E não há acordo! Nem com a intervenção da Santa Madre Igreja. Para dizer a verdade, achei o secretário-geral do PS mais "homenzinho", digamos. Até nem se saiu nada mal daquele assédio ridículo que tudo quanto é voz mediática lançou sobre o Partido Socialista. Voltámos ao ponto de partida. Então e agora, sr. Presidente?
Nos últimos dias, aquele rapazelho..., digamos, de nariz incontinente, que ainda nos desgoverna, parece ter entrado em negação absoluta. Ainda ontem re-afirmou a sua intenção de fazer da víbora Portas o seu vice. Mais dois ou três dias, vai estar a comandar o contra-ataque do exército Heinrici a partir dos Montes Seelow. O Pedro é ridículo e mais ridículos ainda aqueles que fingem levá-lo a sério. Pode ser que a situação tenha atingido um qualquer ponto de não-retorno: hoje, foi publicada uma sondagem local que dá para Lisboa, 16,7% de intenções de voto ao psd+cds. Talvez os portuguesas não sejam tão isentos de espinha como às vezes parecem.
E agora..., o sr. Presidente excluiu ontem a hipótese de um governo de iniciativa presidencial. Em face disto tem exactamente duas hipóteses: convocar eleições ou dar posse ao vice do Pedro, fazendo uma monumental figura de asno.
É um nome lindo, camarada É um nome lindo, tu sabes Que casa cereja e romã Com as cem flores do mês de Maio
Nas últimas eleições legislativas, votei duas vezes no Bloco de Esquerda. Literalmente. Preenchi dois boletins com a cruzinha na mesma posição. O primeiro foi parar à urna de voto, o segundo, à maleta dumas miúdas simpáticas que estavam a efectuar uma sondagem à boca da urna, para a Universidade Católica. Em face da correspondência muito próxima entre os resultados daquela sondagem e os totais nacionais, sou dos muito poucos que podem afirmar terem uma certeza quase absoluta de o seu voto ter contado.
O meu voto contou. Essencialmente, serviu para legitimar a agressão que se abateu sobre este País. São as regras do jogo, nada de essencial muda quando votamos vencido. E também por isso, continuam a aplicar-se as palavras do Jean Ferrat, naquela primeira quadra acima. Sim, é um nome lindo, camarada, mais ainda quando evoca o "...é proibido proibir...", do Maio de 68, na sua referência inequívoca ao período das Cem Flores, "Que cem flores floresçam / Que cem escolas de pensamento debatam livremente"</em>. Mas deixemos Mao Tse Tung em paz. Os Povos votam (os que o podem fazer), usam a sua liberdade, inclusive, para permitir a actuação dos inimigos dessa liberdade. São as regras do jogo.
Durante anos, camarada Durante anos, sabe-lo bem Apenas com o teu nome por canção Os lábios floresciam
E no fim de contas, só é derrotado quem desiste. E no fim de contas, quem, neste País, se atreverá a dizer que não valeu a pena? Os tais inimigos da liberdade e esses não me interessam. Os outros, desde os que têm uma memória física do antes do 25 Abril de 1974, até aos que aprenderam os factos nos livros de História, sabem que os lábios floresceram; não tanto quanto queríamos, mas floresceram. E aquela coisa, essencialmente difusa, a que chamamos Esquerda tem aí muitas das suas coroas de glória.
É um nome terrível, camarada É um nome terrível para ser dito Durante o tempo duma mascarada Mais não faz do que tremer
Se parássemos neste ponto, estaríamos a passar moeda falsa. Não vou falar das lutas internas da República, durante a Guerra Civil de Espanha, nem sequer da única acusação invalidada no Tribunal de Nuremberga. Os espanhóis que se pronunciem sobre os primeiros factos e os polacos que façam a paz possível como os outros. Mas outros factos, mais próximos de nós, estão ainda em cima da mesa. E o Jean Ferrat não se esqueceu deles.
Que vens fazer, camarada? Que vens fazer aqui? Foi às cinco horas de Praga Que o mês de Agosto se obscureceu.
Foi às cinco da manhã de 21 de Agosto de 1968, que os exércitos do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia. E aquelas foram exactamente as perguntas que os jovens de Praga e de outras cidades, fizeram aos miúdos atarantados, que tripulavam os tanques soviéticos. E eles não sabiam. Provenientes, na sua maioria de unidades estacionadas na Ucrânia, estavam convencidos que a guerra tinha rebentado e que estavam na então Alemanha Federal; era o que os veteranos de '45 lhes tinham dito: "Quando vocês já não conseguirem ler os sinais de trânsito [por já não estarem escritos em cirílico], isso quer dizer que estão na Alemanha...".
É um nome lindo, camarada É um nome lindo, tu sabes Com o meu coração batendo a chamada Para que ele renasça para sempre. Casando cereja e romã Às cem flores do mês de Maio
Não, a Esquerda não pode assumir qualquer postura de superioridade moral, a menos que seja capaz de olhar para os esqueletos que tem no armário. Os franceses fizeram-no, após a libertação de 1944; à maneira deles, pelo pacto do silêncio. Fizeram-no. Os italianos fizeram-no, pelo Compromisso Histórico. Então e nós? Nós, hoje, 3 de Julho de 2013, quer-me parecer que, colectivamente, ainda não percebemos a profundidade da crise que nos atinge e a natureza extrema da agressão a que estamos sujeitos. Na minha qualidade de alguém que vota em dobrado no BE, quero afirmar que a cultura do protesto, por mais justo e correcto que seja, não leva a lado nenhum.
Será que a tal "superioridade moral" vai continuar a permitir apontar o dedo numa única direcção? Existem muitos e bons motivos para esse apontar, mas e a urgência nacional? "Não vale a pena, o TóZero é um zero...". Pois muito provavelmente é, mas que caminho é que se faz se não lhe metermos os nosso próprios pés? Cada vez mais me convenço de que vocês ainda não perceberam até que ponto a crise é urgente, e de que não fazem a menor ideia do que está para vir. Amanhã estará mais claro e no dia a seguir ainda mais.
A austeridade é a velha história das roupagens novas do Imperador. Ninguém, do alto da sua respeitabilidade, se atreve a dizer que não existem. Resta-nos a ingenuidade das crianças, mas que ninguém se iluda, o primeiro Povo, neste continente mártir, que se atrever a dizer "...o Rei vai nu..." vai ser sujeito a uma agressão que tornará as pressões obscenas sobre os gregos, durante as eleições de 2012, numa mera brincadeira. É este o nosso futuro próximo. Vamos a ele!
