas que os fascistas realizaram, com o único objectivo de tapar os olhos ao povo. Mais ou menos como agora acontece, por parte dos que se dizem democratas. Estávamos na Primavera Marcelista. Era eu um jovem de 17 anos, que colaborava como podia na campanha da CDE (Comissão Democrática Eleitoral), cujos membros se candidatavam contra a União Nacional, o partido de Marcelo Caetano.
Um dos nomes que sobressaía nessa campanha, não como candidato, mas como apoiante da CDE era, exactamente, o de José Carlos Ary dos Santos, um homem de 32 anos que escrevia poesia desde os quinze ou dezasseis. E a sua poesia dava-nos força para, correndo os óbvios riscos, lutarmos contra um regime que nada tinha de bom.
Mas a força do Ary era maior que a de nós todos juntos, como relata António Abreu, no Bloque “Antreus”:
Os comícios e sessões da CDE eram acompanhados pela polícia que impunha a sua presença. E acabavam mal com esta a intervir por os oradores não se cingirem ao que eles aceitavam. A guerra colonial, como o Tengarrinha refere, vinha no final das sessões pela sua própria boca e...as sessões acabavam.... Mas às vezes...
No Teatro Vasco Santana a sala está repleta. Candidatos na mesa serão os oradores. Mas eis que Ary avança com o seu conhecido poema "SARL". Di-lo, como calculamos, a subir da sua baixa estatura à estatura de um gigante. O Maltez Soares manda encerrar a sessão. O Ary sai do palco, dirige-se a ele e continua a dizer o poema em voz alta porque o som tinha sido cortado. O Maltez recua e grita "Se não saem, atiro para aí uma granada!...". Acabou por atirar a polícia de choque contra as pessoas à saída.”
(in Blogue “Antreus” - http://antreus.blogspot.pt/2009/10/como-vivi-as-eleicoes-de-1969.html)
Das coisas que mais me orgulho, ainda hoje, é do facto de, nesse ano de 1969, na minha aldeia, ter ganho as eleições o partido que era contra o governo. Coisa inédita, que só aconteceu, nesse mesmo ano, numa outra freguesia, perto de Lisboa. A força do Ary dos Santos deu-me força para ajudar a que isso acontecesse. Um ano e meio antes, tinha acontecido, na França, o “Maio de 68”, que serviu de inspiração a muitos jovens portugueses. Em 69, os estudantes de Coimbra começavam a revoltar-se contra o sistema. Era o princípio do fim do regime fascista. Começaram a surgir muitos poetas e cantores de intervenção. Mas, hoje, recordo o Ary, porque, se fosse vivo, faria 75 anos.
José Carlos Ary dos Santos nasceu em Lisboa, no dia 7 de Dezembro de 1937 e veio a falecer na mesma cidade, a 18 de Janeiro de 1984.
Viveu, quase sempre, na Rua da Saudade. E deixou muitas saudades.
A sua obra permanece na memória de todos e, estranhamente (ou talvez não), muitos dos seus poemas continuam actualizados.


Poema “Não passam mais”, de José Carlos Ary dos Santos

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publicado às 21:55


Demoquê?

por Rogério Costa Pereira, em 30.07.12

por Ricardo Coimbra

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publicado às 17:44


3ª parte da II Tertúlia "Ouvir e Falar"

por António Filipe, em 11.07.12

Aqui fica a terceira de três partes do vídeo da 2ª Tertúlia "Ouvir e Falar", organizada pelo blog "Pegada", realizada na Praça do Município do Fundão, no dia 29 de Junho.
Ver aqui: 1ª parte 2ª parte

II Tertúlia "Ouvir e Falar"  - Parte 3 de 3
Tertúlia do dia 29/06/2012, no Fundão - Parte 3 de 3 from António Filipe on Vimeo.

