N.B.: Este post deveria fazer parte do anterior. Devido àquilo que tudo indica ser um erro de sistema, teve que ser publicado separadamente.
B.B. Mandelbrot encontrou a curva de Cauchy por todo o lado na Economia, porque ela é a solução da equação diferencial da ressonância forçada. Os estatísticos chamam-lhe “A curva das caudas gordas”, porque ao contrário da curva de Gauss, a sua amplitude se mantém significativamente maior do que zero a uma distância apreciável do centro. É exactamente uma dessas “caudas gordas” que estamos a viver neste país, e neste continente, desde 2007-2008. A excitatriz é a criação monetária pelos bancos (comerciais!) e o coeficiente de amortecimento, o delta na curva de resposta, é a taxa de reservas fraccionárias. Em 2008, estivemos provavelmente tão perto da tempestade perfeita quanto é possível, mas note-se que a Economia não tem um modo de oscilação simples e o sistema bancário não tem uma taxa de reservas uniforme.
De qualquer forma, a ressonância psicológica (!), como Stéphane Laborde lhe chamou, esta sim, é intrínseca ao sistema de criação monetária pela dívida e ao sistema de reservas fraccionárias. A partir daqui, a opção de “quebrar o passo” tem uma forma simples: podemos continuar a ter o sistema de reservas fraccionárias, ou podemos continuar a ter bancos privados. Mas não ambos. No caso concreto de Portugal, necessitamos quanto antes de renegociar a dívida pública, mas devemos ter a consciência plena de que esta é uma medida de limitação de avarias. O mais importante é que a sociedade possa ser libertada para levar a cabo aquela tarefa essencial de “Acabar com os pobres”. Assim, rigorosamente de volta ao início.
§O exército americano manteve sempre um atraso tecnológico apreciável no respeitante a carros de combate. Na Segunda Guerra, esse foi o resultado da decisão política de privilegiar a quantidade, logo aquilo que pode ser fabricado em grande número (nem tudo pode). Nos anos seguintes, enquanto o complexo militar- industrial americano conseguia manter ou aumentar o seu avanço tecnológico noutras áreas, o seu atraso a respeito de “tanques de batalha” ia-se mantendo, até que, em finais dos 1970’s, o Pentágono decidiu que a situação tinha que mudar duma vez por todas. E nada de técnicas metalúrgicas complexas, ou dinâmica de fluidos em regime turbulento. A solução definitiva envolvia apenas o metal mais duro de todos: o urânio. Mas o urânio é também o metal mais pesado existente no planeta e o produto final, o tanque M-1 Abrahms pesa quase o dobro dos carros de combate usados por outros exércitos. Como era destinado às unidade estacionadas na Alemanha, o exército americano informou as autoridades alemãs do facto e das suas implicações. Eles já sabiam. O processo tinha sido acompanhado com toda a atenção ao nível federal, ao nível estadual e ao nível local. As autoridades militares americanas foram submergidas por uma avalanche de projectos de renovação de estradas, de reforço ou substituição de pontes e viadutos, bem como de terminais ferroviários. Com a carne pronta para ser posta em cima do assador, o exército americano pagou a renovação duma parte substancial da rede viária do Centro e do Sul da Alemanha. ¶Isto, em absoluto, não pode ser dito daqueles países a que eu chamei “em vias de desenvolvimento”. ||Os autores testaram inclusive a hipótese inversa, ou seja, que aqueles problemas pudessem ser a causa da desigualdade económica, sem qualquer evidência de correlação. **No entanto, aquelas estruturas hierárquicas profundamente enraizadas na cultura nipónica, não têm expressão directa no nível de rendimentos e não parecem interferir com aqueles indicadores de bem-estar social. ††Porque não faz sentido falar em sequência temporal quando falamos, por exemplo, de mortalidade infantil ou de crime violento. ‡‡Até meados do século XX, a expressão usada era quase sempre ciclo do comércio. Esta tinha, pelo menos, a dignidade de se referir aos efeitos observados, sem assumir implicitamente nada. A discussão a respeito da natureza “endógena” ou “exógena” do fenómeno tem mais ou menos o mesmo interesse que a afirmação “. . .O Universo é uma forma de onda . . . ”.
No entanto, se o que ficou dito encerra o capítulo do “Acabar com os ricos” e das liturgias do ódio (de Esquerda, as restantes requerem um tratamento mais alargado que não é o meu propósito aqui), não abre de par em par as portas do “Acabar com os pobres”. No fim de contas, o sucesso da Europa ocidental nos anos do pós-guerra foi, em boa medida, o resultado de os europeus terem ficado no “lado certo”, isto é, o lado dos vencedores, na guerra que se seguiu. Mesmo fria, ou talvez por causa disso, os contendores sentiram a necessidade de beneficiarem os seus aliados e nenhum usou essa necessidade melhor do que os alemães. É um parêntesis, mas virtualmente irrecusável: devemos censurá-los por isso ou aprender com eles?§ Continuemos.
Em boa medida, aquilo que facilitou a implementação dos sistemas de estado-providência dos países da Europa ocidental no pós-guerra, foi apenas o baby boom. Dizimados por duas guerras assassinas, em duas gerações consecutivas, os europeus decidiram virar Thomas Malthus de pernas para o ar. O crescimento demográfico europeu facilitou a introdução daqueles sistemas, mas o próprio caso português, em que a versão local dos mesmos se iniciou após o 25 de Abril de 1974 mostra que o crescimento demográfico não é condição sine qua non para a sua existência e sustentabilidade. Mas eu não estou a escrever acerca da sustentabilidade dos sistemas de segurança social. O assunto é o “Acabar com os pobres”, logo, temos que começar por definir com um mínimo de precisão o que significa pobreza e o facto simples é que, em absoluto, não significa o mesmo em duas sociedades distintas, nem sequer na mesma sociedade, em dois períodos suficientemente afastados no tempo. O facto simples, e reportando-nos apenas a Portugal, é que mesmo os mais pobres do presente são incomparavelmente mais prósperos do que os pobres de há cem anos atrás. Aviso à navegação: os períodos de crise (vamos continuar a chamar-lhes “económica”, para poupar nos detalhes) devem sempre ser tratados separadamente. Se quisermos encontrar pobres como os de há um século, temos que nos reportar aos fenómenos complexos da transumância cultural, gerados em boa medida pela abertura das fronteiras, e ainda assim, mesmo entre aquele fenómeno cronicamente incompreendido que são as populações “Rom”, ou “Roma” (“Romani”?) encontramo-las em piores condições neste país do que em países mais igualitários, como a França, mesmo que aí continuem a ser bodes expiatórios convenientes. A ponta de um padrão começa a emergir, mesmo nestes contra-exemplos extremos, mas, sem cuidar de definir os critérios para a classificação, vamos dividir os países em “desenvolvidos” e “em vias de desenvolvimento”. Para os países desenvolvidos, “Acabar com os pobres” significa “Reduzir a desigualdade”.
Publicado em 2009 (com uma edição revista em 2010), The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better, foi rapidamente qualificado como a mais recente “Teoria Britânica do Tudo”. As críticas também não tardaram e seguiram o padrão habitual do “Vodka com Laranja”, embora tenha que ser dito que foi pouco vodka e muita laranja (na versão britânica do cocktail, claro). O essencial das conclusões está na afirmação contida no sub-título “As sociedades mais igualitárias saem-se melhor, quase sempre”. Esta obra tem um ponto muito forte a seu favor: não é um livro sobre Economia (!). O índice de (des)igualdade, tal como indica a primeira figura, é apenas o ratio entre os rendimentos dos 20% do topo e os 20% do fundo e nada mais necessita de ser dito a esse respeito.
A segunda figura sumariza os resultados (embora eu ache que os autores iriam entender esta minha afirmação como uma sobre-simplificação). Sem grande surpresa, os países mais desiguais saem-se muito pior em quase todos aqueles critérios. Portugal e os Estados Unidos andam quase sempre a par, a afirmação essencial é que isto não tem a ver com o nível absoluto (monetário) dos rendimentos, mas sim com a maior ou menor desigualdade existente nas sociedades analisadas.¶ O outro aspecto essencial das conclusões, é que as sociedades mais igualitárias não só “se saem melhor em média”, como “todos (quase) se saem melhor”. Os dados analisados pelos autores são anteriores a 2008, e não me vou repetir a respeito dos períodos de crise, mas é quase chocante constatar que a mortalidade infantil e a esperança de vida à nascença nos 20% do topo, nos USA, é pior do que a observada nos 20% do fundo na Grécia.
Muito, ou quase tudo daquilo a que eu chamei “a laranja no cocktail” das críticas tem a ver com estatística. Não é por acaso. Estatística tem a ver com “acaso”, com fenómenos aleatórios; se precisarmos de saber, sei lá, a distância entre Coimbra e a fronteira espanhola, não precisamos de estatística para nada, certo? Errado, e isso faz parte do problema, mas vejamos primeiro as palavras. “Acaso” é uma categoria que usamos quando não nos queremos comprometer com uma afirmação a respeito da natureza dos fenómenos subjacentes. É o equivalente filosófico a fugir com o rabito à seringa (em muitos casos, inquestionavelmente a melhor atitude). “Aleatório” e “aleatoriedade” chegam-nos através do trabalho de Huygens (1629-1695), “De ratiociniis in aleae ludo” (‘Cálculos em jogos de fortuna e azar’) e aqueles termos impregnaram o pensamento europeu com um sentido de regularidade no meio do acaso. Curiosamente, o inglês “random” não tem nada a ver com jogos de fortuna e azar. Deriva do francês medieval “un cheval à randon”, que designava um movimento que o cavaleiro não conseguia prever, logo, que não conseguia controlar. Temos assim três ideias essenciais: imprevisibilidade, logo, o risco que lhe está associado, mas também a ideia de que estes fenómenos exibem alguma regularidade, mesmo que de larga escala ou longo prazo, mas que pode ser adequadamente definida. O resultado é um dos pontos altos do conhecimento humano e, tanto quanto sei, foi a resposta para o problema de como medir distâncias no terreno; a distância verdadeira, que podemos perfeitamente assumir que existe. Acontece que, se fizermos aquela pergunta (“. . . qual é a distância entre Coimbra e a fronteira espanhola?”) a dez topógrafos diferentes, vamos obter dez respostas diferentes, qual é a verdadeira? A resposta: muito exactamente, a média aritmética das respostas; chamamos-lhe Lei Normal dos Erros Experimentais (com muito maior frequência, apenas “normal”, ou “distribuição de Gauss”). A sua forma algébrica é complicada
mas numa folha de papel, obtemos apenas a familiar curva em forma de sino que, não só mas também, tem vindo a fazer parte de todas as laranjadas a partir de meados dos 1980’s.
Agora, como qualquer pessoa de bom senso saberá, há sinos e sinos. E esta outra curva a seguir, em que é que difere da curva de Gauss?
Acontece apenas que eu fiz batota e esta segunda é que é a verdadeira curva de Gauss em (19.1). A primeira é designada por distribuição (função de densidade) de Cauchy e voltarei a ela. Afirmei acima que The Spirit Level tem como grande trunfo a seu favor o facto de não ser um livro de Economia. Para ilustrar esta afirmação, olhemos de novo para aquela segunda figura retirada do livro. Designa-se por “regressão linear” e a linha a vermelho designa-se por “linha de regressão”. Qualitativamente, é apenas a recta que, de entre as infinitamente muitas que podem ser desenhadas na folha de papel (ou no ecran do computador), minimiza a soma das distâncias de todos aqueles pontos à própria recta; qualquer outra produziria somas superiores. Qualitativamente, não precisamos de mais nada para afirmar a existência de correlação entre desigualdade de rendimentos e todos aqueles problemas sociais; no mínimo, podemos também afirmar a existência de uma hipótese causal razoável.||
A desigualdade, em sociedades desenvolvidas é, pelo menos, uma causa importante de muitas das disfuncionalidades que essas sociedades exibem. Para irmos para além disto e para podermos fazer afirmações quantitativas a respeito daqueles factos, necessitamos de algumas hipóteses constitutivas, nomeadamente, qual daquelas curvas usar. A resposta é: a segunda, a verdadeira curva de Gauss. No entanto, a maior parte das críticas não tem a ver com isto. Voltemos àquela distância e aos nossos dez topógrafos. Então e se um dos resultados fosse substancialmente diferente dos outros, digamos, o resultado dum topógrafo alcoolizado? A normal permite-nos detectar essa condição, que designamos por “aberração estatística”, ou apenas pelo anglicismo “outlier”, portanto, o que fazer nestas circunstâncias? A sabedoria convencional diz-nos que devemos pura e simplesmente descartar esses outliers; no assunto em apreço, isso significaria descartar muitos ou quase todos os resultados americanos. No caso do nosso topógrafo alcoolizado, um teste certificado de alcoolemia, válido à data e hora das medições, autorizaria tal prática. Sem isso, nunca, nem que tivéssemos que invalidar todas as experiências.