Duvido que esta venha a ser a conclusão final. A escolha do local tem um peso simbólico muito grande, do lado de lá do Atlântico. Georgetown é a escola da governação e da administração pública e há séculos. Por isso, sinto-me capaz de fazer uma aposta: Barack Obama irá anunciar o fim do pipeline Keystone. Está em muito mau estado, a Columbia Britânica anunciou recentemente a proibição da versão mais curta. Não é vinculativa e o governo federal canadiano pode anular a decisão. Não pode ir contra a decisão daquilo a que os canadianos chamam As Primeiras Naçãoes e estas opõem-se frontalmente. De forma mais resumida, o caminho mais curto (cerca de 600 milhas) para o escoamento das areias betuminosas da província de Alberta está vedado; resta o mais longo (cerca de 5 vezes mais) até ao Golfo do México. Pode acabar amanhã, o assunto está dentro do âmbito do poder executivo do presidente americano.
Se isto acontecer, ou quando isto acontecer, será rigorosamente a primeira vez na História em que um produtor maior de hidrocarbonetos fósseis se verá impedido de levar o seu veneno até aos sagrados mercados. Claro que também é possível que o senhor Obama queira afirmar de facto a tal "liderança americana" e anuncie o estabelecimento de limites fixos ("hard cap") para a emissão de dióxido de carbono. Se o fizer, estará efectivamente a antecipar-se ao governo chinês, que pondera fazê-lo para 2016, mas a este respeito, se alguém me desse vinte euritos para apostar, eu colocaria cinco no "sim", outros cinco no "não" e guardaria o restante para mim.
Vem tudo isto também, a respeito do pronunciamento recente da Presidenta Dilma. Ficámos a saber que o Brasil irá reservar as receitas do petróleo para investir na educação do seu Povo. Acontece que o "petróleo brasileiro" ainda não existe.
Enquanto produto vendável, ainda não existe. Está naquela fase do trólaró que eu já referi nestas páginas. É um produto de muito má qualidade, azedo (o que quer dizer, com elevado teor de contaminantes) e inusitadamente ácido; comparado com a rastemenga canadiana continua a ser um néctar de deuses. Parece que o Brasil planeia fazer com ele algo semelhante ao que a minúscula Noruega fez com o petróleo do Mar do Norte. Não o irá conseguir, e sim, existe algo de profundamente injusto em tudo isto.
Ha-Joon Chang chamou-lhe "...dar um pontapé no escadote...", como se alguém usasse um escadote para subir à altura pretendida, e depois lhe desse um pontapé, para evitar que outros consigam seguir na sua peugada, e sim, é exactamente isso que os freis tomases da mundialização fazem. Acontece que, neste caso, é a única coisa a fazer: 80% das reservas fósseis conhecidas são in-queimáveis e esta é a mãe de todas as bolhas financeiras. Tudo somado, desde a bolha japonesa do início dos 1990's, passando pelos sub-primes americanos da última década, até às desgraças europeias presentes, não passam de bolinhas de sabão, sopradas por uma criança.
O Mundo até pode começar a acelerar amanhã mesmo. Como o mostra o caso brasileiro, nada será simples. Um chinês diria provavelmente "...que possas viver em tempos interessantes...", sem nos explicar que há muito de maldição naquela prece. Por esta triste Europa, as direitas mais rançosas e as esquerdas mais inúteis, acusam-se mutuamente de reaccionarismo e de acordarem os velhos demónios. Ambos têm razão. A nós, ficam-nos apenas as perguntas do Pete Seeger: "Quando iremos aprender?"
Where have all the flowers gone? Long time passing Where have all the flowers gone? Long time ago Where have all the flowers gone? Girls have picked them every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the young girls gone? Long time passing Where have all the young girls gone? Long time ago Where have all the young girls gone? Taken husbands every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the young men gone? Long time passing Where have all the young men gone? Long time ago Where have all the young men gone? Gone for soldiers every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the soldiers gone? Long time passing Where have all the soldiers gone? Long time ago Where have all the soldiers gone? Gone to graveyards every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the graveyards gone? Long time passing Where have all the graveyards gone? Long time ago Where have all the graveyards gone? Covered with flowers every one When will we ever learn? When will we ever learn?
O senhor Miguel, o Sousa Tavares da actualidade, é um opinador profissional. Vamos dizê-lo sem segundos sentidos: tem uma máquina de escrever enorme e uma tribuna à medida da sua máquina. O Tavares, o Miguel que nos calhou em sorte, acha que os professores abusaram do seu direito à greve. O Sousa, o Tavares que já o era antes de ser o Miguel, andou na escola da D. Constança. Se não fosse por isso, não me daria ao trabalho de escrever estas linhas. No fim de contas, não quero saber das opiniões, nem do Tavares, nem do Sousa, e ainda menos do Miguel. Distância! Apenas distância, não fora a D. Constança.
Também andei numa escola parecida. Situada na Grande Lisboa, não tinha o tal frio granítico. E lembro-me relativamente bem das casas de banho, exactamente e apenas porque não tinham nada de especial e chegavam para todos. O recreio da minha D. Constança não tinha lama no Inverno. Era um espaço relvado, numa pequena escola privada, empresa familiar, onde a irmã da D. Constança tratava das refeições. Lembro-me dela, não me lembro dos almoços, o que, em vista da minha esquisitice permanente, me diz que deviam ser bastante razoáveis. Mas o que eu recordo melhor, foi o choque que senti, ao aperceber-me que uma parte substancial dos meus colegas se iriam ficar pela 4ª classe. Acho que foi a primeira vez na vida que percebi o significado de injustiça.
Voltei a ter o mesmo sentimento, dalguma forma mais trágico, já nos tempos da actualidade, quando ouvi, contada na primeira pessoa, a descrição dos tempos modernos do meu País. Era uma escola secundária, já universal nalgum sentido, mas situada numa zona "problemática". Os conflitos eram constantes, mas esta D. Constança era (e é!) uma mulher de armas, do tipo "...vamos arregaçar as mangas e começar e empurrar o comboio...". O ambiente da escola melhorou, não de imediato, mas todos o sentiam. Os resultados não e esta D. Constança actual reuniu os alunos e disse-lhes exactamente isso: "...Já fizemos muito e também vamos ultrapassar este problema...". Um dos alunos respondeu-lhe: "...sôtora, você é porreirinha e o pessoal aprecia. Mas não se mace, isto é tudo material para caixas de supermercado".