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publicado às 22:54


2ª parte da II Tertúlia "Ouvir e Falar"

por António Filipe, em 08.07.12

Aqui fica a segunda de três partes do vídeo da 2ª Tertúlia "Ouvir e Falar", organizada pelo blog "Pegada", realizada na Praça do Município do Fundão, no dia 29 de Junho.
A 3ª e última parte será publicada na próxima Quarta-feira (dia 11).
Ver aqui a 1ª parte


II Tertúlia "Ouvir e Falar"  - Parte 2 de 3

Tertúlia do dia 29/06/2012, no Fundão - Parte 2 de 3 from António Filipe on Vimeo.

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publicado às 09:00


1ª parte da II Tertúlia "Ouvir e Falar"

por António Filipe, em 04.07.12

Aqui fica a primeira de três partes do vídeo da 2ª Tertúlia "Ouvir e Falar", organizada pelo blog "Pegada", realizada na Praça do Município do Fundão, no dia 29 de Junho.
A 2ª parte será publicada no próximo Sábado (dia 7) e a última parte na próxima Quarta-feira (dia 11).
Entretanto, no próximo Sábado (dia 7) a Rádio Cova da Beira transmitirá o audio desta tertúlia, no programa "Flagrante Directo", no próximo Sábado (dia 7), das 11 às 13 horas, com repetição entre as 21 e 23 e nas frequências 92.5 e 107.0 ou na emissão on-line, em http://www.rcb-radiocovadabeira.pt/popup.php 

II Tertúlia "Ouvir e Falar"  - Parte 1 de 3

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publicado às 16:00


O Poder de Limitar [Hugo Lopes]

por autor convidado, em 03.07.12

Um assunto que tem tomado particular importância na minha reflexão passa pelo facto de a população pensar que o poder político ordena e o povo apenas obedece. Bem, isto é uma mentira.

"O poder político não é uma coisa nem um estatuto, é um serviço. Por poder entendemos um acto humano, exercido num campo socialmente politizado, através de uma relação complexa de interesses expressos, forças disponíveis e factos perceptíveis, institucionalmente mediada, com significado estrutural inteligível.

O poder não deve instituir-se nem conservar-se, deve honrar a autoridade que lhe é conferida, legitimada."

Em última instância, o povo é quem detém o poder, e a obrigação deste não é apenas exercer o direito (dever cívico) de voto. Tanto o executivo (governo), como o órgão legislativo representante da vontade geral (Assembleia da República), e o poder dos tribunais (judicial) devem estar sujeito a uma constante monitorização. É nisto que falha o nosso sistema, todo o poder político tende naturalmente para o abuso. Esse abuso de poder deve ser travado com um poder ainda maior, que é o poder do povo.

A nossa função vai muito além de votar, de apoiar ou discordar, nós temos a função delimitar. O poder executivo não deve interferir com o poder judicial ou legislativo, e vice versa! Eu arriscaria também a acrescentar o poder dos media e da comunicação social (muitos recordaram o recente caso Relvas). É nosso dever evitar que um poder tenha influência no outro, e que o poder político influencie os órgãos de informação, pois se isso não acontecer, será o fim do sistema tripartido do poder, da dimensão pluralista característica do parlamento e da nossa soberania.

Ou seja, a finalidade do povo é prevenir um regime despótico e tirânico (autoritarismo, fascismo, imperialismo/nazismo/pantocracia) - sei que muitos incluiriam o comunismo, mas por ora, não o farei.

Bem... Começando a falar neste assunto acabei por utilizar matéria que adquiri na área da Ciência Política, e no meio disto recordei-me de uma frase que me foi dita: "Se não forem vocês, alunos de Politologia, a explicarem aos demais isto, quem o fará? Os alunos das ciências exactas?" - e deste modo fui ao encontro dos meus gatafunhos das aulas para acrescentar a definição de poder (usada anteriormente) e de legitimação, que passo a citar:

- Legitimação é um acordo tácito entre quem manda (governante) e quem obedece (governado), sobre princípios e regras que fixam atribuição e limites de poder, mediante consentimento, activo, quando induzido por carisma, e passivo, quando é induzido por persuasão.