Num quadro menos limite, a opção envolveria um juízo a respeito do risco envolvido: podemos viver com um resultado deficiente a respeito daquela distância, ou não? Ou será que um resultado anómalo esconde uma condição de risco elevado? Em 1985, uma expedição científica britânica que realizava observações atmosféricas a partir da base de Mc Murdo, na Antárctida, reportou uma depleção pronunciada da camada de ozono sobre o Pólo Sul. Inicialmente, tais resultados foram recebidos com grande cepticismo. Por um lado, as observações feitas “de baixo para cima” estão sujeitas a múltiplas interferências e, mais importante, naquela altura a Terra estava já coberta por uma rede de satélites atmosféricos e estes, olhando “de cima para baixo” não estão sujeitos às mesmas interferências e não reportavam quaisquer condições fora do normal. Por descargo de consciência, os resultados não processados dos satélites foram re-examinados. E alguém apanhou um grande susto. Não só a diminuição da camada de ozono tinha sido detectada, como a sua magnitude era ainda muito mais elevada do que o inicialmente reportado. O software que fazia a análise das observações tinha eliminado aqueles resultados como aberrações estatísticas. Considero que isto encerra a parte das críticas a The Spirit Level.
Mas vejamos mais um aspecto das suas conclusões e uma das mais inesperadas. O processo pelo qual as sociedades atingem aquela condição de maior igualdade não parece ter qualquer importância. Os autores fazem notar que, invariavelmente, os países que se saem melhor em todos aqueles indicadores são os países escandinavos e o Japão. Ora, dificilmente poderiam ser mais diferentes. Na Escandinávia existem diferenças de rendimentos muito grandes, mas depois, um sistema de impostos progressivos e um estado social muito forte, encurtam fortemente a diferença, pelo que o resultado final é aquele que podemos constatar na primeira figura. No Japão, os impostos são baixos e o estado social fraco, mas a diferença de rendimentos é à partida baixa, pelo que o resultado final é muito semelhante. Em absoluto, não existe na obra em análise qualquer indicação no sentido de que o método para “Acabar com os pobres” tenha qualquer importância. A partir daqui, e sendo provavelmente o resultado da minha incompreensão das áreas em causa, a explicação dos autores (sociológica ou epidemiológica?) causa-me algumas dúvidas.
Com as reticências referidas anteriormente, os autores ligam os problemas causados pela desigualdade às hierarquias sociais daí decorrentes. Ora a sociedade japonesa é fortemente hierárquica; conheço-a o suficiente para saber que algo mais necessita ser dito, mas também não tenho qualquer outra hipótese a apresentar. Uma coisa eu sei: quando se juntam dois japoneses, formam-se pelo menos três níveis hierárquicos diferentes.**
O caso apresentado em The Spirit Level está provavelmente tão próximo do estatuto de “prova experimental” quanto é possível a um assunto de natureza social. E um dos seus grandes trunfos reside (já o disse sem o justificar) no facto de não ser um livro de Economia. Os autores usam a informação empírica disponível, para realizarem aquele índice de desigualdade, e procuram os efeitos, assumindo a desigualdade económica como estímulo causal. Usaram a distribuição de Gauss como modelo teórico e a escolha dos indicadores justifica essa escolha. O facto simples é que esta hipótese não tem que ser aceite como artigo de fé. Pode e deve ser testada a partir dos dados disponíveis e foi testada. Não há nas críticas que eu conheço, qualquer base para contestar aquele estatuto de quasi-prova experimental.
Os textos de Economia têm um elemento em comum, isto é, são todos produtos do equivalente à Cosmologia Ptolemaica. Esta analogia invocará, provavelmente, a imagem do julgamento de Galileu pelo tribunal da Inquisição, mas tem que ser dito que aquele julgamento foi apenas o estágio final da degenerescência duma escola de pensamento que tentou, durante séculos, ajustar os factos observados a um modelo teórico falso, para além de qualquer tentativa de redenção. Benôit Baruch Mandelbrot [15] fez esta analogia em O (Mau) Comportamento dos Mercados e conta-nos como aqueles remédios medievais tentaram contornar, em vez de explicarem, as novas e desagradáveis (para os defensores da teoria) observações astronómicas. “. . . Começaram com «ciclos» planetários, depois corrigiram a insuficiência dos ciclos adicionando «epiciclos». Quando estes se mostraram insuficientes, outro remendo afastou o centro dos ciclos do centro do sistema . . . à medida que iam chegando mais dados, iam sendo adicionados outros remendos para «melhorar» a teoria. Estes [remendos] satisfaziam os seus velhos clientes, os astrólogos . . . Mas será que alguma vez teríamos chegado a viajar no espaço?”. Esta discussão é semelhante à de Popper, [21], a respeito dos «remendos» hegelianos (de Direita e de Esquerda). Sem surpresa, os resultados são quase tão maus num caso como no outro. Não exactamente tão maus, porque os “Ptolemaicos decentes”, de Stiglitz a Krugman, aos menos recentes Galbraith e Samuelson, até ao candidato falhado a Martinho Lutero da Economia, que foi John Maynard Keynes, evidenciam o digno respeito pelos factos que define, em muito boa medida, a honestidade intelectual. Mas estes também, sem conseguirem ultrapassar os erros essenciais de base. Em boa parte, estes erros têm a ver com aquelas duas curvas que eu apresentei (inicialmente) com identificação errada.
B.B. Mandelbrot definiu formalmente sete tipos diferentes de acaso, ou aleatoriedade, mas a maioria não tem interesse em Economia. Apenas três, que ele designou por [aleatoriedade] suave, lenta e turbulenta, ou “selvagem”. O primeiro caso é a situação daqueles topógrafos que chegam a resultados diferentes, mas, perturbações alcoólicas excluídas, não muito afastados uns dos outros, e sobretudo, bem comportados (!); é a sucessão de múltiplos lançamentos ao ar de uma moeda ou de um dado. É o que acontece quando medimos a ocorrência daquelas múltiplas disfuncionalidades sociais, sem consideramos a sequência temporal desses factos.†† Intrinsecamente, a Economia é uma sucessão de eventos que geram ondas de choque através da sociedade. A vasta maioria “não vai longe”, a sua amplitude atenua-se rapidamente até se dissiparem; um pequeno número tem consequências desproporcionadas, os proverbiais bater de asas dum borboleta que produzem um tufão a um continente de distância. Todos geram uma memória de longo prazo, mas aprendemos há muito a normalizar (no sentido de Gauss) essa memória. Isto porque a vida das sociedades é regulada por dois ciclos naturais, o primeiro sendo o ciclo circum-solar, o ano civil. Já lhe atribuímos mais importância, fortemente dependentes como estivemos durante a maior parte da história humana do ciclo agrícola das sementeiras e das colheitas; continuamos a atribuir-lhe uma importância institucional muito grande e, em boa medida, provavelmente exagerada. O outro ciclo natural é apenas o período médio de renovação das gerações, a esperança de vida ev, e não lhe damos a importância adequada. A Economia é essencialmente turbulenta e exibe dependências de longo prazo. Mais do que isso, o “tempo económico” não é linear, não decorre da mesma forma em todos os referenciais de observação. Sem grande surpresa, o tempo económico expande e contrai em função da actividade. A Economia é o domínio do dinheiro-tempo, exactamente como a Física é o domínio do espaço-tempo.
Muito do que atrás ficou dito pode não se aplicar durante uma situação de crise, mas é preciso dizer que em nenhum outro assunto como este a Cosmologia Ptolemaica, dominante, exibe de forma mais nua e crua a sua natureza profundamente medieval. As crises estão associadas ao chamado ciclo económico‡‡, ou seja, a economia sobe e desce, a actividade económica aumenta ou diminui, mas só falamos de “crise” durante a fase descendente. Ou como diz a proverbial voz do povo, “Só se lembram de Santa Bárbara quando ouvem os trovões”.
Os Romanos foram grandes construtores de estradas. Estas tinham como objectivo primordial permitir movimentar rapidamente os exércitos, quando necessário. E essas estradas tinham que atravessar cursos de água, pelo que foram também grandes construtores de pontes. E às vezes as pontes caiam. Provavelmente, algumas terão caído por estarem mal feitas, mas estas não geraram grandes registos. Apenas as outras. Os acidentes registados, esses, tinham sempre um elemento em comum: aconteciam quando a ponte estava a ser atravessada por uma coluna militar. Para além daquele propósito primordial, as vias romanas e as suas pontes constituíram também um estímulo ao comércio e eram por vezes multidões compactas, a caminho dum qualquer mercado das imediações, que atravessavam aquelas pontes e nada de errado acontecia. Apenas quando a ponte era atravessada por um destacamento militar, logo, das duas uma: ou os deuses estavam zangados e com aquela legião em particular, ou algo necessitava de ser feito. Recordemos apenas que as legiões romanas eram formadas essencialmente por infantaria e que eram rigidamente disciplinadas. Como todas as tentativas de aplicar as divindades falhavam, algo mais tinha que ser tentado, e foi, por tentativa e erro, mas resultou. E as pontes deixaram de cair. Ainda hoje, quando uma coluna militar tem que atravessar uma ponte, é dada ordem de “quebrar o passo”. As pontes romanas caiam por efeito de ressonância entre a frequência natural da estrutura e a cadência de marcha das legiões que as atravessavam. No presente, a frequência natural destas estruturas é demasiado baixa para que o problema possa ocorrer, mas não tentem explicar esta parte a um sargento-instrutor. A sua reacção não vai ser simpática e ele é que vai ter razão.
“Mas então, lá no teu país vocês têm um comunismo?”, perguntou Primitivo. “Não. É coisa da nossa República”, respondeu Robert Jordan. “Para mim, tudo pode ser feito pela República”, retorquiu Andrés. “Não é preciso mais nada”.
Ernest Hemmingway — in «Por quem os sinos dobram»
Pelo final de 1975, Otelo Saraiva de Carvalho (já comandante do Copcon), foi à Suécia participar num evento organizado pelo Partido Social-Democrata Sueco. No regresso, e com aquela ingenuidade que o caracteriza, contou um episódio ocorrido durante a sua estadia. Um dos seus anfitriões perguntou-lhe “Ainda não conseguimos compreender o objectivo da vossa revolução. Afinal, o que é que vocês pretendem?”, e ele respondeu “Nós queremos acabar com os ricos, pois claro!”, ao que o outro respondeu “Pois nós aqui queremos acabar com os pobres”.
Tanto quanto me consigo aperceber, naquele momento histórico em particular, aquela conversa poderia ter ocorrido em qualquer país da Europa além-Pirenéus, mas foi extremamente adequado que tenha ocorrido na Suécia. No início do século XX, a Escandinávia era uma região historicamente pobre, como Tony Judt a descreveu, «[. . . ] uma região de florestas, herdades, indústrias de pesca e uma mão-cheia de indústrias primárias, quase todas na Suécia». No meio duma população constituída maioritariamente por pequenos agricultores, madeireiros e pescadores, os sociais-democratas suecos compreenderam que, se se mantivessem agarrados aos dogmas do movimente socialista do século XIX, com a sua aversão ao rural,* os seus eleitores “proletários”, mesmo que associados a alguma da classe média urbana (pouco significativa, na altura), iriam assegurar-lhes uma minoria permanente.