O Miguel mais os seus 79 colegas, não me interessam para nada e as opiniões do Tavares ainda menos. Constato apenas que, para as começar a enunciar, o Sousa teve que mentir. O Miguel mente, quando diz que os professores finlandeses ganham menos do que os portugueses e que trabalham mais. Talvez não seja exactamente mentira, porque o qualificativo "proporcionalmente" me faz suspeitar que o Sousa seja econometrista, logo será este apenas um assunto de deformação profissional.
O Tavares afirma que Portugal faliu. Neste momento, continuo convencido que, no que aos factos diz respeito, é (ainda) um exagero e no que que respeita às opiniões é apenas um peido. Uma daquelas 23 coisas que não te disseram a respeito do capitalismo, mais exactamente a 3ª, mostra-nos que os países pobres não o são por os seus cidadãos de menores recursos serem calões e pouco produtivos, mas sim porque as suas elites são medíocres e incompetentes. As mesmas elites das quais o Sousa, mais a sua máquina de escrever, fazem parte. Quanto a opiniões, o assunto é ainda mais simples: são como os peidos; cada um tem as suas e acha que as dos outros cheiram mal. Acontece apenas que os do Miguel são particularmente fedorentos.
Bem-vindos ao Admirável Mundo Novo! Uma mãe-solteira do estado americano do Utah, conseguiu recentemente vender a sua testa (!), recebendo USD $10 000 por fazer uma tatuagem permanente, publicitando um casino online; as tatuagens temporárias valem menos, para quem estiver interessado. Em algumas cidades da Califórnia, os presos (por crimes não violentos) podem pagar $90 por noite, em troca do privilégio de terem uma cela individual, calma e confortável, sem que os presos não-pagantes os incomodem. Por USD $7 500, qualquer um se pode oferecer para testar novos produtos farmacêuticos, com o preço final dependendo dos efeitos do produto e do desconforto previsível do teste. Ainda não se podem comprar crianças, mas já é possível alugar o útero duma mulher indiana por $8 000. Porquê parar? Se alguém se disponibilizar para ser um escravo temporário (digamos, por 14 anos, como no Velho Testamento), não terá grandes dificuldades em encontrar empresas online, dispostas a disponibilizar o produto nos mercados adequados; a troco de uma comissão adequada, claro, mas é assim que o mercado funciona. É assim que se implementa aquele princípio sacrossanto da liberdade de contrato, que Adam Smith e os seus fiéis todos os dias juram defender. Em nome do progresso, pois com certeza.
O filósofo americano Michael Sandel faz-nos estas e outras perguntas da forma mais directa: O Que É Que Não Está À Venda? No fim de contas, todos aqueles exemplos (e muitos outros), mais não são do que o exercício daquela liberdade essencial. Num ponto qualquer do caminho, deixámos de ser Economias de Mercado para nos transformarmos em Sociedades de Mercado. E o facto simples, é que ninguém o fez por nós, fomos nós cidadãos do tal "mundo livre" que o fizemos. Foram os cidadãos americanos que elegeram livremente um actor de telenovelas chamado Ronald Reagan; foram os cidadãos britânicos que elegeram livremente a bruxa má do Oeste. Fomos nós, o colectivo dos cidadãos eleitores de Portugal, que elegemos o único fulano que eu conheça, que começou a trabalhar aos 37 anos. O autor diz-nos que está mais do que na hora de nós todos, os ainda-soberanos, decidirmos colectivamente quais são os limites do mercado.
Talvez o aviso venha demasiado tarde. Os gregos acordaram hoje a pensar na Junta dos Coronéis, mas provavelmente a sua memória engana-os. No fim de contas, o actual parlamento grego tem toda a legitimidade para votar os Actos da Habilitação de Poderes que forem considerados necessários. O tal rapazola que começou a trabalhar mais tarde do que os filhos do sr. Kadahfi tem toda a legitimidade para pedir ao nosso parlamento que lhe habilite os dele. E o parlamento votará favoravelmente e o nosso presidente, a quem não devemos chamar palhaço promulgará. Bem-vindos então, aos dias da post-democracia. Não digam a ninguém "Nós não sabíamos", senão o fantasma da Marlene Dietrich vai atormentar as vossas noites. Aquilo que nos separa a todos do caos, é apenas a linha frágil dum piquete de greve grego.
Imaginemos que no dia 3 de Novembro de 2000, aqueles judeus americanos idosos, residentes no Estado da Florida, que se levantaram da cama para irem votar, tinham conseguido evitar ser confundidos pelos boletins de voto mais absurdos que já alguém desenhou, e que tinham evitado acabarem por votar no anti-semita Pat Buchanan, em vez do candidato da sua escolha. O que seria diferente? Em que é que este malfadado século seria diferente?
Os planos da Al-Qaida, para um ataque aos Estados Unidos eram antigos, e foram preparados durante vários anos. Perante os eventos do 11 de Setembro de 2001, o estado americano reagiria como reagem sempre os estados-soberanos, ao serem atacados. Nada teria sido muito diferente, com a excepção dum pequeno pormenor. Obviamente, o presidente Al Gore não teria permitido que Ossama Bin-Laden se escapasse por entre as malhas que vagamente rodearam os seu refúgio nas montanhas de Tora-Bora. A estas horas, muito provavelmente, a aviação americana e britânica continuariam a impor as mesmas zonas de exclusão aérea e os iraquianos continuariam a ser dominados por um regime nojento e a usarem as escolas e outros equipamentos sociais que esse regime nojento pagava com o petróleo que conseguia contrabandear através das suas fronteiras; os xiitas do delta dos dois rios continuariam no fundo de todas as escalas sociais, a única diferença sendo, que não teriam milícias armadas para protegerem o seu direito a permanecerem no fundo de todas as escalas sociais. O fundamentalismo islâmico seria hoje uma nota de rodapé nos livros de História, a única diferença real, seriam as vítimas que não teriam existido.
Mas imaginemos que, em 2004, o presidente Al Gore teria reparado num jovem político do Illinois, que já na altura levantava grandes esperanças e, para marcar o seu próprio lugar nos tais livros, o teria convidado para fazer parte da sua lista. O vice-presidente Obama teria vencido facilmente as eleições de 2008, tanto mais que, sem os excessos inacreditáveis dos outros, os que foram, a crise financeira de 2008 teria sido atrasada e os sub-primes americanos teriam continuado a inchar durante mais dois anos. O essencial já estava presente, inscrito na pedra, aquando da revogação do Glass-Steigall, com a a assinatura "William Jefferson Clinton". As bolhas europeias, essas, continuariam a inchar durante mais dois anos, propulsionadas pelos bancos franceses e alemães e pelas suas taxas de reservas, entre os 5% e os 3%.