Com isto tudo, quero apenas reafirmar que os portugueses não devem ser agentes passivos. Não existem apenas Fado, Futebol e Fátima. Não quero também falar em nomes, números ou partidos, mas num problema geral que acontece por culpa do povo, que se deve mexer, e não actuar como "zombie", aceitando que tudo lhe seja imposto sem sequer uma explicação ou uma afirmação. Contestem, duvidem, concordem, discordem, protestem, apoiem, exponham os vossos  valores, as vossas opiniões! Não temos todos que concordar ou discordar, aí está o verdadeiro sentido de uma democracia, a diversidade de pensamentos e a prevalência de uma vontade geral, uma vontade que suprime os interesses particulares e tem apenas como fim a propagação de um bem comum.

Hugo Lopes

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publicado às 18:34


Movimentos de cidadania

por António Filipe, em 11.06.12

É impressionante a quantidade de páginas do Facebook pertencentes a movimentos de cidadania. Estes movimentos parecem estar a alastrar cada vez mais. Bom sinal, na minha opinião. Basicamente, todos defendem os mesmos princípios. São contra políticas neoliberais, defendem a saúde e a educação públicas de qualidade, são contra as privatizações, não têm confiança nos políticos ou partidos da governação. De um modo geral, têm uma ideologia de esquerda. Denunciam casos reais, do dia-a-dia, dos quais, muitas vezes, nem se ouve falar na comunicação social. Cada um destes movimentos conta com centenas ou milhares de membros. São movimentos importantes, embora a sua força política seja relativa. Fazem o que podem, organizando algumas manifestações e eventos, anunciando e dando notícias de outros, elaborando petições, que apresentam à Assembleia da República e que, ao que parece, habitualmente, caiem em saco roto.
Ao passar os olhos por estas páginas (o que faço com alguma regularidade) dou comigo a pensar que todos estes movimentos, reunidos num só, poderiam tornar-se uma força poderosa, com uma palavra importante a dizer acerca das coisas que afectam as nossas vidas, principalmente, as dos mais fracos. Se esta unificação se concretizasse, surgiria um enorme movimento, que poderia exercer pressão significativa sobre aqueles que têm o poder de decisão. Continuaria, no entanto, a faltar a esse movimento uma coisa essencial: o acesso aos lugares que lhe dariam, realmente, esse poder de decisão. O problema é que este sistema a que chamam democracia está viciado. São os partidos com assento na Assembleia da República que aprovam as leis e, na realidade, são só dois, que alternam no exercício do poder. A lei portuguesa não permite que um movimento de cidadania se candidate a eleições legislativas. E é minha convicção que nunca permitirá, já que quem pode alterar a lei nunca o fará, sabendo, à partida, que isso constituiria um perigo para a sua permanência no poder, o que, como é óbvio, não convém. Vivemos numa ditadura de partidos. E, pior, só dois deles é que governam. O povo vai sendo enganado com a alternância. Iludido com a ideia de que tem por onde escolher, na realidade, só escolhe o próximo carrasco. Os eleitores votam com base nas promessas eleitorais que lhes são feitas. Promessas que são quebradas pouco depois das eleições, sempre com a mesma desculpa: a situação está pior do que se pensava, porque o partido que estava no governo anterior andava a enganar o povo. E a cena repete-se em cada acto eleitoral. Cada vez mais se nota a aproximação ideológica dos chamados partidos do bloco central, que são os que, ao fim e ao cabo, têm governado há décadas.
Infelizmente, isto não se verifica só em Portugal. Observamos isso na grande maioria dos países ditos democráticos. Se fosse permitido aos movimentos de cidadania terem assento na Assembleia Legislativa teríamos, porventura, representantes que lutariam por uma sociedade mais justa, uma vez que não estariam sujeitos a nenhuma ideologia partidária, que, sendo cega, não vê o bem do povo, mas somente o do próprio partido. Basta estar com alguma atenção para perceber que um determinado partido, quando está na oposição, defende uma determinada medida, que, logo que chega ao poder, ataca ferozmente, só porque foi proposta por outro qualquer partido. É uma guerra partidária que só beneficia alguns, prejudicando sempre os mesmos: o povo e o próprio país.
Não gosto de pensar que estamos num beco sem saída, mas a verdade é que a paciência esgota-se. A esperança, essa será a última a morrer.