A Escandinávia e a Suécia em particular não seguiu o caminho do desespero, trilhado por outras sociedades na Europa de entre as guerras. Naquela passagem fabulosa da Espanha de Hemmingway, os guerrilheiros do grupo do Pablo e da Pilar questionam o dinamitista Inglés (que eles sabem perfeitamente que é americano) a respeito do seu país, e, quando ele descreve o sistema de “homesteading”† no seu estado natal do Montana, ficam extasiados. É sem surpresa que tal estado de coisas tivesse aparecido a camponeses espanhóis sem-terra como um paraíso comunista. Por toda a Europa Central e do Sul, os camponeses amargurados foram presa fácil para os fascistas e outros extremismos. A sua cultura católica tornava-os atreitos a deixarem-se conduzir por quem quer que se afirmasse como detentor da verdade e capaz de dar todas as respostas. Os não menos deprimidos agrários, madeireiros, caseiros e pescadores do extremo norte estavam marcados pelo individualismo da sua tradição protestante; os sociais-democratas suecos e escandinavos em geral, não só não os hostilizavam, como apoiavam as suas cooperativas. Em Saltjöbaden, em 1938, representantes dos patrões suecos e dos trabalhadores assinaram um pacto que iria formar a base das relações sociais do país. Foi também nessa altura que Orwell escreveu “Homenagem à Catalunha”. Isto não encerra o capítulo “Acabar com os ricos”. A liturgia do ódio é muito antiga na cultura europeia, mas, na Esquerda em particular, essa liturgia, desde Babeuf em finais dos 1790, tem sempre duas constantes. Uma é aquela divisão entre a cidade “avançada” e o campo “atrasado”; a outra é o facto de se dirigir sempre a uma minoria. Em The Good Society, Galbraight escreveu que o “Contrato com a América”, o programa transformativo dos conservadores americanos, em 1984, era reminiscente do “Manifesto Comunista”, de 1948. No estilo, na estrutura lógica, inclusive no facto de se dirigir a uma minoria de menos de um quarto dos americanos. O original dirigia-se a um sexto dos britânicos, a sociedade mais industrial da época, e a menos de um décimo dos alemães e dos franceses. Metade destes números no resto da Europa.
As sociedades europeias de entre as guerras eram ainda sociedades agrárias em grande medida. Em 1938-1939, com cerca de 5% da sua população ocupada na agricultura, a Grã-Bretanha era o único país a respeito do qual se podia dizer ter completado a transição para uma sociedade industrial; não muito distante, vinha a Bélgica, com cerca de 8% da sua população ligada à agricultura, logo seguida pela Checo-Eslováquia com 10% (e destes, a grande maioria concentrada no Sul, nas montanhas da Eslováquia). Eram quase 25% os franceses e os alemães que se dedicavam à agricultura, mas com uma diferença essencial: a França era quase sempre auto-suficiente em termos alimentares, enquanto que a Alemanha era fortemente deficitária. A Europa só entrou no clube restrito dos “Alegres Gigantes Verdes” (USA, UE, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), os grandes exportadores alimentares, trinta anos depois, com a Política Agrícola Comum, da então CEE. E fê-lo recorrendo em boa medida às abordagens escandinavas, sobretudo dinamarquesas, que visavam resolver problemas concretos, e.g., como recolher o leite produzido por um número elevado de pequenos produtores, para ser posteriormente processado em unidades industriais de dimensão adequada. A Europa tinha entrado na época do juízo prático: foi precisa uma guerra devastadora para que as sociedades europeias, deste lado do Canal da Mancha, deixassem de estar em guerra consigo próprias. Não foi a “3ª Via” dos 1990’s que enterrou Marx. Foi a PAC.
Mas as sociedades são entidades dinâmicas. Até aos finais da Segunda Guerra, todos os países do Mundo podiam ser designadas por “sociedades da escassez”. Uns mais do que os outros, mas mesmo nos mais ricos, mesmo que todos os bens e serviços produzidos que produziam fossem distribuídos de forma absolutamente igualitária pelos seus cidadãos, todos continuariam a ter bastante pouco. Para todos os países, a produção era essencial. Então, a partir de de meados dos 1950’s, nos USA, e uns dez anos depois na Europa Ocidental, as sociedades industriais passaram por uma mudança de fase, única na história humana. John Kenneth Galbraight chamou-lhe “A sociedade da abundância” e fez notar que esta alteração não resolvia todos os problemas; essencialmente, mudava-lhes o centro de gravidade. Numa “sociedade da abundância”, o bem social produzido por muitas empresas já não é o conjunto de bens ou serviços que criam, mas sim o emprego a que dão origem. E essas empresas, para além dos seus produtos, têm também que criar a necessidade para os mesmos. Tinham nascido as ilusões de óptica que viriam a dar origem ao mito da “sociedade pós-industrial”: todos aqueles que trabalham no marketing e na publicidade dum qualquer produto industrial, são “trabalhadores da indústria” ou são “trabalhadores dos serviços”? I rest my case.
Estas alterações qualitativas essenciais foram rapidamente percebidas, embora de forma confusa. “Os revolucionários” do Maio de 1968, marchavam contra a conformidade do “metro, bulot, dódó” à sombra duns barbudos com mais de cem anos. Os jovens do Maio de 1968 ainda não se preocupavam com a toxicidade dos produtos fora de prazo. Viriam a fazê-lo muito em breve, mas no imediato, a sua incongruência foi rapidamente captada pelos membros da geração mais velha. Como Pier Paolo Pasolini disse aos estudantes italianos, “Quando vocês atacam os polícias, eu estou do lado deles. Eles são os filhos dos pobres, vocês são os filhos dos ricos”. Mas o mundo não pára e em 1989 o Muro caiu. Não trouxe nenhuma alteração civilizacional importante. Apenas libertou a História. Um ou dois anos antes (esta é a versão de Tony Judt, ouvia-a contada de diversas formas), um ouvinte duma estação de rádio arménia telefonou para a estação e perguntou: “Mas afinal, o futuro é previsível, como afirma o materialismo histórico, ou não é?”. O locutor de serviço respondeu “Claro que sim, todos os dias prevemos o futuro. O passado é que é mais difícil . . .Não pára quieto”. A dissolução da União Soviética abriu os arquivos de leste e aquela área essencial do conhecimento humano a que chamamos História moveu-se. Já por aqui escrevi a esse respeito e mais do que uma vez. Mas ninguém tem que formar a sua visão do mundo a partir daquilo que eu escrevo. Falem com pessoas que tenham vivido a Europa de Leste. E leiam. Vão ter aquela sensação física de movimento de que aquele locutor arménio descreveu.
Não foram apenas os documentos relativos à história das sociedades do século XX. A Academia das Ciências da URSS, honra lhe seja feita, compilou e preservou ao longo de décadas, um grande repositório de todos os textos do marxismo, incluindo a correspondência dos seus pais-fundadores. Mais de cinquenta mil páginas e a opinião dos historiadores que a ele tiveram acesso, é que aquilo que ali não se encontrar é porque foi perdido por causas naturais, na época. O papel é um suporte físico muito mais frágil do que o pergaminho e a pedra da antiguidade e o papel do século XIX é particularmente de má qualidade, pelo que o acesso a estes documentos é mais recente. Aquilo que aí vem é borrasca e não o afirmo de ânimo leve. Contudo, é possível chegar às mesmas conclusões a partir de muito menos dados. A transcrição que se segue faz parte de correspondência particular, tornada pública com a autorização explícita do seu autor.
Fiquei pessoalmente abalado pelo livro de Schwartzschild, e foi apenas a minha visão da estatura moral de Marx que foi destruída. A razão para o meu ponto de vista a respeito da estatura de Marx como cientista não ter sido abalado é muito simples. Desde o início que não tinha uma opinião muito elevada, mas tinha-lhe dado todo o benefício da dúvida que era possível; e a minha opinião tinha-se deteriorado, tanto ao escrever o livro como após o ter escrito; tão lentamente, que nunca me apercebi disso. Quando li [o livro de] Schwartzschild não havia mais nada para ser destruído. Assim, foi apenas quando li a sua Introdução‡ que me apercebi que devia ter referido a alteração da minha visão a respeito da seriedade científica de Marx. Portanto, aceito a sua crítica por completo.
Karl Popper
No entanto, se o que ficou dito encerra o capítulo do “Acabar com os ricos” e das liturgias do ódio (de Esquerda, as restantes requerem um tratamento mais alargado que não é o meu propósito aqui), não abrem de par em par as portas do “Acabar com os pobres”. . . (cont.)
*No caso de Marx e dos movimentos da III Internacional, “aversão” é um termo manifestamente desadequado, pois o único suficientemente descritivo é “ódio”. Não é muito fácil compreender o asco com que Marx tratou os pequenos agricultores franceses, na sua vasta maioria criados pelas reformas agrárias da Revolução. Mas o melhor exemplo é, sem dúvida, a demonização do kulak russo, por Lenin e pelos seus sucessores. Veja-se que o termo russo teria que ser traduzido por “agarrado”, ou “unhas-de-fome” visto que designa aquele movimento com os dois punhos cerrados à altura do peito, que por vezes fazemos para ilustrar tais comportamentos. Os kulaks eram “camponeses ricos”, por vezes o seu capital resumia-se a uma vaca. Como categoria sociológica, tem uma dignidade rigorosamente igual a zero; como epíteto, diz imediatamente aos destinatários aquilo que podem esperar de quem o usa. †Não é claro a partir do texto, se Hemmingway se referia ao “Homestead Act” de Lincoln, em 1862, ou às iniciativas “Subsistence and Homestead” de Roosevelt, do início dos 1930’s. Talvez ao primeiro, pela área de terra referida pelo protagonista, mas o mais significativo é o facto de se tratar dum conjunto de tradições anglo-saxónicas muito antigas, veja-se e.g. a discussão de Noam Chomsky a respeito da(s) Magna(s) Carta(s). ‡A discussão entre Flew e Popper reporta-se à nota que o último adicionou à 5ª edição de A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, exactamente a respeito do livro citado: “Schwartzschild descreve-o como alguém que via ‘o proletariado’ meramente como um instrumento da sua ambição pessoal. Embora isto possa ir para além daquilo que a evidência documental permite, tem que se admitir que essa evidência, em si mesma, é devastadora.”
Deve ser explicado claramente aos Alemães que a guerra cruel conduzida pela Alemanha e a resistência fanática dos nazis destruíram a economia alemã e tornaram inevitáveis o caos e o sofrimento e que os Alemães não podem evitar a responsabilidade pelo que lhes aconteceu. A Alemanha não será ocupada com um propósito de libertação, mas como uma nação inimiga derrotada — Henry Morgenthau Jr.
Em A casa dos mortos, o ensaio que fecha aquela obra monumental que é o Pós-Guerra, Tony Judt conta-nos como o reconhecimento do Holocausto — e de outros holocaustos menores — se tornou a condição sine qua non para que os povos e os países possam ser aceites como pertencentes à Europa. E sumariza aquela conclusão surpreendente, mas já repetidamente ilustrada ao longo da obra, de como aquele reconhecimento é recente. A França recusou-se a falar em "crimes contra a humanidade" até finais dos 1980's; os governos da antiga europa soviética fizeram-no apenas já este século; Primo Levi foi traduzido para francês apenas após a sua morte.
Foram os alemães os primeiros a fazê-lo. Em finais dos anos 70: "Até 1968 tinham-se registado apenas 471 visitas de estudo a Dachau [é um subúrbio de Munique]; no final dos anos 70, este número tinha excedido, em muito, as cinco mil por ano.", op. cit.; "Holocausto" foi vista por cerca de 20 milhões de alemães. As políticas de "desnazificação" dos anos imediatamente a seguir à guerra foram um fracasso absoluto. Uma conclusão irrecusável e surpreendente, pelos menos para mim que sempre estive convencido do contrário. Porque a este respeito, a pergunta essencial é "Para os alemães, quem foi Joseph Stalin?" e a resposta: o santo protector que os livrou de Henry Morgenthau. A directiva JCS 1067 (Joint Chiefs of Staff) regulou o governo da zona de ocupação americana até 1947, altura em que o Plano Marshall começou a ser elaborado. Os "Morgenthau Boys", dominantes no governo da zona americana, demitiram-se em massa, quando a directiva JCS 1779 entrou em vigor. Contudo, a vasta maioria dos alemães não recorda ter sido punida pelo seu apoio ao nazismo. Eles acham que foram remunerados por terem estado na linha da frente da Guerra Fria. Têm razão.
Mas vamos fechar este assunto. Tony Judt dá-nos mais uma peça de informação essencial: o Plano Marshall foram cerca de 15 000 milhões de dólares (da época); o montante extorquido pelos soviéticos dos países de leste (incluindo a Checoslováquia!), a título de compensações de guerra, foi muito aproximadamente o mesmo. Se algo mais necessitar ser dito a este respeito, não só não sei como o fazer, como não estou interessado em fazê-lo. Recordemos apenas as décadas de trampa de Éluard a Sartre, e a respectiva contraposição vertical: Albert Camus!