As bolhas iriam rebentar, claro. Com o nome Lehman Brothers ou outro, mas ninguém duvida que o presidente Obama tivesse mostrado a decisão que o caracteriza e, pela sua actuação pronta, tivesse assegurado a sua própria re-eleição, a dois anos de distância. Nada seria muito diferente, com a excepção das festas do chá americanos, que não teriam existido. A chanceler alemã estaria a dizer, por esta altura que, e cito, "...negociar em dívida soberana, não pode ser o único negócio em todo o Mundo, que não envolve riscos..." (sic). Mas as bolhas estariam a rebentar, ou já teriam rebentado, e seriam ainda muito maiores. O presidente Hollande iria demorar mais um ano, coisa menos coisa, até perceber que o problema não eram os bancos cipriotas, mas sim os franceses. Bem acompanhados do outro lado do Reno claro, que os alemães nunca deixam os seus créditos por mãos alheias. Nada seria muito diferente. A única diferença seriam as vítimas.
Por estas bandas, as bolhas que finalmente teriam rebentado, dariam origem a uma grande vaga de fundo, neste período pré-eleitoral que estaríamos a viver e o primeiro-ministro José Socrates estaria prestes a ser substituído por uma maioria absoluta, mais maioritária ainda do que as da Travessa do Possolo. Rapidamente, o verdadeiro agente histórico viria ao de cima, e por estas horas, o Senhor. Prof. Dr. Oliveira Gaspar estaria já a treinar o seu grande motto, "Orgulhosamente acompanhados!". A única diferença real seriam as vítimas que não teriam acontecido.
A única grande diferença, teriam sido as vítimas que não teria havido, desde o Iraque até à Baixa da Banheira. Este seria um século muito mais simpático, mas nada de essencial seria muito diferente. A diferença seriam as crianças, e essa é toda a diferença do Mundo. Raios partam os judeus da Florida!
Em última análise, existem apenas dois tipos de sociedades. Umas podem ser chamadas 'fechadas' e as outras 'abertas'. [...]O drama das sociedades abertas é que têm que permitir a actuação dos seus inimigos.
Karl Popper, in A Sociedade Aberta e os seus Inimigos
Quando me propus escrever esta série de posts, sabia antecipadamente que o assunto se iria tornar progressivamente mais difícil e pelo facto simples de existir uma hierarquia clara nos problemas sociais e civilizacionais gerados por aquela que é ainda (!) a nossa civilização. A primeira — e última, que fique claro — assente em combustíveis fósseis.
As duas primeiras maldições são simples. Resultam de restrições físicas e a única coisa que a sôdona física nos diz é por onde não podemos ir e quais são os buracos que iremos encontrar, ao longo do caminho. A terceira, o trólaró do "Há petróleo no Beato!" parece ser um assunto já de outra natureza, mas continua a ser uma restrição física. O tempo decorrido entre a descoberta duma qualquer jazida fóssil e a sua produção plena nunca consegue ser inferior a uma década. O facto de as sociedades envolvidas sentirem, de facto, os seus efeitos muito depressa — veja-se o exemplo da Escócia e da Noruega, com a descoberta do petróleo do Mar do Norte — está já na interface entre a física e a economia e mostra-nos como existe alguma margem de manobra em torno das maldições fósseis. Chama-se inteligência colectiva e não é pelo facto de ser rara que se revela menos importante.
O que me fez andar para aqui às voltas, como um cão a tentar morder o rabo, foi ter-me apercebido que as minhas palavras a respeito das erupções de violência, quando a curva de Hubbert sofre aquelas inflexões qualitativas, podem ser lidas quase ao contrário daquilo que eu quis dizer. Para começar, eu não estava a dizer algo como "...descobri uma nova lei da história...". As leis da história são apenas o exercício do direito humano à estupidez, de Marx aos gasparídeos. Muito diferentes, que fique claro, mas com um ponto comum e esse ponto comum é maleita de que eu não sofro : a crença em leis da história.
O período de tensão actual (desde o início do século), resulta do ponto mais complicado da curva de Hubbert, ou seja, o pico da produção. No entanto, os actores principais, sentiram essas tensões de forma completamente diferente. Bush & Co. sentiram-nas como a necessidade de controlar a oferta, tal como o senhor Saddam tinha sentido as tensões dos choques petrolíferos dos anos setenta, e reagiram exactamente da mesma forma, a única diferença é que uns invadiram o Irão e os outros invadiram o Iraque. Resultados semelhantes.
Os choques de preços do início do século, esses, foram o resultado de os líderes chineses terem sentido a necessidade de assegurar a sua própria procura, percebida como estando numa fase de crescimento exponencial; exactamente o mesmo que franceses e britânicos sentiram, no tempo do Sykes-Picot. Mesmas necessidades, resposta diferente. Que seja do meu conhecimento, não houve sangue derramado, como consequência dos choques de preços do início do século. A diferença chama-se, novamente, inteligência colectiva.
Não estou a tentar justificar o regime chinês, que fique claro. Estou apenas a tentar abocanhar a minha própria cauda, e acho que já encontrei uma maneira de o fazer. Isto é a Internet, portanto, peço aos leitores que façam um exercício simples. Agarrem numa folha A4 e listem todos os episódios de agressão externa chinesa, durante os últimos 2 000 anos. Nada de tergiversar. Se teve origem em território chinês e foi dirigida ao exterior, é chinesa (incluindo os episódios resultantes da expansão mongol).
Ninguém conseguiu encher a primeira página, pois não? Agora, regressem àquela resma de papel A4 e comecem a listar os episódios de agressão externa do Reino da Suécia, durante os últimos 800 anos. A expansão viking dos séculos anteriores nem sequer é para aqui chamada. Então, a resma de papel chegou, ou já estava nas lonas? Talvez aquele intangível e indefinível a que chamei inteligência colectiva exista, no fim de contas.
Voltemos então às maldições. O paradoxo de Popper, que citei no início, não é assunto de opinião, não é coisa passível de "...eu acho que..."; as achações e as crenças não são para aqui chamadas. É apenas uma construção lógica. Se algumas sociedades são abertas, então têm que permitir a actuação dos seus inimigos. Tanto o Adolfo como a Guidinha dos limões, recentemente falecida, subiram ao poder usando os mecanismos de abertura das suas próprias sociedades. Um, para o tirar de lá, foi preciso destruir meio continente; quanto à segunda, foi impossível evitar que se metastizasse numa catrefa enorme de gaspares. Continuamos sem saber o que lhes fazer, sem destruir a outra metade do mesmo continente. E isto porque o lema de Popper tem um corolário: se existem apenas dois tipos de sociedades, existem apenas dois tipos de economias. Umas são de recursos exauríveis, as outras de recursos renováveis.