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publicado às 16:01


Mais Europa, já!

por Luis Moreira, em 24.05.12

Maria de Oliveira Martins no (i) : A Europa está neste momento a falhar no seu projecto porque não promoveu o aprofundamento da noção de solidariedade que deveria estar na sua base, devido à natureza híbrida que sempre cultivou. Para a afirmação desta solidariedade muito tem faltado: um tratamento igual dos seus estados, competências políticas comuns para promover o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável e harmonioso dos estados-membros, um alargamento da estrutura democrática para além das fronteiras nacionais, a existência de regras eleitorais e de um sistema partidário europeus e a pertença a um colectivo político. E aqui não podemos deixar de admitir que a crise tem a sua quota-parte no recuo da parcela de solidariedade que foi afirmada ao longo da existência da UE. Os programas de austeridade, que ameaçam a coesão social, o fundo de resgate insuficiente para cobrir as necessidades dos países maiores e o ambiente institucional acusatório e sancionatório que se instalou são provas disso mesmo.

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publicado às 17:00


Alberto João no adro da igreja

por Luis Moreira, em 21.05.12

Jardim espera os fiéis no adro das igrejas para lhes explicar porque estão a perder o emprego e os subsídios. É um lugar incomum para um político, dir-se-ia um púlpito que Jardim anseia mas que ainda tem pejo em usar. Fica-se pelas aproximações. Por enquanto. Mas é fácil imaginá-lo, dedo em riste, desde a última barraquinha dos comes e bebes apontar os inimigos de deus , os fariseus que o abandonaram a ele e aos seus. Que teve que esconder a dívida e os contratos sem lei para que os inimigos da Madeira não viessem a impedir o desenvolvimento. A má lei é ele, Jardim, que a ignora, que a classifica. Não se aplica na Madeira.

Apela às almas que saem da Missa, ainda transparentes por amor ao Evangelho. Onde, há séculos, a Inquisição brandia a Cruz, ele agita o ódio pelos Cubanos.  É vê-lo envolto nas vestes sacerdotais do alto do púlpito rasgar a democracia e o estado de direito. Não tem dinheiro, sente-se de mãos atadas, agrilhoado, o filho do diabo escolhe o adro das igrejas para se reconciliar com os filhos de deus.

As fogueiras já sopram labaredas e como todos os ditadores apressa-se a pagar ao carrasco. Vinte vinténs para que não sinta o fogo purificador.

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publicado às 15:35


A democracia não é substituível

por Luis Moreira, em 20.05.12

A democracia não é substituível, e esta é a melhor e mais importante lição que podemos retirar desta União Europeia feita em fanicos. A maioria acreditou que bastavam umas eleições para deputados de uma Assembleia de que nada sabemos e que a democracia europeia se resumia a isso. Entregamos o nosso voto silencioso a políticas e tratados onde  se jogava, em grande parte, a nossa vida em comum. Sem deles nada saber!

Os referendos passaram a ser empecilhos que só dão trabalho, despesa e perdas de tempo. A distância física entre eleitos e eleitores passou a ser sinónimo de distanciamento. "Eles" e "elas" vão e voltam e nós não fazemos ideia nenhuma do porquê. Sabemos vagamente que vão para Bruxelas uns tipos que se tornaram incómodos. E tudo isto deu em quê?

Num "directório", umas pessoas que não foram escolhidas pelos cidadãos europeus mas que mandam porque pertencem ao país "A" ou "B". Não perguntam nada a ninguém nem sequer aos eleitos democraticamente. O que é bom para os seus países passou a ser bom para a Europa. A Alemanha está cheia, "enxugou" as suas contas nacionais e agora acha que os outros devem fazer o mesmo. Sem cuidar de saber se isso representa ou não uma catástrofe.