Aquilo que hoje nos leva de volta à casa dos mortos é diferente e é algo que os povos da Europa decidiram que não querem discutir e é algo que nós, portugueses, estamos a conhecer pela primeira vez. Estou a falar da colaboração. Não necessita ocupantes, apenas colaboracionistas. Gaspares decididos a "irem mais além" do que aquilo que lhes é pedido. Aquilo que os colaboradores do presente estão a fazer é o mesmo que os seus antepassados de toda a Europa fizeram. Solícitos, dedicados, sempre tentando antecipar aquilo que os seus "protectores" pretendem.
Temos pouco de Europeus. Para dizer a verdade, nem sequer temos a certeza de querermos ser Europeus. Não aprendemos nada com os erros e os problemas da Europa. Hoje, no momento em que somos a cobaia, a antecipação do continente que está para vir, ninguém nos ouve e pelo pior dos motivos: não temos nada para dizer. Pelo menos, nada que os outros Europeus não queiram esquecer.
Três coisas, antes de passar a palavra ao Joe Wolf: 1 - Abram os olhos, porra, nós somos a galinha dos ovos de oiro dos mercados (nenhuma dívida rende tanto, "a Berlim e a Manhattan", como a nossa).
2 - Conhecem a história recente da Islândia? Não, pois não? Ora lá está. Da bancarrota a isto, que cito de seguida, foram quatro anos de censura e auto-censura e reverência económica made in "jornalismo-o-rei-manda", honrosas excepções à parte: "(...) a Islândia quatro anos após a crise desceu a taxa de desemprego de 14 para 7%, é o país que mais cresceu na Europa, e a dívida externa baixou para 30% do PIB.]
3 - Surpresa: a Islândia não se afundou nem a afundaram; é possível fazer diferente disto que nos fazem? A Islândia não se afundou nem a afundaram, repito. Não é possível... O preço de um país deixar de existir é algo que arrasaria a negociata dos especuladores (ironias).
«Diferenças entre o cidadão de Boliqueime e Olafur Grimson, presidente da Islândia
Substanciais! Olafur Grimson, PR Islândia diz: "Não temos medo dos mercados eles que paguem a crise" O cidadão de Boliqueime diz: "insultar os mercados prejudica a economia nacional" Olafur Grimsom diz: "Ninguém há-de passar fome num país com mais ovelhas que gente e mais canas de pesca que telemóveis" O cidadão de Boliqueime diz: "congratulo-me pelas críticas aos mercados não terem passado além fronteiras" Olafur Grimsom diz:
"Nunca fecharia uma escola, infantário ou hospital, para pagar as "cowboiadas"e aventuras da Banca ou da Bolsa" O cidadão de Boliqueime diz: "é preciso ter muito cuidado com o que se diz na actual conjectura" Resultado: Quando se insulta os mercados, a Islândia quatro anos após a crise desceu a taxa de desemprego de 14 para 7%, é o país que mais cresceu na Europa, e a dívida externa baixou para 30% do PIB.
Quando não se insulta os mercados o resultado é... aquele que está à vista. Agora escolham.»
A medida mais importante do século XIX, aprovada por corrupção, auxiliada e instigada pelo homem mais puro dos Estados Unidos. Thaddeus Stevens, a respeito da aprovação da 13ª Emenda à Constituição dos USA, proibindo a escravatura.
Tenho duas opiniões pessoais a respeito do Lincoln do Spielberg. A primeira, é que a Academia de Hollywood tem mesmo um grande problema entre mãos, porque qualquer actor que venha a interpretar uma figura histórica, vai ser comparado com a interpretação do Daniel Day-Lewis e vai ficar em maus lençóis. A segunda é que, com qualquer outro realizador, o filme teria ganho o Óscar para o melhor filme, mas para o Spielberg a fasquia está sempre mais elevada e ainda bem. Não se percebe minimamente qual a origem da oposição daqueles congressistas democratas, alguns vindos de estados onde a escravatura nunca foi legal.
Para além disso, muitos dos factos descritos e resumidos naquela frase inicial, parecem mais não fazer do que confirmar o velho aforismo segundo o qual, quem quer que goste de democracia ou de salsichas, nunca deve contemplar a forma como qualquer destas coisas são feitas. Mas a conclusão de Taddeus Stevens levanta algumas questões e essas questões são centrais, nomeadamente, para a compreensão da crise que, mais uma vez, leva este continente-mártir na direcção do caos. Vejamos.
A primeira é a de saber se os métodos de Lincoln — que ele prosseguiu de forma implacável — são ou não válidos. Sustento que sim, e não, esta não é a velha falácia dos meios e dos fins, lá chegaremos.
A segunda questão é implícita, mas atravessa incontornavelmente todo aquele processo histórico. Abraham Lincoln conta-nos como o seu próprio pai tinha abandonado o seu estado-natal do Kentucky, por ter percebido que um pequeno lavrador independente nunca conseguiria competir, ou sequer sobreviver, paredes meias com a grande propriedade, assente na mão-de-obra escrava. Por isso, quando ele finalmente fala com os delegados da confederação, nem sequer responde à observação do respectivo vice-presidente, "...é o fim da nossa economia...", e traça apenas os termos para a rendição incondicional. De forma implícita, Lincoln nega que a sociedade americana, e por extensão, qualquer sociedade, possa ser organizada e estruturada por forma a proteger e propiciar uma forma concreta de organização económica. Sustento que esta negação tem que ser reforçada e alargada.
A questão final é a de saber se aquele "fabrico de salsichas", com todos os seus detalhes, algures entre o não recomendável e o simplesmente repugnante, pode, ou sequer, se deve ficar restrito aos "homens puros", na expressão de Stevens. A resposta é negativa, mas é claramente a mais complicada das três.
A estrutura lógica do problema -- recordemos que o problema é a crise muito profunda da Europa, aconselharia a que a questão central fosse abordada em primeiro lugar, porque, como todas as crises civilizacionais profundas, esta é uma crise do poder e da estrutura do poder. No entanto, este é um processo histórico que, como todos o são, é dominado pela sucessão de nexos causais que transformam a possibilidade em facto. Ora acontece que, até há poucas décadas, os conservadores conservavam. Desde a Revolução Francesa até ao início da década de oitenta do século passado, o "fabrico de salsichas" conservador, destinava-se a demorar, obstaculizar e a bloquear os processos de progresso (!) social. Todas as formas de actuação abertamente regressivas, assumiram um carácter autoritário, como na repressão ancien régime da Primavera dos Povos, ou o carácter totalitário do Marxismo institucional e do fascismo, europeu ou transladado para outras paragens.
É, de alguma forma irónico, que o "Grande Inimigo da Certeza" tenha sido apanhado por uma das suas bêtes noirs favoritas, isto é, por aquela aparente regularidade histórica que era a associação moderna entre totalitarismo e oposição a sociedades abertas e progressivas. É claro que a quebra dessa "lei" seria sempre apenas uma questão de tempo, mas havia mais uma surpresa guardada. Até ao fim da Segunda Guerra, a Universidade era O Templo da Inteligência, na formulação imortal de Miguel de Unamuno, e as violações do templo ocorriam, também elas, invariavelmente associadas a processos totalitários, do apoio de Heidegger ao nazismo à "genética" de Lysenko.
A Grande Agressão Regressiva nasceu nos ambientes calmos da universidade, ingenuamente confiantes na liberdade de inquérito racional; nasceu lá pelas margens do Lago Superior e transformou-se numa indústria local de grande sucesso, uma fábrica de salsichas; impróprias para consumo, humano ou animal; regressando a Unamuno, apenas um conjunto de "...paradoxos bárbaros e repugnantes...". Demorou tempo, uns quantos prémios Nobel, mas até a intocabilidade do método de revisão por pares foi violada e não tem mais sentido, ou será que alguém necessita de ser recordado da moscambilha da folha de cálculo?
Este assunto é vasto e não irá caber neste post, outros se lhe seguirão. Para além do enunciado daquelas três questões essenciais, irá ficar pela resposta à última pergunta e, neste momento, os últimos parágrafos parecem indicar conclusões contrárias à minha. Assim não é e quero fazer notar que o problema dos "homens puros" é um assunto de natureza processual. Existe uma necessidade de pureza processual, sim, mas não no plano mais geral da organização da sociedade. A universidade tem que reganhar aquele estatuto que Unamuno lhe deu, nomeadamente, mas não só, pela extinção das cátedras das faculdades de economia com nomes de bancos e pela expulsão dos seus detentores; a universidade tem que criar um selo de garantia que ateste terem quaisquer trabalhos admitidos como base para a discussão de políticas públicas, terem sido sujeitos a um processo de revisão por pares; limitado e falível como é, este é o mecanismo testado para detectar e eliminar patifes, e é com patifes que estamos a lidar.
No plano geral da organização da sociedade, a resposta é formal e não processual. As sociedades têm que ser capazes de definir princípios de progresso (!) e blindá-los contra a patifaria; nomeadamente, estabelecendo fronteiras quantitativas que não possam ser ultrapassadas. Isso pode ser feito e é isto que terá que ser feito. O fabrico de salsichas é sempre o que é, e aquilo que não podemos esquecer, é apenas que estamos a lidar com patifes e "devemos proclamar o direito a suprimi-los, se necessário até, pela força" (op. cit.)
Em suma − e se bem descodifiquei o linguajar por trás do mastigar de bolo-rei −, ou o PS se entende com a dupla PSD-PP (e nos proporciona uma solução anti-democrática), ou, das duas uma:
Vem aí uma “personalidade de prestígio nacional” para liderar um governo de “salvação nacional";
O PS, ao não aceitar esta ignomínia [se aceitar, morre! de vez e de morte matada], “obriga” o Cavaco a escolher a solução de governo proposta pela dupla PSD-PP.
Ideias soltas:
Não alinho na ideia de que isto foi uma moção de censura do Cavaco à proposta do PSD e do PP.
Cavaco fez um ultimato ao PS. E não aposto na irrevogabilidade da posição do Seguro.
E, sim, agora é a hora dos Verdes avançarem – de imediato; ontem! – com a moção de censura que ainda têm livre (são o único grupo parlamentar que mantêm essa arma disponível).
Quem é a “personalidade de prestígio nacional”? Bluff! Nem o Cavaco sabe, quanto mais eu.
Os donos do Cavaco devem estar a ter orgasmos múltiplos.
A democracia segundo Cavaco: PSD + PS + PP (o resto é paisagem)
Agora digam lá, o Cavaco sabe ou não sabe como “acalmar os mercados”?
E agora? Agora, não esperemos mais! Para a Rua e em Força!
A actual crise política vai no seu terceiro dia. O primeiro foi o dia da ira. Um cronista do Público falou em Hamlet; poderia ter falado noutra coisa qualquer, mas que parecia tragédia, parecia. Num movimento que parecia de espadachim profissional, Paulo Portas demitiu-se. Meia-hora antes duma cerimónia oficial de estado, a estocada perfeita. Irrevogável! Em poucos minutos, os portugueses esqueceram o inenarrável Gaspar, esse sim figura marcante do século XXI português, tanto como o seu antepassado António, o das Botas, o tinha sido no século anterior.
Durou pouco este primeiro dia. Cerca de duas horas e meia depois, começou o dia da farsa. Em directo, como convém, ficámos a saber que afinal que afinal não tinha havido estocada, nada de irrevogável tinha acontecido, porque este iria ser o longo dia para o primeiro, ministro como convém, ir a Berlim, sossegar a Rainha da Prússia e garantir-lhe que poderá prosseguir a sua própria agenda política interna sem sobressaltos.
Quero fazer aqui um parêntesis, para dizer que nada nestas peripécias me surpreendeu. O senhor Paulo Portas, grande e profundo actor político, nunca passou dum embuste mediático, criado em boa medida pelo próprio, durante o tempo em que foi director do "Independente", alguém se lembra? Quando o tal espadachim esgrimia furiosamente contra o primeiro-ministro da época? Águas passadas, decerto, que apenas moveram irrevogavelmente o tal espadachim, enquanto o embuste durou e foram mais de vinte anos. Ficámos a saber ontem que o tal grande actor político não manda nada no seu próprio partido, continua apenas a ser, irrevogavelmente, a sua imagem de marca, provavelmente porque aqueles que realmente mandam não conseguem desencantar quem tenha, irrevogavelmente, a mesma falta de vergonha na cara.
Hoje é o terceiro dia. O dia da bruma. Talvez venha a ser recordado como o dia em que a segunda República portuguesa terminou. Parece que a condição imposta pelo garante da constituição e do normal funcionamento das instituições, é que o espadachim ressuscite. Se as noticias hoje avançadas tiverem fundamento, Paulo Portas irá ressuscitar como vice-primeiro-ministro e ministro da economia. Como segundo parêntesis, devo dizer que a possibilidade de tal pasta ser desempenhada por um não economista, até poderia ser uma boa novidade, em todas as circunstâncias que não estas. Assim, é apenas farsa sobre farsa.