Dizer que um qualquer bem é um recurso renovável, não significa que a respectiva economia seja um mar de rosas. A água e a energia são os dois recursos primordiais para a existência de grupos sociais organizados. A água, não só é renovável como é indestrutível. Faça-se o que se fizer, o total de água do planeta permanece constante. O problema é que nós não "bebemos água"; bebemos água potável, o que a torna um recurso crítico. O primeiro de todos a ter sido regulado pelo Estado. O que faria Ramsés, se lhe aparecesse um qualquer gasparídeo a propor privatizar a água potável? Acho que mandava que lhe atassem as mãos e os pés à cauda de quatro cavalos diferentes e que chicoteassem as garupas dos quatro ao mesmo tempo. Hmmm! É capaz de ser uma ideia...
Quanto ao outro daqueles recursos primordiais, a energia, não tem que ser, à partida, uma coisa ou outra. No entanto, as energias fósseis são um caso de economia de recursos exauríveis; em absoluto, são o único caso. Em cada quilograma de aço que sai das siderurgias, existe uma percentagem elevada de "aço antigo"; não é preocupação ecológica, é o facto de ser mais barato fazê-lo desta forma, do que processar apenas minério de ferro recém-extraído. Os combustíveis fósseis, queimam-se e acabou. Em última análise, não há nada que nos consiga proteger da lógica inexorável da economia de recursos exauríveis; nem a tal inteligência colectiva, mesmo esta só resulta durante períodos limitados de tempo. Acho que estou só a respirar fundo, antes de contemplar a sua loucura essencial.
Em 1904, o coronel (depois general) Younghusband, comandou uma expedição militar britânica ao Tibete. Não teve grande assunto, mas, à chegada a Lhasa, o comandante britânico reportou uma recepção entusiástica. Os cidadãos da capital acotovelavam-se nas ruas, batendo palmas à passagem das tropas. Se isto não é entusiasmo..., acontece que os tibetanos batem palmas para afugentar os demónios. Ah! E deitam a língua de fora, em sinal de respeito. Por isso, nada de deitar a língua de fora ao nosso Zé Grilo, que a senhora Maria anda a fazer umas sessões de meditação Mahayana e pode ficar com ideias.
Juro a pés juntos que não faço a menor ideia de qual é o contexto cultural do gesto do senhor Shinzo Abe, actual primeiro-ministro do Japão. A única certeza que eu tenho é que não é aquilo que (nos) parece. Mas lá que parece, parece. E tanto que parece, que a francesa de Berlim há-de estar com o pêlo todo eriçado. E com motivos para isso.
Então não querem lá ver que aquele..., qualquer coisa duma figa, não só não quer saber duma dívida pública superior a 200% do PIB, como pôs o estado nipónico numa senda de gastação desenfreada e pretende induzir — t'arrenego, Belzebu, gasparacho, beldroega — inflação! Inflação, pelo menos 2% ao ano. Inflação, aquela coisa que devora as rendas financeiras. E ainda por cima, parece estar a funcionar.
Por isso, quando um daqueles suspeitos do costume vos arengar com as "inevitabilidades" e com os "consensos", mais o respeito devido a Sua Excelência, chamem-lhe algo que Sua Excelência não consegue perceber: Kaijin ! Não há problema. A PGR não vai conseguir acusar ninguém, porque nenhum de nós consegue pronunciar correctamente o japonês. O mais provável, é que seja exactamente isso que o senhor Abe esteja a dizer. O tradutor do Google apresentou este resultado para "Ombu Kaijin!" e eu transcrevo: "Fuck you, bárbaro sub-humano, monstro marinho do outro lado do mar!"
Aquela coisa esquisita que é o jornal i, dedica um parágrafo ao assunto acima e quatro à moscambilha, propriamente dita. Ponto. Os telejornais, hoje, serão tão sintéticos como eu o fui, se o assunto por lá passar e não faço previsões. O que me chamou a atenção para esta noticia, foi, por um lado, o facto de um órgão de comunicação nacional noticiar o facto de o mais importante ministro do governo actual não conseguir participar em qualquer acto minimamente público, como se o assunto fosse "...O ministro Gaspar pisou hoje uma poia no Terreiro do Paço, ao dirigir-se para o seu gabinete no ministério das Finanças. O presidente da câmara de Lisboa comprometeu-se a melhorar o saneamento das ruas da capital..." e ainda assim, teria dado mais relevo aos factos.
No entanto, como é possível usar aqueles factos como base para um argumento de direita? Não sei e não estou interessado em saber, porque, nos dias que correm "conservador intelectualmente honesto é apenas uma contradição em termos. Quatro quintos daquela noticia muito curta, são apenas ruído; se o Gaspar tivesse discursado, haveria relambório direitão. Assim..., não se perdeu nada. O mais importante é o resto.
Se um americano, inglês, francês, sei lá, pegasse num qualquer jornal cá do burgo — ou se assistisse à emissão duma qualquer televisão — diria "...órgão noticioso de direita (conservador, o que se aplicar lá na terra dele). Nada de especial, lá na minha terra também há destes: 80% segue uma linha ideológica bem definida, o resto são idiotas úteis." Mas dir-nos-ia também que, lá na terra dele, as coisas são razoavelmente salomónicas, uns assim e os outros ao contrário, razoavelmente equilibradas. Por cá, ao ser confrontado com o dilema do seu antepassado, o rei Balsemão é sempre peremptório: 80% da criança para a direita, o resto..., é para mostrar que somos intelectuais de mentes abertas.
A consequência é a solidão. O cidadão anónimo que discorda do estado das coisas, sente-se como se fizesse parte duma pequena minoria. À superfície, os media podem parecer uma cacafonia dissonante; subjacente, existe uma marcha prussiana rígida. Será de surpreender que a vasta maioria dos cidadãos ache que os seus graus de liberdade se resumem a escolher entre o Benfica, o FC Porte e..., o Braga, acho eu, por mais que me doa? Não é por isso que vou deixar de ser do Sporting que, nos tempos que correm, é assim a modos que o último refúgio dos dissidentes. E vivó futebol, qué qu'induca!