As suas decisões, que os outros acatam, não resultam das regras de proporcionalidade da democracia nem da discussão e consenso democráticos. Resultam exclusivamente do facto de ninguém na área dos órgãos do executivo da UE ter a força e a legitimidade de ter sido eleito democraticamente pelos cidadãos europeus. É dos livros que na  ausência de poder e legitimidade democrática, manda quem pode. E quem pode é sempre o mais poderoso. Tenha ou não razão!

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publicado às 10:00


Dois momentos chave na democracia portuguesa

por Luis Moreira, em 19.05.12

Há uma discussão interessantíssima em "Ouvir e falar" - tertúlia para a Democracia -  (A democracia está de luto: deputados neo-nazis gregos entraram no parlamento em formação militar )em que democratas esclarecidos cruzam argumentos em defesa da Democracia. Não me atrevo a entrar na discussão porque pouco ou nada acrescentaria ao que já foi dito mas posso acrescentar uma experiência que segui de perto.

Aproveitando as "movimentações de massas" e a dinâmica com origem no 25 de Abril, certa esquerda tentou implementar em Portugal uma democracia que paria uma originalidade. Afastava da dinâmica democrática tudo e todos que não comungavam das mesmas ideias. Foi a tentativa de impedir uma "Constituição democrática" redigida por deputados eleitos democraticamente pelo povo em eleições directas; a unicidade sindical; a nacionalização da economia...

Nessa altura foi preciso que o "Grupo dos Nove" ( militares que constituíam o núcleo dos capitães de Abril), travasse o movimento que, como era evidente na altura para todos, só acabaria num sistema colectivo não democrático de "socialismo de Estado".

No 25 de Novembro, em que a direita empurrada pela dinâmica da vitória militar se preparava para afastar do convívio democrático toda a esquerda, foi preciso que Melo Antunes, com o seu fino sentido político democrático, fosse à televisão nessa mesma noite, advertir que se o movimento  de direita não parasse, o PCP entraria na clandestinidade e, com ele, a oportunidade de termos uma democracia de tipo ocidental.

O PCP e certos movimentos de esquerda  e de direita suspiravam para que a democracia os afastasse do convívio democrático e, dessa forma, terem um pretexto para continuarem a não aceitar o livre jogo da democracia.

Democracia injusta e desigual sem dúvida. Mas basta perceber o que viria aí se os intentos de certa esquerda e de certa direita tivessem prevalecido.

Fora da democracia não há soluções!

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publicado às 17:18

...segundo os fanáticos do neoliberalismo o livre e espontâneo funcionamento dos mercados alcançaria o máximo de eficiência económica possível, desvalorizando qualquer abordagem sistémica das sociedades humanas. Ignora por completo a importância da esfera política no processo de conformação histórica do devir humano.

Voltamos assim à discussão central da nossa época - a relação  entre o mercado e a democracia.

Assistimos, porém, a uma verdadeira idolatria do mercado que desvaloriza por completo a função do Estado. No limite ao ignorar o conceito de escolhas colectivas começou a conceber-se o mercado como um mecanismo de regulação alternativo ao contrato social o que põe em causa princípios fundamentais da democracia. Muito dificilmente uma democracia pode viver com altos níveis de desemprego bem como com altos níveis de precariedade. E, por maioria de razões sem um certo grau de protecção social.

O mercado poderá viver com a insegurança, a precaridade e a exclusão. A democracia, não!

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publicado às 16:00

Á força de darem primazia à economia matam a democracia diz Barbara Spinelli, La Repubblica :

Na eleição em 6 de Maio, a maioria dos eleitores rejeitou a pílula de austeridade que o país engole há dois anos – e que não apresenta qualquer sucesso: pelo contrário, precipita a Grécia numa recessão fatal para a democracia. Uma recessão que faz lembrar Weimar, com golpes de Estado militares perfilando-se no horizonte. Forçados a voltar às urnas, na ausência de acordo entre os partidos, os eleitores vão reafirmar a sua rejeição e dar ainda mais peso à esquerda radical, ao partido Syriza de Alexis Tsipras. E, mais uma vez, proliferam as ideias feitas: o Syriza é uma potência nefasta, contrária à austeridade e à União Europeia, e Tsipras é retratado como o protótipo do antieuropeu.