Estes foram também os dias em que os meios de comunicação, elemento essencial para a manutenção do Consulado Gaspar, cortaram com a narrativa que o manteve, durante dois anos. Como irão encarar a ressurreição anunciada e, tudo o indica, irrevogável? Será que haverá um único jornalista que seja capaz de encarar estes actores como um mínimo de seriedade? Os próximos dias irão ser os dias do desencanto. Como é que os portugueses irão encarar a sua situação crítica? À força de cuspidelas, como já aconteceu com o ex-Consul Gaspar? Ou será que se irão finalmente convencer de que não há mais nenhum Salgueiro Maia em Santarém. Talvez quando a canícula assentar. Talvez os portugueses queiram olhar o espelho e gostar do que vêm.
É um nome lindo, camarada É um nome lindo, tu sabes Que casa cereja e romã Com as cem flores do mês de Maio
Nas últimas eleições legislativas, votei duas vezes no Bloco de Esquerda. Literalmente. Preenchi dois boletins com a cruzinha na mesma posição. O primeiro foi parar à urna de voto, o segundo, à maleta dumas miúdas simpáticas que estavam a efectuar uma sondagem à boca da urna, para a Universidade Católica. Em face da correspondência muito próxima entre os resultados daquela sondagem e os totais nacionais, sou dos muito poucos que podem afirmar terem uma certeza quase absoluta de o seu voto ter contado.
O meu voto contou. Essencialmente, serviu para legitimar a agressão que se abateu sobre este País. São as regras do jogo, nada de essencial muda quando votamos vencido. E também por isso, continuam a aplicar-se as palavras do Jean Ferrat, naquela primeira quadra acima. Sim, é um nome lindo, camarada, mais ainda quando evoca o "...é proibido proibir...", do Maio de 68, na sua referência inequívoca ao período das Cem Flores, "Que cem flores floresçam / Que cem escolas de pensamento debatam livremente"</em>. Mas deixemos Mao Tse Tung em paz. Os Povos votam (os que o podem fazer), usam a sua liberdade, inclusive, para permitir a actuação dos inimigos dessa liberdade. São as regras do jogo.
Durante anos, camarada Durante anos, sabe-lo bem Apenas com o teu nome por canção Os lábios floresciam
E no fim de contas, só é derrotado quem desiste. E no fim de contas, quem, neste País, se atreverá a dizer que não valeu a pena? Os tais inimigos da liberdade e esses não me interessam. Os outros, desde os que têm uma memória física do antes do 25 Abril de 1974, até aos que aprenderam os factos nos livros de História, sabem que os lábios floresceram; não tanto quanto queríamos, mas floresceram. E aquela coisa, essencialmente difusa, a que chamamos Esquerda tem aí muitas das suas coroas de glória.
É um nome terrível, camarada É um nome terrível para ser dito Durante o tempo duma mascarada Mais não faz do que tremer
Se parássemos neste ponto, estaríamos a passar moeda falsa. Não vou falar das lutas internas da República, durante a Guerra Civil de Espanha, nem sequer da única acusação invalidada no Tribunal de Nuremberga. Os espanhóis que se pronunciem sobre os primeiros factos e os polacos que façam a paz possível como os outros. Mas outros factos, mais próximos de nós, estão ainda em cima da mesa. E o Jean Ferrat não se esqueceu deles.
Que vens fazer, camarada? Que vens fazer aqui? Foi às cinco horas de Praga Que o mês de Agosto se obscureceu.
Foi às cinco da manhã de 21 de Agosto de 1968, que os exércitos do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia. E aquelas foram exactamente as perguntas que os jovens de Praga e de outras cidades, fizeram aos miúdos atarantados, que tripulavam os tanques soviéticos. E eles não sabiam. Provenientes, na sua maioria de unidades estacionadas na Ucrânia, estavam convencidos que a guerra tinha rebentado e que estavam na então Alemanha Federal; era o que os veteranos de '45 lhes tinham dito: "Quando vocês já não conseguirem ler os sinais de trânsito [por já não estarem escritos em cirílico], isso quer dizer que estão na Alemanha...".
É um nome lindo, camarada É um nome lindo, tu sabes Com o meu coração batendo a chamada Para que ele renasça para sempre. Casando cereja e romã Às cem flores do mês de Maio
Não, a Esquerda não pode assumir qualquer postura de superioridade moral, a menos que seja capaz de olhar para os esqueletos que tem no armário. Os franceses fizeram-no, após a libertação de 1944; à maneira deles, pelo pacto do silêncio. Fizeram-no. Os italianos fizeram-no, pelo Compromisso Histórico. Então e nós? Nós, hoje, 3 de Julho de 2013, quer-me parecer que, colectivamente, ainda não percebemos a profundidade da crise que nos atinge e a natureza extrema da agressão a que estamos sujeitos. Na minha qualidade de alguém que vota em dobrado no BE, quero afirmar que a cultura do protesto, por mais justo e correcto que seja, não leva a lado nenhum.
Será que a tal "superioridade moral" vai continuar a permitir apontar o dedo numa única direcção? Existem muitos e bons motivos para esse apontar, mas e a urgência nacional? "Não vale a pena, o TóZero é um zero...". Pois muito provavelmente é, mas que caminho é que se faz se não lhe metermos os nosso próprios pés? Cada vez mais me convenço de que vocês ainda não perceberam até que ponto a crise é urgente, e de que não fazem a menor ideia do que está para vir. Amanhã estará mais claro e no dia a seguir ainda mais.
A austeridade é a velha história das roupagens novas do Imperador. Ninguém, do alto da sua respeitabilidade, se atreve a dizer que não existem. Resta-nos a ingenuidade das crianças, mas que ninguém se iluda, o primeiro Povo, neste continente mártir, que se atrever a dizer "...o Rei vai nu..." vai ser sujeito a uma agressão que tornará as pressões obscenas sobre os gregos, durante as eleições de 2012, numa mera brincadeira. É este o nosso futuro próximo. Vamos a ele!
O meu falecido avô paterno, só acreditou que o 25 de Abril de 1974 era mesmo o reviralho, depois de ter ouvido a confirmação no serviço português da BBC, e no mesmo monstro de rádio em que tinha ouvido as noticias da guerra, vinte anos antes. Brinquei muitas vezes com ele, a este respeito, mas só hoje o consegui entender.
Estamos a viver uma ópera-bufa, mas ainda é pior do que parece, vista de perto. OK! Desta vez não foi a BBC, mas foi lá da terra. E explica tudo. Tudinho, desde a posição daquela coisa que é suposta ser o garante da constituição e do normal funcionamento das instituições — quem quiser que apresente uma moção de censura no parlamento — até ao inenarrável Pedrocas. Estão todos a fazer uma única coisa: evitar que a Margrave de Brandeburgo tenha surpresas nas próximas eleições alemãs.
E continuam alegremente impávidos e serenos, porque são ainda mais medíocres e incompetentes do que a nós nos parece. A lei portuguesa estipula que cada grupo parlamentar só pode apresentar uma moção de censura em cada sessão legislativa e tanto o PS como o PCP e o BE já o fizeram. Está salva a querida líder prussiana! Estará? Veja-se até que ponto esta gentinha é rasca: os Verdes têm um grupo parlamentar e ainda não apresentaram nenhuma moção de censura, este ano. Será possível que não tenham reparado? Os ingleses repararam. Vai ser um Verão muito, muito, muito quente...
Este post era para ser a respeito da unidade da esquerda. Das esquerdas, da sua multiplicidade, simultaneamente força e fraqueza. Perdi-me. Os acontecimentos de hoje cortaram por completo o meu fio de pensamentos. De um presidente que iça o sinal da ocupação estrangeira, a um primeiro-ministro que joga a sua sobrevivência num golpe-de-mão contra o seu parceiro político, aliado ou refém. Chega! Isto já não é sequer a respeito de ideologias. Quero o meu País de volta e JÀ!
O senhor Miguel, o Sousa Tavares da actualidade, é um opinador profissional. Vamos dizê-lo sem segundos sentidos: tem uma máquina de escrever enorme e uma tribuna à medida da sua máquina. O Tavares, o Miguel que nos calhou em sorte, acha que os professores abusaram do seu direito à greve. O Sousa, o Tavares que já o era antes de ser o Miguel, andou na escola da D. Constança. Se não fosse por isso, não me daria ao trabalho de escrever estas linhas. No fim de contas, não quero saber das opiniões, nem do Tavares, nem do Sousa, e ainda menos do Miguel. Distância! Apenas distância, não fora a D. Constança.
Também andei numa escola parecida. Situada na Grande Lisboa, não tinha o tal frio granítico. E lembro-me relativamente bem das casas de banho, exactamente e apenas porque não tinham nada de especial e chegavam para todos. O recreio da minha D. Constança não tinha lama no Inverno. Era um espaço relvado, numa pequena escola privada, empresa familiar, onde a irmã da D. Constança tratava das refeições. Lembro-me dela, não me lembro dos almoços, o que, em vista da minha esquisitice permanente, me diz que deviam ser bastante razoáveis. Mas o que eu recordo melhor, foi o choque que senti, ao aperceber-me que uma parte substancial dos meus colegas se iriam ficar pela 4ª classe. Acho que foi a primeira vez na vida que percebi o significado de injustiça.
Voltei a ter o mesmo sentimento, dalguma forma mais trágico, já nos tempos da actualidade, quando ouvi, contada na primeira pessoa, a descrição dos tempos modernos do meu País. Era uma escola secundária, já universal nalgum sentido, mas situada numa zona "problemática". Os conflitos eram constantes, mas esta D. Constança era (e é!) uma mulher de armas, do tipo "...vamos arregaçar as mangas e começar e empurrar o comboio...". O ambiente da escola melhorou, não de imediato, mas todos o sentiam. Os resultados não e esta D. Constança actual reuniu os alunos e disse-lhes exactamente isso: "...Já fizemos muito e também vamos ultrapassar este problema...". Um dos alunos respondeu-lhe: "...sôtora, você é porreirinha e o pessoal aprecia. Mas não se mace, isto é tudo material para caixas de supermercado".
O Miguel mais os seus 79 colegas, não me interessam para nada e as opiniões do Tavares ainda menos. Constato apenas que, para as começar a enunciar, o Sousa teve que mentir. O Miguel mente, quando diz que os professores finlandeses ganham menos do que os portugueses e que trabalham mais. Talvez não seja exactamente mentira, porque o qualificativo "proporcionalmente" me faz suspeitar que o Sousa seja econometrista, logo será este apenas um assunto de deformação profissional.
O Tavares afirma que Portugal faliu. Neste momento, continuo convencido que, no que aos factos diz respeito, é (ainda) um exagero e no que que respeita às opiniões é apenas um peido. Uma daquelas 23 coisas que não te disseram a respeito do capitalismo, mais exactamente a 3ª, mostra-nos que os países pobres não o são por os seus cidadãos de menores recursos serem calões e pouco produtivos, mas sim porque as suas elites são medíocres e incompetentes. As mesmas elites das quais o Sousa, mais a sua máquina de escrever, fazem parte. Quanto a opiniões, o assunto é ainda mais simples: são como os peidos; cada um tem as suas e acha que as dos outros cheiram mal. Acontece apenas que os do Miguel são particularmente fedorentos.
Quando eu falei em "maldições fósseis", estava a tentar usar o termo no sentido da tragédia grega clássica. Neste ponto, tenho que me render à evidência: eu não sou Sófocles. Mas isso também não tem importância porque, ao contrário dos heróis gregos, amaldiçoados pelos deuses, a única coisa a respeito da qual é possível ter a certeza, é que a maldição será superada.
Neste Mundo, há os que têm e os que nada têm. Não há nada de novo nisto, sempre assim foi. A única diferença é que, pela primeira vez na História Humana, os verdadeiros actores são os que nada têm, os despojados. Vocês, são "os que têm", uns mais outros menos, claro, mas vocês são os possidentes e eu não quero saber de vocês para nada. Vocês já não contam, porque os despojados herdarão a Terra. Como eu sou um coração de manteiga, vou dar-vos uma última chance mas, e sem qualquer ironia, é a última, e não há nada que eu, ou quem quer que seja possa fazer a esse respeito.