O artigo do senhor Paul Krugman esclarece as minhas dúvidas a respeito do processo de publicação do tal artigo "mais que tudo" dos austeritários: não foi sujeito a qualquer processo de revisão por pares. Os autores "fizeram circular" (sic) os resultados à sua vontade e só recentemente facultaram o acesso aos seus dados; o resultado foi tiro no porta-aviões à primeira. A Universidade é suposta ser um templo da inteligência; este episódio mostra como as faculdades de economia se transformaram em meros aparelhos de propaganda de nariz incontinente (parece mal dizer 'ranhosa'). Pelo menos, hoje sabemos ao que andamos: propaganda!
Encaro com horror o desfecho [do discurso]. Nós não somos inimigos, mas sim amigos. Não devemos ser inimigos. Embora a paixão os possa ter levado ao ponto de ruptura, não deve ser-lhe permitido que quebre os nossos laços afectivos. Os acordes místicos da memória, estendendo-se de todos os campos de batalha e túmulos de patriotas, até todos os corações vivos e todas as pedras de todas as lareiras, por toda esta vasta terra, irão ainda entoar o coro da União, quando forem de novo tocados, como certamente o serão, pelos melhores anjos da nossa natureza.
Abraham Lincoln — 1º Discurso Inaugural
Slavoj Zizek achou importante importante contrapor e denunciar aquilo a que ele chama (por outras palavras) ...O optimismo dos fundamentalistas de livre mercado.... Óptimo! No entanto, os seus argumentos são fracos e, pior ainda, são defensivos. Para arrumar uma parte delicada numa única penada, seria bom que Zizek começasse a ler com regularidade A Pegada, e não o digo por mim, mas por todos os autores, e pela leitura mais objectiva da qual sou capaz.
Outro assunto que deve ser arrumado com presteza, tem a ver com um dos bestsellers que Zizek cita (o outro não o li), como exemplos da disseminação mediática daquele "progresso". Os melhores anjos da nossa natureza, sub-titulado Razões para o declínio da violência, até pode ser dito conter conclusões animadoras: existe um declínio objectivo da violência; até os terríveis conflitos do século vinte foram, relativamente ao total da população, menos assassinos do que, por exemplo, as guerras da religião que devastaram este continente no passado, já sem falar dos morticínios sangrentos dos campos de batalha napoleónicos; a própria violência do poder é hoje incomparavelmente menor, do que no tempo em que os condenados eram empalados ou assados vivos em touros metálicos, com uma abertura no lugar da boca, para que a populaça pudesse ouvir os gritos do supliciado.
Ora um dos motivos que me levaram a lê-lo teve a ver com algum do trabalho anterior do Steven Pinker, nomeadamente a sua conclusão, a respeito da 2ª guerra do Iraque, de que as sociedades avançadas ainda conseguem fazer a guerra e de forma extremamente letal, mas já não conseguem estar em guerra, ou seja, já não conseguem transitar para aquele nível de empenho colectivo, com que meio-mundo se confrontou com o restante, durante os séculos passados. Por isso também o recurso da antiga administração Bush àquilo que, noutros tempos, todos chamariam mercenários; por isso também o recurso àqueles meios hiper-tecnológicos em que o homem com o dedo no gatilho está sentado ante uma consola de vídeo, a milhares de quilómetros de distância. As conclusões do autor são animadoras, mas ele avisa-nos frontalmente que não as devemos encarar como a manifestação dalgum "gene bonzinho", mas como a resultante de processos históricos que levaram à concentração do poder militar no estado, ao seu monopólio da violência, em paralelo com o aumento do controlo desse mesmo estado -- e dos seus agentes -- pelo colectivo dos cidadãos; se esses processos entrarem em reversão, tudo o resto seguirá o mesmo caminho. É um pouco já a isso que assistimos hoje, na Europa; é pelo menos, um pouco a isso que assistimos quando os organismos policiais seguem e intimidam organizadores de manifestações pacíficas. E todos sabemos do que estou a falar, não sabemos?
Slavoj Zizek pega no assunto pela ponta certa: a questão não é saber se "...as coisas afinal até melhoraram...", durante este ou aquele período de tempo, mas como é que a realidade concreta se relaciona com as expectativas das populações onde alguma coisa, no computo final e aritmético, "...alguma coisa melhorou". Tal como ele o expôs, poderia contrapor-se que, no fim de contas, algumas dessas expectativas eram apenas irrealistas; é muito isso que nos dizem a nós, hoje, latinos.
Mas depois falha, ao não levar a crítica àquele "optimismo neo-liberal" às suas últimas consequências. Comecemos pelo tal cantoçhão britânico que ele refere (quem quiser que procure no artigo inicialmente citado. Eu, não o propago): a maior parte são apenas mentiras, factualmente falsas, como a tal "idade da abundância de energia"; outras, são banalidades que nada têm a ver com o assunto e, em última análise igualmente falsas — se o capitalismo neo-liberal é assim tão progressista, porque carga d'água é que a malária ainda não teve o mesmo destino que, por exemplo, a varíola? A resposta simples é que não há lucros substanciais a realizar com a sua erradicação, ao contrário daquele outro exemplo.
Todas as discussões a respeito do optimismo e do pessimismo são, ao fim e ao cabo, a velha questão de saber se um copo, contendo exactamente metade da sua capacidade total de líquido, está meio cheio ou meio vazio. Esta imposição do optimismo aos descrentes e revoltados, é, como não poderia deixar de ser, algo completamente diferente, apenas um mecanismo de controlo da revolta e das aspirações dos que sofrem. No fim de contas, porque é que os alemães estão tão optimistas? Será porque ainda não lhes tocou a eles, ou será porque os seus sacrossantos défices orçamentais estão a ser equilibrados à custa dos países devedores, como o nosso? E o que acontecerá quando aqueles violinos de tombadilho do Titanic, que maviosamente cantam a "competitividade" da economia germânica se afundarem nas águas geladas do desaparecimento dos seus clientes? Ou será que aqueles toscos teutões pensam realmente que as "novas elites" chinesas irão continuar eternamente a comprar mercedes e bmw's, em vez de os fabricarem elas próprias, ou de importarem algo correspondente, por exemplo da Coreia, que está ali mesmo ao lado e que não tem as cargas históricas e emocionais dos Lexus, ainda talvez demasiadamente japoneses para o seu próprio gosto?