A realidade é diferente. Tsipras não quer sair do euro nem da UE. Quer outra Europa, tal como François Hollande. Sabe que 80% dos gregos querem manter a moeda única, mas não desta forma, não com esses políticos nacionais e europeus que os empobreceram, mascarando as verdadeiras raízes do mal: a corrupção dos partidos no poder, o Estado e a Administração Pública escravos dos políticos, os ricos poupados [pela austeridade]. Tsipras é a resposta para estes males, mas ninguém quer queimar-se por falar com ele. Nem mesmo Hollande, que se recusou a encontrar-se com o dirigente do Syriza, que se precipitou para Paris após as eleições.

E as esquerdas europeias, que afirmam ter a solidariedade no sangue, apoiaram George Papandreu quando ele defendeu que há que europeizar a crise grega para encontrar a solução? Quem levou a sério as palavras que dirigiu aos Verdes alemães em Dezembro, após a sua demissão de primeiro-ministro? A ideia que então esboçou continua a ser a melhor solução para superar a crise: "Para os Estados-membros, o rigor; para a Europa, as políticas necessárias de crescimento."

As palavras de Papandreu passaram despercebidas, como se fosse uma vergonha dar ouvidos a um grego, nos dias de hoje. Como se não houvesse consequências para a desenvoltura leviana com que se transforma em pária o país que deu origem à democracia. Analisa-se de forma impiedosa as degenerescências: a oligarquia, o império do mercado, com resultados como a plutocracia e a impunidade com que a lei e a justiça são desconsideradas.

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publicado às 11:00

Á quinta feira, Francisco Assis brinda-nos com textos muito actuais, abordando os grandes problemas do nosso tempo sem nunca perder, nem deixar exceder, a sua condição de militante do Partido Socialista.

Hoje fala-nos da articulação entre "mercado e democracia". Por hoje o que volta a estar em causa é o sistema demoliberal, o que de melhor a Humanidade já concebeu e implementou. No século XX este modelo foi posto em causa pelos adversários do Liberalismo - o nazismo e o comunismo. No século XXI está a ser posto em causa pelo grande adversário da democracia " a vulgata neoliberal" que tem neste governo seguidores.

Margareth Tatcher dizia que as empresas eram um eufemismo porque o trabalhador só existe como individuo. O economista norte- americano Robert Lucas, afirmou a dada altura "que nada impede um desempregado de instalar uma banca de venda de maçãs na esquina de uma qualquer rua, transformando-se automaticamente numa pessoa empregada e, até mesmo, num empreendedor ". Nesta linha de pensamento toda a pessoa desempregada é-o voluntariamente e não é mais que uma pessoa desprovida de um impulso básico para o empreendorismo. Alguém que se recusa a sair da sua zona de conforto.

É , assim, que se chega "aos desempregados que têm à sua frente oportunidades de mudar de vida para melhor" na descabida e insólita afirmação de Passos Coelho.

(continua)