A energia é a condição primordial para a existência de grupos sociais organizados. A energia e a água, mas a água é um assunto diferente, deixemos a água de lado. O facto é que existem dois Universos, um é o Macrocosmos da nossa experiência e, por mais irritante que consiga ser, transmite-nos sempre o conforto da familiaridade. O outro é mais misterioso, cheio de paradoxos e surpresas, mas é onde, em última análise tudo se decide. O Microcosmos é estranho, mas é também "muito arrumadinho", cheio de simetrias e regularidades e, acima de tudo, extremamente estruturado. Ora, o Microcosmos revela-nos que a energia não é o fenómeno elementar que a nós, seres macrocósmicos, nos parece ser. Energia é um fenómeno extremamente estruturado e só pode existir a partir dum limiar mínimo. Daí para baixo, existem forças e existem momentos, energia ainda não; e no nível mais elementar de todos, existem apenas interacções.
Para além disto, e ao contrário de tudo o resto, que é regido por leis conservativas, x + y = x + y, e nada se cria nem nada se perde, a energia é regida não por uma, mas por duas leis. A primeira é confortavelmente conservativa, "A soma do que entra, menos o que sai, mais o que já lá estava, menos o que lá fica, é igual a zero". (1)
A outra é muito mais potente e a lei mais geral de todo o Universo. A 2ª Lei já não é conservativa, é dissipativa, e diz-nos terminantemente que a energia não é conservável. Apenas a podemos manter em equilíbrio.
Ou então não. Uma das inúmeras facetas da 2ª Lei, é que existem apenas dois tipos de processos espontâneos. Uns são endorgónicos, usam a energia disponível e tornam o total disponível menor. Nós, seres humanos mais os nossos primos, próximos ou afastados, somos apenas processos endorgónicos. Nós, mais virtualmente tudo o que temos vindo a fazer, desde o início da Revolução Industrial: limitamo-nos, literalmente, a "ira ao baú". Os outros processos espontâneos são exorgónicos, usam uma fonte livre de energia para encherem o baú. É isso que a evolução natural fez por nós e que a massa verde do Planeta continua a fazer todos os dias. A 2ª Lei da Termodinâmica diz-nos apenas que a única forma segura de existência, é perto de equilíbrio. Quando a soma dos processos endorgónicos e exorgónicos é aproximadamente igual a zero.(2)
Ou então não sobrevivemos. A situação actual é apenas o produto da crença, muito arreigada, de que podemos continuar indefinidamente a ir ao baú, sem cuidarmos também de o encher. No entanto, as alterações climáticas geradas pela actividade humana, são apenas o pano de fundo perante o qual o drama humanos se desenrola. E o facto simples é que o problema é ainda muito maior do que vocês pensam e, por mais paradoxal do que pareça, isto são boas notícias. Vocês vão ser salvos, não que o mereçam pelo vosso comportamento passado e presente, mas vão ser salvos por aqueles que nada têm, pelos despojados deste Mundo. O problema é a energia, a condição primordial para a existência de grupos sociais organizados. Para o compreendermos, temos que fazer algo simples: temos que parar de falar em energia.
Que fique claro: eu não quero saber "...como vocês se sentem...", ou o que é que "...vocês acham...", ou aquilo em que vocês acreditam. O meu argumento é estritamente analítico e assim será enunciado. Vamos começar por dividir tudo pelo tempo, e estamos a falar em potência. Como se perguntássemos "...qual é a potência daquela lâmpada?". A partir daqui, energia é apenas aquele número a multiplicar pelo tempo que ela estiver ligada.(3)
Qual é então o tamanho da nossa lâmpada global? Um pouco mais de 14 TW, vamos dizer 15 TW, o equivalente a 15 mil milhões de lâmpadas de 100 Watt. Pois muito bem, por volta de 2050, daqui a cerca de 40 anos, irá aumentar para cerca do dobro, 30 TW. Será que o problema começa a revelar a sua grandeza? A energia é a condição primordial para a existência de grupos sociais organizados, mas o que isto significa, neste particular é que, obviamente, a Revolução Industrial não começou do zero; no que respeita a magnitude, a diferença não faz diferença. Demorámos cerca de 250 anos até laboriosamente, sermos capazes de acumular aquele primeiro total. Agora, temos menos de quarenta anos para lhe acrescentar outro tanto.
"É sempre muito difícil fazer previsões, em especial a respeito do futuro...", já lá dizia Niels Bohr, mas esta previsão peca apenas por ser excessivamente conservativa. Assume apenas que vocês, os que têm, vão ser capazes de conservar tudo o que têm. Fora dum quadro de conservação perfeita (o único razoável), o total será ainda maior. Esta é também a tal última oportunidade de que falei anteriormente. Mas este é um assunto analítico e o meu argumento é estritamente analítico. Vejamos, pois, aquilo que está ao nosso dispor.
Disponibilidades nucleares, cerca de 8 TW. Como um reactor nuclear representa aproximadamente 1 GigaWatt de potência, estamos a falar de 8 000 reactores nucleares. A serem construídos durante os próximos quarenta anos, em média 200 por ano; ou cada um novo a ser concluído a cada dia e meio que passe. Acontece também que estes equipamentos têm um período de vida útil de cerca de 40-50 anos, pelo que, quando chegássemos ao fim, estaria na altura de começarmos a descomissionar o primeiro a ser concluído. Por outras palavras, estaríamos a construir ad eternum, sempre ao mesmo ritmo, um novo reactor nuclear concluído a cada 1,5 dias, apenas para provermos a metade das nossas necessidades globais. Mas já todos ouvimos falar, por esta altura, da Three Gorges, a central hidroeléctrica das "Três Gargantas", no Yang-Tse. É a maior do Mundo, cerca de 24 GW de potência instalada, ou seja, pela minha mnemónica, o equivalente a 24 reactores nucleares. A Three Gorges demorou cerca de 17 anos a ser construída, será que me começo a fazer entender?
A energia é a grande singularidade, aquilo que fazemos diferente de tudo o que vimos vindo a fazer, desde o início da Revolução Industrial. E tudo se resume a dois verbos, tão intuitivos que não me recordo de alguma vez os ter ouvido serem mal utilizados. Os verbos são construir e fabricar. Só construímos aquilo que não somos capazes de fabricar. E tudo o que construímos, tem três características: é muito grande, extremamente pesado e extremamente caro. Para além disto (e eis que regressa a Three Gorges), extremamente demorado para concluir. Quando precisamos de algo em grandes quantidades, fabricamo-lo. No entanto, as quantidades de um qualquer produto, que conseguimos fabricar, dependem dos mesmos três factores. Os despojados necessitam de enormes quantidades de produtos de energia, pequenos, leves e, acima de tudo, baratos (custo por quilograma de produto final). E será isso que eles irão ter. Mas antes de consubstanciar esta última afirmação, importa esclarecer quem são afinal os tais despojados que irão herdar a Terra.
São aqueles cerca de três biliões de seres humanos que ainda não têm acesso, ou muito pouco, a bens de energia; mais os cerca de três biliões que irão nascer, até cerca da metade do século, a vasta maioria em países onde esse acesso é ainda mínimo. Ainda não é claro porque é que eles são os verdadeiros actores históricos do nosso tempo? Vamos estão esclarecer este aspecto. John Kenneth Galbraith escreveu, entre outros, um livro chamado A Sociedade da Pobreza. É um livro muito fininho e quando o vi pela primeira vez, perguntei aos meus botões se tal assunto caberia em tão poucas páginas, mas o autor esclarece logo na primeira que o âmbito do livro não é a pobreza, em todas as suas múltiplas vertentes, mas um aspecto muito específico. Galbraith foi um dos especialistas convidados pela ONU para acompanharem aquilo que, pelos anos sessenta do século passado ficou conhecido como a revolução verde, ou seja, a alteração radical das técnicas agrícolas por todo o Sul e Sudoeste da Ásia, com o propósito de responder à explosão demográfica do pós-guerra. Galbraith foi crítico da forma como o assunto era apresentado aos seus destinatários finais e da interpretação que era dada pelos seus colegas à resistência dessas populações àquelas mudanças. É ainda demasiado cedo para explicar porquê, mas fica um dado estatístico quase inacreditável, citado pelo autor. Por aquela altura, uma família de camponeses indianos, vivendo na margem das grandes florestas (elas próprias em recessão) gastava em média, cerca de dezoito horas por dia, para prover apenas a duas necessidades básicas: água potável e lenha para cozinhar. Aqueles dois requisitos elementares para a existência de grupos sociais organizados, mas é óbvio que, naquelas condições, o único modelo social que pode permitir a sobrevivência, é a família alargada, multi-geracional.
Acontece também que há, pelo menos, Vinte e três coisas que eles não te dizem a respeito do capitalismo, uma delas sendo que, obviamente, a máquina de lavar é mais importante do que a Internet. É óbvio que os homens também podem lavar roupa à mão, mas o autor explica isto melhor do que eu. A constrição é a mesma, ou seja, o tempo. Quais seriam os modelos sociais possíveis sem a máquina de lavar? Aqueles que existiam antes, e é apenas um truismo, mas o problema é nós esquecemos como é que as coisas se faziam (!). Por outro lado, o senhor Chang começa, dalguma forma, "demasiado acima".
C2H6O . Será que esta forma canónica diz algo? Chamamos-lhe éter di-metílico (DME) e é um combustível quase perfeito. Quase, mas só pode ser obtido por síntese. Inclusive, é a opção da Iniciativa Europeia dos Combustíveis do Futuro, que engloba todos os construtores automóveis da Europa e que, no presente, produz pouco mais do que aquele silêncio ensurdecedor do arrastar de pés. Na actualidade, a grande produção mundial de DME é a chinesa -- por meios estritamente convencionais, destilando metanol a partir do gás natural e depois desidratando o metanol. O DME é um combustível com um espectro de aplicações muito largo, incluindo o facto de ser um substituto natural do GPL, do butano e do propano. Mas o senhor Chang começa muito acima, porque a máquina de lavar é já um produto de energia muito estruturado. A sua primeira exigência é a existência duma rede eléctrica. Ora, a minha própria memória conta-me como, neste país e já durante o meu tempo de vida, o primeiro produto de energia a que muitos portugueses tiveram acesso foi, simplesmente, o fogão a gás. Simples, pequeno, leve e barato. Requer apenas uma botija de gás. Será que se percebe, neste ponto, porque é que a China se dá àquele trabalho? Fogões a gás. Para eliminar parte daquelas dezoito horas diárias, necessárias para recolher lenha; para que os seus camponeses-de-subsistência se possam tornar, pelo menos, em camponeses-produtores-de-excedentes-alimentares.
Mas é claro que não se vão ficar por aí. Para que os camponeses-produtores-de-excedentes-alimentares, ou pelo menos muitos, se possam transformar em operários fabris — e fabricar, por exemplo, camisolas de algodão, para o Martim depois estampar — necessitam também de máquinas de lavar e isso requer uma rede eléctrica. Máquinas de lavar, mas também frigoríficos, e pelo mesmo motivo que levou o senhor Galbraith a discordar dos seus colegas. Os camponeses indianos não eram ignorantes nem atrasados; eram o repositório milenar de um certo tipo de conhecimento, chamamos-lhe os processos adaptativos e estes implicam o esquecimento. Tão rápido que, lhe chamamos esquecimento exponencial.(4) Eles sabiam que existia um ponto crítico, a partir do qual já não conseguiriam sobreviver pelas estratégias antigas e ainda não sabiam se conseguiam sobreviver, usando as novas. Exactamente como a minha falecida mãe já não se lembrava "como se faziam as coisas", no tempo em que não existiam frigoríficos.
Não existe aqui qualquer margem para ingenuidades. Não tenho a menor dúvida de que, se fosse possível alimentar televisões a fadinhas da confiança e outros seres etéreos, essa seria sempre a primeira escolha dos governantes chineses. Mas como não é possível e eles são decisores racionais, os seus camponeses irão ter fogões a gás e os seus operários fabris irão ter frigoríficos e máquinas de lavar. Os chineses e os indianos, pois a forma mais correcta de nos referirmos àquele espaço imenso é chamar-lhe apenas Chíndia. E os dirigentes indianos são mais democráticos, mas continuam a ser suficientemente racionais, e não existe qualquer intenção irónica nesta frase.
Os despojados da Chíndia irão ter fogões a gás e irão ter bens de energia alimentados a electricidade, incluindo acesso à Internet e incluindo (se tiverem o mau gosto suficiente para isso, e é o mais provável), muitos dos iPhones que eles próprios fabricam. E será nesse ponto, quando a Chíndia for um espaço quase normal, como por exemplo o Brasil, que já quase consegue aumentar o seu PIB per capita, sem que para isso tenha de aumentar significativamente o seu consumo energético per capita, que a sua vitória será consumada. E tudo isto, com fontes de energia baseadas em produtos fabricados, pequenos e leves e, acima de tudo, baratos, os únicos que podem ser fabricados nas quantidades necessárias. Neste ponto e da maneira mais arrogante possível, vou escrever apenas quod erat demonstrandum.