Zizek tem razão, ao colocar o acento tónico nas expectativas. Mas este é um acorde que tem que ser feito ressoar com mais ânimo. Os seres humanos criam expectativas e formulam prognósticos para o futuro, próximo ou algo mais longínquo. Não sei se esta tendência inata é devida a algum gene da antecipação temporal, ou se é um processo cultural muito básico, pelo menos desde que os homens do Neolítico tiveram que começar a antecipar e a confiar na próxima colheita. Seja qual for a sua origem, este impulso predictivo está em nós. E quando é defraudado, gera sofrimento. Ninguém gosta do sofrimento, com a excepção dos que vivem à sua custa. Mas mais do que isso, ninguém gosta das desigualdades gritantes e obscenas, excepto aqueles que com elas lucram.
Aquela frase no título inquieta-me. Já o disse, mas começo a compreender melhor porque me inquieta; porque tem tudo a ver com expectativas e porque há assuntos que só podem encontrar paz, se nos pudermos referir a eles num pretérito bem mais do que perfeito. Acho que a minha revolta mais antiga contra a injustiça aconteceu após ter feito o exame da 4ª classe. Na altura, tinha que se fazer a seguir, também um exame de admissão ao secundário; um de dois, para ser mais preciso, conforme se destinasse a permitir o acesso o acesso ao liceu, ou ao ensino técnico e comercial. Lembro-me do choque. Mas lembro-me sobretudo porque a minha falecida mãe o sentiu, e sentiu-se na necessidade de abordar o assunto. Porque é que existiam aquelas aptidões, de primeira e de segunda? ...Porque, em relação a alguns dos meus colegas, as famílias tinham a necessidade de que o seu percurso até à vida activa, fosse curto e direccionado para fins concretos... Mas porque é que os outros, os outros teriam que deixar de ser meninos e meninas, aos dez anos de idade? ...Porque muitas situações eram ainda bem piores, do que aquelas de que ela falara...
É isto que inquieta e é isto que magoa. A compreensão de que a realidade pode recuar ao passado, disfarçada de progresso. E o que inquieta mais, é a percepção bem realista de que o pior ainda pode estar para vir.
The killer lives inside me: yes, I can feel him move. Sometimes he's lightly sleeping in the quiet of his room but then his eyes will rise and stare through mine; he'll speak my words and slice my mind inside... Yes the killer lives.
The angels live inside me: I can feel them smile. Their presence strokes and soothes the tempest in my mind; And their love can heal the wounds that I have wrought, They watch me as I go to fall - well, I know I shall be caught While the angels live.
How can I be free? How can I get help? Am I really me? Am I someone else?
But stalking in my cloisters hang the acolytes of gloom and Death's Head throws his cloak into the corner of my room and I am doomed But laughing in my courtyard play the pranksters of my youth and solemn, waiting old man in the gables of the roof - he tells me truth...
I, too, live inside me and very often don't know who I am; I know I'm not a hero - well, I hope that I'm not damned. I'm just a man and killers, angels, all are these: Dictators, saviours, refugees in war and peace as long as man lives...
I'm just a man and killers, angels, all are these: Dictators, Saviours, Refugees.
Aquando das últimas eleições americanas, fui para a camita pelas 03:30, com seis fusos horários a mais e a certeza reconfortante de que o Mundo, na manhã seguinte, não estaria em pior estado do que nessa altura; mais de duzentos e cinquenta milhões de americanos foram às urnas, num dia de trabalho (!) e despacharam tudo em poucas horas.
...Ou pelos, assim o dizem as cabeças falantes do costume. Se um país onde existe uma maioria — de moscambilha e é irrelevante — na câmara baixa do parlamento, e vários caminhos para maiorias pontuais na câmara alta, está ingovernável, então, tenho que concluir que Portugal esteve ingovernado (excepto pontualmente) até 1987, e depois, de 1995 até ao início deste século. Mais. Tenho que concluir que os países do norte da Europa, cujos sistemas eleitorais dificultam propositadamente a obtenção de maiorias absolutas, estão ingovernados há longas décadas. Acho que alguém se esqueceu de informar os escandinavos deste facto, mas adiante.
Dum ponto de vista material, as leituras das cabeças falantes caiem pela base. Da mesma forma que um estatístico bem anónimo fez cair as mesmas cabecitas lá do sítio, mais as caixas de ressonância do(s) poder(es) instituídos na outra margem do Atlântico. Se há algo que une aquelas duas personagens improváveis, o Nate Silver e o Zé Grilo, esse algo é totalmente material e dá pelo nome de Internet. Aprendam a viver com ela! Todos temos que aprender, pois veio para ficar. Hoje como no início, é uma experiência prática a respeito de sobrevivência. E é uma experiência bem sucedida, o resto cabe-nos a nós, assim como cabe aos eleitos do M5S italiano. Gosto do pouco que sei a seu respeito.
Dum ponto de vista material, o que o Zé Grilo fez, foi mandar a Televisão à merda. E ganhar. Talvez seja Sol de pouca dura; teria preferido uma ruptura mais convencional (!), na linha da que o Syriza grego pareceu capaz de protagonizar, no Verão passado, mas a realidade material não se preocupa nada como os meus gostos. "Que possas viver em tempos interessantes!" é uma maldição; chinesa e muito antiga. Interessantes, eles são e malditos ainda mais. Nenhum de nós pediu para viver nestes tempos; estivemos ocupados a viver, apenas. Com umas patetices pelo meio, e não há nada de errado nisso. Hoje, estamos a ser agredidos, de forma feroz e niilista; nada de vivo cresce nos ground zero pós-troika; nada de humano consegue com-viver com os mutantes sádicos que nos torturam, apenas o seu nada cresce.
Estes são tempos interessantes. São os Dias da Ira e ressoam como um trovão por toda a Europa. A nós de mantermos os olhos fixos no objectivo.
Um comprimido torna-te enorme, Outro comprimido torna-te minúsculo. E os que a mamã dá, Nem aquecem nem arrefecem. Pergunta à Alice, Quando ela tiver três metros d'altura. E se fores caçar coelhos, Sabendo já que vais cair, Diz-lhes que uma lagarta, fumando nargilé, Te disse para perguntares à Alice, Quando ela estiver pequenina. Quando as peças do xadrez Se levantam e te ordenam para onde ires, Quando um cogumelo selvagem Faz a tua mente girar devagar, Pergunta à Alice, Acho que ela vai saber. Quando lógica e proporção Tiverem caído, redondas, no chão E o Rei Branco falar por anagramas E a Rainha Vermelhas se desfizer em fúria, Recorda o que o batente da porta te disse: "Pensa pela tua cabeça!" — White Rabbit, Grace Slick
Ninguém fala noutra coisa, o relatório do fmi, o relatório do fmi... Hoje, duma assentada, o Esquerda[ponto]Net, propõe-nos três artigos a respeito do tal relatório do fmi. Uff! Mudaram de título ao quarto, para irem finalmente direitos ao assunto.