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publicado às 20:34

André Freire*
O modelo de democracia e de contrato social, vertidos na CRP, estão em risco com esta governação?
A Associação 25 de Abril (A25A) recusou participar nas comemorações oficiais do 25 Abril, embora tenha participado nas comemorações populares. Também artífices fundamentais da implantação do regime demoliberal e representativo, o antigo Presidente da República (PR) Mário Soares e o antigo deputado e vice-presidente da AR (Assembleia da República) Manuel Alegre juntaram-se-lhe no protesto. Entre os argumentos da A25A está a ideia de que “o contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa (CRP) foi rompido pelo poder”. Será que o modelo de democracia e de contrato social, vertidos na CRP, estão em risco com esta governação?
Em primeiro lugar, é óbvio que princípios fundamentais de uma democracia representativa têm sido violados com a ação deste governo. Numa democracia representativa há duas funções essenciais (das eleições): a representação e a responsabilização. A representação assenta num “contrato” entre os partidos, que propõem aos eleitores determinados pacotes de políticas públicas, e os eleitores, que votam nos diferentes competidores tendo em conta essas propostas. Basta ver o vídeo que circula no YouTube, “Passos Coelho (PPC) Best of 2010-2011”, para constatar que estamos perante um monumental embuste político. Aí se pode ouvir PPC, candidato, em muitos casos já depois de conhecido o acordo com a troika, a dizer que não cortará salários, que não cortará subsídios, que se tiver que subir impostos privilegiará os impostos indiretos (IVA), que não acabará com o IVA intermédio para a restauração, que poupará as classes médias, que se oporá a cortes nos benefícios fiscais (em saúde e educação), que não quer liberalizar os despedimentos… que nunca dirá que só há um caminho… E note-se que muitos dos compromissos violados, porventura os mais gravosos, não decorrem do acordo com a troika (cortes de salários, subsídios e pensões), e contrariam os programas eleitorais e de governo dos partidos vencedores em 2011. Não é a primeira vez que há compromissos eleitorais que são violados, mas nesta extensão, com esta gravidade e em tão pouco tempo, é uma novidade absoluta. Mais grave: tudo isto tem sido feito com o beneplácito do PS, e as suas “abstenções violentas”, e do atual Presidente da República. Acresce que vários constitucionalistas de prestígio, bem como um grupo de deputados que pediu a fiscalização constitucional dos cortes de subsídios, pensam que muitas destas medidas representam entorses ao Estado de direito e à CRP. Perante isto, a ministra da Justiça não diz que cumprirá escrupulosamente as orientações do TC, quaisquer que elas sejam, como competiria a quem tem a tutela do Estado de direito, diz sim que se o TC chumbar os cortes “será o colapso”, “porque não há outro caminho”.
Em segundo lugar, temos a escandalosa dualidade de critérios (ver também texto da A25A). De facto, para transformar o Estado social num Estado assistencial, para liberalizar os despedimentos (tornando-os absurdamente fáceis e baratos), para aumentar a carga de trabalho e reduzir remunerações (num dos países da UE onde já se trabalha mais horas e o pagamento horário já é dos mais baixos), tem sido uma urgência absoluta e uma vontade explícita de ir muito além da troika. Pelo contrário, e apesar das circunstâncias alegadamente extraordinárias que explicariam a necessidade de violar grosseiramente compromissos eleitorais cruciais, noutros domínios que tocam os privilégios do sector privado que vive de principescas rendas pagas pelo Estado, não só nada (ou muito pouco) se faz, como os indícios apontam para se querer ficar muito aquém da troika, se é que se quer cumprir o memorandum: “rendas excessivas” nas parcerias público-privadas e no sector da energia; cortes nos “consumos intermédios” (leia-se cortes na externalização de funções do Estado para escritórios de advogados e firmas de consultoria); etc. Tudo isto demonstra que não há só um caminho, e que o caminho seguido resulta não tanto do acordo com a troika como de um programa ideológico radical (da coligação governamental) que se esconde atrás do memorandum.
Só por isto, o sobressalto cívico da A25A, de Soares e de Alegre está inteiramente justificado. O que espanta é que, perante o monumental embuste político, não haja um movimento geral de indignação (dos cidadãos, dos jornalistas, da oposição, dos cientistas sociais e políticos, etc.), antes uma apatia geral. Espanta também, a contrario do que se passa noutros países, a fraqueza dos novos movimentos sociais e a sucessão de embriões falhados de novos partidos, que têm surgido como resposta à crise democrática que vivemos e ao bloqueamento das respostas sociopolíticas à mesma.

*Politólogo, professor no ISCTE-IUL. Escreve na primeira quarta-feira de cada mês, no jornal "Público" andre.freire@meo.pt

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publicado às 20:00


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