Fica apenas por dizer qual é aquela última chance que o meu coração de manteiga vos concede. Trata-se nada mais e nada menos, de economia de merceeiro. É política oficial do FMI que cada tonelada de dióxido de carbono injectada na atmosfera representa um subsídio implícito de $25 dólares — aquilo a que os economistas chamam "externalidades" — que os governos de todos os países do Mundo dão (!) aos produtores de combustíveis fósseis. Acontece também, que existe um relatório brilhante, inicialmente escrito para ser apenas lido pelo senhor Barack Obama, mas posteriormente desclassificado, que estabelece, e aprecie-se a coincidência, um custo de $25 dólares por tonelada de dióxido de carbono a ser capturado da atmosfera e segregado em estratos geológicos apropriados. Existe uma terceira alternativa e tem exactamente o mesmo custo, $25 dólares por tonelada de dióxido de carbono a não ser emitido. Foi neste ponto que eu perguntei ao merceeiro da minha rua qual das três alternativas é a melhor. Fez-me apenas uma pergunta: qual das três é que gera mais emprego e mais actividade económica? Respondi que a primeira não gera nada, consiste apenas em deixar tudo como está; a segunda gera alguma coisa, mas tão pouco emprego, que quase nem vale a pena falar nisso; a terceira, essa sim gera ambas as coisas e com números muito elevados. "A terceira" e agora contem piadas a respeito de merceeiros.(5)
A China e a Índia foram e durante muitos séculos, responsáveis por mais de metade do Produto Interno Bruto do Planeta, algo que os USA apenas conseguiram aproximar durante e imediatamente após a 2ª Guerra. Pessoalmente, acho o caso chinês o mais interessante. Quando a China conseguiu libertar-se do jugo mongol, os novos dirigentes decidiram que a China não precisava mais do exterior, precisava isso sim, de se proteger das ameaças externas. O resultado foi a construção da Grande Muralha e vários séculos de isolamento e decadência. Quando os centros de gravidade, económicos e políticos — e a respeito dos culturais, a questão é apenas o "quando" — regressam ao Oriente, estão apenas a reocupar aquela que foi a sua posição natural, durante muito tempo.
A Grande Muralha da China é a única construção humana visível a partir do espaço, para os chineses representou uma tragédia, mas da qual se estão a libertar. Vocês, europeus (incluindo os que não sabem que o são, ou que não o querem saber) estão à beira da mesma decadência, e a vossa nem sequer requer barreiras físicas. A vossa última oportunidade para a evitar é europeia e é a última. Por isso, FAÇAM AS VOSSAS ESCOLHAS!
Pareceu-me um matemático... Franklin Roosevelt, a respeito de John Maynard Keynes
Vamos imaginar que eu sou o executivo duma companhia de petróleo. Nada de coisas mixurucas, uma das Grandes Irmãs.
Sendo um "homem do petróleo", eu não sou um CEO de aviário; nasceram-me os dentes dentro do ramo e conhece-o como a palma das minhas mãos. Como também gosto mais de dinheiro do que da minha família toda, o estado das coisas não me agrada. E sendo um homem do petróleo, aquele calo no sítio onde os macacos se sentam, diz-me que tenho ao meu dispor o maior corpo de conhecimento, jamais acumulado por qualquer empresa privada. Está na hora de tirar partido dele. Fui ter com o meu pessoal de Investigação & Desenvolvimento e disse-lhes isto:
— Meus senhores, como é do vosso conhecimento, o nosso espectro de produção é 40-20-40 (50-10-40 na versão americana). 40% de produtos leves, de alto valor e alto preço. Mais 20% de produtos intermédios, de valor ainda muito interessante. Finalmente, 40% de produtos pesados, coisa de uva mijona. Não perdemos dinheiro com a uva mijona, mas não consegue passar disso. Portanto, quero que vocês me digam o que é preciso e quanto é que vai custar, para que daqui a 10 anos, o nosso espectro passe a ser algo como 60-30-10. Não mais de 10% de uva mijona.
Eles fizeram lá um daqueles conciliábulos, por sinal bastante rápido, para o que é comum na malta de I&D, e responderam-me:
— Olha, boss. Isto não tem nada que saber. O hidrogénio é o elemento mais abundante do Universo, mais de 30% da sua massa total é hidrogénio e o que para aí não falta é água. Abre os cordões à bolsa e daqui a dez anos (ou menos) tens aquilo que pretendes.
Eu disse-lhes "Muito bem. Preparem tudo, porque eu tenho que verificar mais um pormenor. Depois dou-vos a resposta final". Fui ter com os meus contadores-de-feijões, com os meus economistas e coloquei-lhes o assunto.
— Caríssimos, o nosso pessoal de I&D assegura-me que daqui a dez anos, poderemos estar a produzir muito mais gasolina e muito mais gasóleo, e muito menos fuel pesado. Vai-nos custar os olhos da cara, mas mais do que vale a pena. Ora a situação é simples: aquilo que vendermos hoje ao preço do fuel, não vamos ter amanhã, para vender ao preço da gasolina. Por isso, quero que digam qual deve ser a percentagem das nossas reservas que devemos guardar, para este propósito.
Estes, nem piscaram os olhos. A resposta foi imediata:
— Zero, boss. A resposta é ZERO! Mantém-te firme nos essenciais: Drill, baby, drill! Burn, baby, burn! Lembra-te do principal de HH.(1)
Foi nesta altura que eu decidi estar na hora de os "homens do petróleo" começarem a untar a barriga com manteiga de amendoim e darem lugar aos produtos de aviário. No fim de contas, os Mexias deste Mundo têm tudo o que é necessário para os tempos que correm, e ainda conseguem ser mais malandros do que eu.
Esta história é completamente inventada, mas os pontos essenciais não são. Em particular, a resposta final dos contadores-de-feijões. Está connosco desde 1931 e é matemática pura; Teoria dos Conjuntos, pura e dura. A citação inicial é um fait-divers sem qualquer importância na actualidade. Roosevelt e Keynes sabiam bem da sua influência mútua e, aquando duma deslocação académica de Keynes aos Estados Unidos, foi arranjada aquela entrevista, a única entre os dois homens. Não saltou qualquer patanisca. Keynes assumiu a posição snob dum dandy inglês, sim, aquele americano era um rapaz bem intencionado e esforçado mas..., não passava dum labrego lá das berças do Novo Mundo. Roosevelt foi muito mais sintético. Disse apenas aquela frase, que na época e sendo aplicada a um economista, era um insulto subtil e profundo. A sofisticação matemática não era nada bem vista, os economistas deviam limitar-se a recolher dados e interpretá-los, usando o bom senso e o seu conhecimento da economia real. Harold Hotteling viu o seu trabalho ser rejeitado por diversas revistas académicas, devido à sua "dificuldade matemática" e o Journal of Political Economics, da Universidade de Chicago, publicou-o antecedido de solenes avisos: "Cuidado, que este assunto requer uma sofisticação matemática fora do comum".
Aquele trabalho seminal não foi ignorado, nada disso. As folhitas de cálculo do gaspar hão-se de estar mais pranhas do que um ovo com as fórmulas de Hotteling, nenhum economista lhes consegue escapar. O que eles não querem que se saiba, são as conclusões, tão puramente matemáticas como o resto. As "duas economias" não são invenção minha, são a conclusão incontornável da análise de Hotteling. As economias de recursos renováveis podem ser tudo e mais alguma coisa, e à vista do pano é que se talha a obra; as economias de recursos exauríveis são loucas, e, mais do que isso, são um exemplo do falhanço total do mercado.
Num quadro de recursos não-renováveis, existem apenas três estruturas possíveis e todas três são más. A pior (dificilmente alguma vez terá existido) é o mercado livre. A outra a seguir (a mais comum, na prática) é o duopólio; podemos associá-lo à ideia de cartel, embora vá para além disso. A alternativa menos má é o monopólio. Hotteling comentou como, em algumas hipóteses sendo verificadas, os monopólios públicos conseguem ser ligeiramente melhores, ligeiramente menos negativos (!) do que os monopólios privados. Mas não mais do que isso. A economia de recursos exauríveis é amaldiçoada, culpem a Teoria dos Conjuntos.
Tudo isto nos leva ao Hans. Ao meu e ao Hans real, o mais importante. No fim de contas, seria inconcebível que a mesma cultura que produziu Leibniz e Kant, tivesse ficado reduzida a produzir clones rastejantes do Fritz.
Hans-Werner Sinn é professor de economia e reparou num pormenor paradoxal: à medida que as alternativas renováveis se vão tornando mais eficientes e mais acessíveis, os donos de recursos fósseis são presenteados com a escolha entre venderem hoje a baixo preço e venderem amanhã a um preço ainda menor. Adicionalmente, se os donos dos fósseis forem confrontados com a possibilidade da introdução de controlos regulatórios, obrigando-os a manter uma parte das suas reservas no subsolo, isso irá aumentar a pressão para os extrair e vender o mais rápido possível, enquanto essa regulação não existe.
Acontece que, e isto não é para provocar o Hans, o paradoxo não tem que ser verde. Como foi que a Alemanha Nazi travou a 2ª Guerra? Foi um conflito já muito mecanizado e os alemães nunca tiveram acesso a outras fontes petrolíferas, para além dos campos de Ploesti, na Roménia, que nunca foram grande espingarda. Como foi que eles conseguiram? A resposta: com o recurso a combustíveis sintéticos. Mais de 75% de todos os combustíveis líquidos, usados pela máquina militar-industrial nazi, foram destilados a partir do carvão. São ainda mais porcos do carvão, mas isso é irrelevante para o meu argumento. As patentes-base datam do início do século XX, tanto o processo de Bergius como o Fischer-Tpropsch têm mais de cem anos. No início deste século e perante o aumento dos preços petrolíferos, resultante da procura chinesa, algumas empresas americanas tentaram voltar a utilizá-los. Falharam, porque o mercado com que eles contavam para o arranque lhes foi vedado. A administração Bush, que negava as alterações climáticas, usou a legislação ambiental, herdada das administrações Clinton, para proibir (!) o Pentágono de comprar combustíveis sintéticos destilados do carvão. E pronto, já disse tudo de positivo que sou capaz de dizer a respeito do George W.
O paradoxo não tem que ser verde, qualquer alternativa produzirá os mesmos efeitos, o Hans sabe-o bem. E o que é que ele propõe? David Hilbert e Karl-Fiedrich Gauss concordariam, Beethoven seria capaz de compor uma sinfonia em sua honra. Hans-Werner Sinn propõe um Monopólio Mundial e um Governo Mundial.
Ah! É um governo mundial muito suave, muito kantiano. Baseado nas Nações Unidas e capaz de ser construído gradualmente e por consenso. Mas não é menos mundial por isso, nem menos monopolista, por melhor que o autor o disfarce e fá-lo muito bem e de forma muito convincente. Em absoluto, vale a pena lê-lo. Nem sequer me importava de dar para este peditório. Pura e simplesmente não acredito que a urgência do assunto o permita.
E pronto! Isto conclui as maldições e confesso que escrevo estas frases com um suspiro de alívio. Resta o mais importante, a superação, mas as cores são outras. Vamos começar com um poema.
Vastos, vastos, nove rios atravessam a China E apenas um caminho-de-ferro de Norte a Sul Mao Tse Tung — Para onde foi o Grou Coroado? (2)
Há quanto tempo vivemos em crise? Pergunto-me, perdi definitivamente a conta de quando foi a primeira vez que ouvi falar que estamos em crise, é como se o facto de estar em crise se tivesse tornado numa condição permanente neste país, há muito tempo que estamos em crise, muito antes de terem entrado o FMI e a Troika, eram outras crises domésticas e de pouca importância, pensávamos nós, mas que confluíram no desastre actual. Como é que deixamos e permitimos que isto acontecesse? Como é que permitimos que tivessem usado e abusado do nosso dinheiro em coisas que não serviam o país? Como é que nos deixamos adormecer desta maneira e que agora nos está a custar imenso a acordar? Como deixamos que outros direcionassem um caminho errado para o país e consequentemente para as nossas vidas? Sabemos que as coisas estão mal, sabemos que com o caminho actual não irão melhorar, antes pelo contrário irão agravar-se, sabemos que nos estão literalmente a roubar e já não é de agora, sabemos que nos mentem diariamente, também já não é de agora, e até sabemos o que deveríamos fazer ou o que é necessário fazer, assim desejamos realmente agir segundo o que sabemos? É com esta pergunta que nos deparamos numa espécie de beco sem saída, deixamos que outros controlassem as nossas vidas e o país que nos tornamos preguiçosos, eles que tratem disso que a economia e a política são muito maçadoras, o melhor é não dizer e nem fazer nada por que eles mandam e têm poder, e assim foi moldado e formatado o cidadão, não só de Portugal mas um pouco em todo o lado, acomodado e apático. A crise está a trazer muitas mudanças, o país está mesmo a mudar, uma das mudanças, parece-me, é a que o cidadão comum está a acordar, agora falta com que ele aja e encontre por ele e em colaboração com outros cidadãos as alternativas que não estão nos memorandos assinados nem nas vontades políticas dominantes, mas que existem.
"Na foto de José António Rodrigues, um homem come entre caixotes de lixo em Rabo de Peixe, São Miguel, Açores."
"O livro "12.12.12" é lançado amanhã: 12 fotógrafos fazem o retrato de um dos anos mais difíceis da história recente de Portugal, um país mergulhado na crise. Nesta fotogaleria, cada um deles fala de uma imagem do projecto: http://is.gd/D0Ro2Z" [Fonte: Público]
Isto da crise, dos mercados, da troika, do governo-fantoche. Isto desta democracia que de democracia mantém apenas o nome, em que o povo vota e é o próprio governo eleito, bem sei que não se elegem governos, e é o próprio governo eleito que abdica de governar, aceitando ser testa-de-ferro de um casal franco-atirador, perdão, franco-alemão. Casal que, por sua vez, é a voz de donos bem mais poderosos. Isto é tudo uma farsa. Petróleo e armas, tudo se resume a isso, é certo. E nem ousem chamar-me ingénuo, vós que acreditais em mercados sem ser os do peixe e da carne; vós que por eles se governam. Outra ficção. A democracia funciona, que Não restem dúvidas, a questão é que já há muito que não vivemos em democracia. A ilusão da liberdade de expressão, com essa é que eles nos levaram. Por aí nos deixámos perder. Deram-nos a ilusão da vitória, a ilusão que contamos para a decisão. E enquanto olhávamos para outro lado, deliciados com tanta liberdade, não nos apercebemos que nos iam enfiando uma camisa de onze varas (são onze, não sete) e conduzindo como um rebanho. Para aqui. E aqui chegados, para aqui empurrados, pintam-nos as casas de azul e nós dizemos que sim, depois arrancam-nos o tecto e rebentam com as paredes. E nós que sim. Que a gente cá se governa, mal ou bem, cá se vai andando. Afinal se nos juntarmos todos, assim muito juntinhos, nem sentimos o frio. É mesmo necessário, não é? Então seja. Levem o que quiserem. Os dedos? Se tiver de ser, que já não tenho anéis e não preciso dos dedos para nada. Levem, levem. E se me apanharem a pisar a relva, abatam-me. É a lei que diz. Agora não se pode pisar a relva. É um dos muitos crimes ora punidos com a pena capital. Parece que tem de ser, que a pirâmide inverteu-se e estamos a viver demasiado tempo e depois somos um estorvo para o Estado. É muita gente dependente, gente que já não produz. E o Estado Social assim não se aguenta. Agora puseram-nos este chip explosivo na cabeça com relógio a apontar para os 65. Que temos de compreender. E a gente compreende, caramba. Há que respeitar o défice. São uns números que têm de ser assim pequeninos, percebem? E as empresas fecham e as pessoas morrem à fome ou com falta de ar; agora que se paga para respirar há muitos a quem cortam o ar. Sem pré-aviso. Diz no contrato que já vinha assinado nos dois lados. Que nos cortavam o ar. Um vizinho meu morreu assim, depois de ter sobrevivido duas semanas a respirar-me o ar que se me fugia pela porta mal calafetada. Mas a gente habitua-se a tudo, até às injecções na testa que agora temos de levar todos os dias. É tudo pelo país, catano. É para trabalhar mais tempo sem que nos venha o sono, que as dezoito horas diárias afinal não chegam e tiveram de passar para as vinte e duas. E nós vamos andando, de sorriso tatuado no focinho, que também saiu uma lei que a isso obriga. E o trabalho liberta. E agora chamam-me para o banho; espero que seja desta, espero que seja desta, espero que seja desta... Tem sido uma desilusão ver água sair daquelas torneiras. É que começo a ficar cansado, dói-me o corpo todo. E tenho saudades do início deste post, em que a vida era mais fácil. Isto é tudo uma farsa, percebem? Nada disto é fado, basta acreditar que é possível uma só pessoa mudar o mundo. E se forem duas já são duas. E assim por diante. É que isto é tudo uma farsa, percebem?
Sempre tive problemas com a memória. Nunca consegui decorar nada sem um esforço sobre-humano. Por outro lado, nunca esqueci nada que tenha compreendido. Uma vez percebido o mecanismo, nunca mais o esqueço. Este pequeno texto serve para desmontar a mais porca mentira, dita pelos mais porcos deste miserável País. A mentira é esta:
--- É saudável que muitas empresas vão à falência, porque isso retira de cena os menos competitivos e deixa espaço aos mais capazes.
Recordo-me de ouvir e ver estas palavras saírem a par de inúmeros gafanhotos da boca de um porco, que na altura era uma sumidade ministerial.
Depois de lançada a alarvidade para justificar a miséria causada pela perda de competitividade oriunda das privatizações energéticas e de outros crimes lesa-pátria, muitos foram os que a repetiram.
E aumentaram impostos, e as empresas faliram E era bom! E liberalizaram os combustíveis e as empresas faliram ainda mais. Era bom! E aumentaram ainda mais os impostos… Faliram? Que bom que é!!! E veio a tanga do Durão! E elas faliram!!! Espectáculo! E depois o rigor e os PECs do Sócrates! Faliram mais? Óptimo! E agora a austeridade troikiana do Passos. E vai falir o resto! Maravilha!!!
É MENTIRA!
Quem faliu primeiro foram os honestos. Os que não esfolavam os clientes. Os que pagavam os impostos todos. Os que não tinham contratos de renda garantida. Os que não lavavam as mãos dos políticos com tachos e panelas. Foram ficando os que fugiam, os que não pagavam impostos, os que estavam em monopólio, etc. E agora que faliram entre 40 e 60 mil empresas por ano durante 15 anos, quem vai pagar impostos???
Não é preciso impostos. É preciso expropriar o fanhoso mentiroso que inventou a mentira. É preciso ir buscar o saque. É preciso responsabilizar quem fez isto. Quantificar o saque e ir buscar à propriedade privada dos ladrões. Porque o dinheiro e os bens estão cá!!! Porque Portugal é um paraíso para lavar dinheiro! Para ter mansões, palácios e para passear os Bentleys.
Gostava que tudo isto fosse uma tabuada para esquecer. Mas não é. É demasiado fácil de perceber e impossível de esquecer.
O poder nasce no cano duma espingarda. – Mao Tse Tung
O dinheiro fala... – Provérbio anónimo americano
Conhecimento é poder. – Roger Bacon
Foi com estas três citações que Alvin Toffler iniciou o seu livro Powershift – O Deslocamento do Poder, "Os Novos Poderes" na tradução portuguesa. É caso para dizer que estamos perante uma entrada de leão, se alguma vez existiu alguma.
Toffler reflectiu sobre a natureza do Poder e identificou aquelas três componentes essenciais: o poder da violência (monopólio do Estado-Soberano, espera-se), o poder económico e o poder do conhecimento. Um tripé! A estrutura de apoio mínimo que garante o equilíbrio; se, ou enquanto a vertical do respectivo centro de gravidade passar pelo triângulo formado pelos seus três apoios. Por outras palavras, desde que o tripé não esteja manco.
Se atentarmos na primeira e na terceira citações, verificamos que são sintéticas e directas. A do meio, é um acto falhado. O autor estava a referir-se ao poder económico, e no entanto..., falou em dinheiro. Sendo americano, poderia, por exemplo, ter citado "O que é bom para a General Motors, é bom para a América", certo ou errado, seria algo mais em consonância com a maior potência industrial que o Mundo já conheceu. Em vez disso, citou aquele provérbio ordinário ("...and bullshit walks"). Terá sido acto falhado, ou reflexo premonitório inconsciente? Talvez apenas o prenúncio daquilo a que a voz do povo associa às tais entradas de leão, ou seja, saídas de sendeiro, facto aliás comum num autor interessante a muitos títulos.
Mas vamos deixar estes aspectos de lado e vamos olhar para a frase de Bacon. Escrevendo nos finais dos anos oitenta do século passado, Alvin Toffler anteviu de forma brilhante o potencial revolucionário daquilo que, nessa altura, ainda era pouco mais do que uma experiência militar e a que hoje chamamos Internet, associada ao crescimento exponencial do poder de cálculo dos computadores. Depois, Toffler confundiu conhecimento com informação.
O que teria Roger Bacon pensado a respeito desta distinção? Penso que lhe teria parecido bizantina. No fim de contas, seja lá a informação o que for, é a matéria-prima do conhecimento e, naquele tempo, os conhecedores profundos eram também os principais receptáculos de informação. E foi, por exemplo, com o poder dessa informação e desse conhecimento, que os seus compatriotas chamaram um figo àquela nada invencível amálgama de embarcações mediterrânicas que Filipe II de Espanha enviou contra eles, ignorando até que reinava sobre o país que, na época, dominava as técnicas da artilharia naval.
Mas afinal, o que constitui aquele Terceiro Pilar? A informação ou o conhecimento? Podemos ser tentados a uma resposta ingénua: "o poder de controlar os fluxos da informação". Durante milhares de anos, este foi um atributo do Primeiro Pilar; depois transferiu-se para o segundo. Por lá continua, por mais que valorizemos estes novos meios de comunicação, como o que estou a usar neste momento. O que é realmente poder, conhecimento ou informação? A minha resposta: nem uma coisa nem outra.
Letrados como eram, tanto Genghis Khan como o seu teta-tetra-neto Akbar, concordariam com a estrutura proposta por Toffler. A grande diferença, é que um teria apostado no desequilíbrio dessa estrutura e o outro no seu equilíbrio. O poder não é o tripé; o poder é a capacidade de influenciar o ponto onde a tal vertical do seu centro de gravidade cai. Como teriam ambos tratado, por exemplo, a mais recente iniciativa do ministro Crato? Genghis, com as suas centenas de filhos varões, tê-lo-ia tratado como bastardo, tornado-o mais baixinho e eliminando assim aquele apêndice inútil em cima dos ombros; Akbar, apesar da sua postura contrária, teria feito exactamente o mesmo, talvez ainda mais depressa, uma vez que a cristalização social hindu foi um dos seus alvos preferidos durante décadas. O Crato, ministro, irá conservar a cabeça em cima dos ombros, episódio ridículo, apenas, consequência daquilo a que chamamos progresso.
Estou-me nas tintas para o ministro. O poder tem de facto, aquela estrutura que Alvin Toffler identificou. Mas o Poder, verdadeiro, consiste na capacidade de influenciar os seus equilíbrios ou desequilíbrios. Entfremdung e Verbindung, assim, em alemão, para dar um ar de seriedade e profundidade.
Karl Marx foi um autor de escrita contundente, mas neste particular, tentou suavizar o impacto ao máximo: Entfremdung tem o sentido de "...separação do que está naturalmente em harmonia"; Verbindung é o seu oposto: ....união do que está separado contra natura. As línguas latinas atraiçoaram aquele propósito original: Alienação tem a violência, talvez adequada, que o autor evitou. A alienação entre o ser humano e o produto do seu trabalho, consequência do modo de produção industrial; a alienação entre o ser humano e a comunidade que é a sua. A alienação entre o conhecedor e o produto mecânico do conhecimento; a alienação entre a economia real, onde tudo se produz, e o saque dessa produção.
"En definitiva, sí hay alternativas a este desastre económico. La crisis hay que pagarla porque el ajuste capitalista lo exige, pero la cuestión política está en quién lo paga. Ahí es donde entra la política y el enfoque de clases sociales. Las alternativas no son gratis pero son las que nos pueden permitir escapar del abismo al que inevitablemente nos conducen la troika y sus vasallos." [Kaos en la Red, por Alberto Garzón Espinosa]