Penso não ser muito difícil perceber a razão do enfoque: "Ah...! O pessoal não grama o fê-mê-i, bora!". Lamento muito, pessoal, mas é um erro. Não estou a dizer que o tal fê-mê-i não mereça umas boas castanhadas, mas o enfoque é um erro político. E um erro que nada ajuda no essencial. Como nunca gostei que me assobiassem para beber água, decidi seguir o conselho da Grace Slick e pensar pela minha própria cabeça, lendo o dito cujo.
Primeiro pormenor, e não é de somenos: o link anterior é para o site do jornal Público; na primeira página, encontra-se um link significativo – para um documento oficial do FMI (!) – e é este: Linhas Orientadoras para Divulgação de Informação Técnica. Não será difícil compreender que o desgoverno português violou aquelas regras, da forma mais saloia e mais gritante, e pelos motivos mais baixos deste mundo e do outro. O resto é outra loiça e porcelana que eu bem conheço: aquilo é um relatório de consultadoria.
Já fiz muito trabalho de consultadoria e há um documento que tenho bem presente no meu espírito: tem por título Manual do Consultor e contém uma única folha. Na frente, uma única frase. Esta:
Albarda-se sempre o burro à vontade do dono.
Sei que estou a divulgar segredos corporativos, por isso..., não faz sentido esconder o resto. Na outra face daquela folha única, encontramos apenas uma definição, a definição do métier e dos seus praticantes:
'Consultor' é um homem que conhece trezentas maneiras de foder e não conhece nenhuma mulher.
Esta definição não é tão literal como pode parecer..., significa que..., bem..., um consultor não é responsável pela implementação da..., ahn! assistência técnica..., ora bolas! Já estou lixado, que se dane. Cada leitor que pense o que muito bem entender.
No que respeita ao essencial, os factos são simples: o coelhito começou a falar em "refundação" nos finais de Outubro de 2012; o relatório é datado "Janeiro de 2013". Este não é o "plano do fmi"; esses são apenas gajos que verificam aquela definição acima, e que fazem o que o dono do burro quer que se seja feito; dizem-lhe como fazer o que ele quer ver realizado. Este é o plano do coelho branco, do gaspar cinzento, do borges furta-cores e do relvas alucinogéno. É o seu ódio à simples ideia de coesão social; é a sua baixeza e incompetência gritantes. Em cada linha, em cada vírgula. Até, talvez, no espaço em branco das margens. Talvez nos espaços em branco ainda mais do que no resto: ...quando um cogumelo selvagem faz a tua mente girar devagar..., o absurdo consumou-se e o coelho branco está no poder.
I've seen the Future, brother / And it is murder. – Leornard Cohen
Mesmo que os sábios, no seu final, saibam que a escuridão é certa, Porque as suas palavras não se bifurcaram em raios, Não deslizam suavemente nessa noite escura.
Houve-se hoje, com demasiada frequência, aquela frase que coloquei no título: "Isto nem no tempo do Salazar...". Inquieta-me: a que será que me obriga a "idade da razão", como escolhi traduzir o verso de Dylan Thomas? Evoca-me memórias desse tempo, como quando o meu avô paterno se sentou, pela primeira vez, à frente duma televisão. A minha avó tinha-o convencido a ir a casa da filha mais nova, assistir à reportagem da inauguração da ponte sobre o Tejo: "Era isto que querias que eu visse? Já os conheço a todos". Lá se deixou convencer a comprar o caixote, Telefunken, claro. Mas depois não olhava para ele. A sua fonte principal de notícias era um rádio, um monstro a válvulas, Grundig, claro, onde ele costumava ouvir o Fernando Pessa, nos noticiários da BBC, durante a guerra; "São todos uns boches, mas ninguém faz rádios como eles".
Homens bons, na última onda, chorando o brilho Com que os seus actos frágeis teriam dançado numa baía verde, Rasgam, Fulminam a morte da luz.
Lembro-me dum salão de bilhar, em Almada, coisa de alto gabarito (para quem gostar da arte, claro). Ainda existe, mas..., ah! perdeu o carisma. E lembro-me dum fulano que por lá sempre parava. Um dia disse-me "...tu falas demais...". Logo me avisaram: "cuidado que o gajo é um bufo da Pide"; bem o sabia. A sensação desagradável, foi que aquele bufo gostava de mim, e estava a tentar proteger-me. Desapareceu, depois do 25 Abril, nunca mais o vi.
Os violentos que capturam e cantam o Sol no no seu voo E aprendem demasiado tarde que o choraram na sua rota, Não deslizam suavemente nessa noite escura.
Lembro-me. De ouvir contar histórias sem fim a respeito dos tempos do "racionamento"; já era taludo, e já depois do 25 de Abri, quando fiquei a saber, com espanto ingénuo, como esse racionamento, o tempo do "Livro-vos da guerra mas não vos livro da fome", se iniciou para exportar bens alimentares para a Espanha nacionalista de Franco, entre 1936 e 1939. Tudo a bem da balança comercial, claro.
Homens graves, próximos da morte, vendo com vista deslumbrante, Como olhos cegos podem arder, tais meteoros, e sorrir Rasgam, fulminam a morte da luz.
Lembro-me da Cecília Jonet, ou da Isabel Supico-Pinto, ou lá como é que a megera da comendatriz se chamava, e do asco que me causava aquela solicita propaganda de guerra. Não me lembro dos soldadinhos que ela adorava, que nunca conheci nenhum. Esses, acho que só as mães os recordaram; talvez os filhos que nunca viram e que nunca os viram a eles.
E tu meu pai, nesse teu cume triste, Amaldiçoa-me, abençoa-me, com as tuas lágrimas ferozes, te peço. Mas não deslizes suavemente nessa noite escura. Rasga, fulmina a morte da luz.
Compreendo hoje que não conheci "Os tempos do Salazar". Assisti ao extertor da sua agonia, mas nada do que eu relembro, por memória própria ou próxima, tem a ver com os dias que vivemos. Falámos e abusámos da palavra fascismo, ao ponto de o termos banalizado. Hoje, assistimos a algo diferente, à ascensão do monstro, que na sua encarnação anterior, teve lugar nos anos trinta e quarenta do século passado. É a mesma agressão, a mesma arrogância, na criação dum "mundo novo". O mesmo desprezo e a mesma loucura. Não vou comparar os dias de hoje com os tempos da "sardinha para três"; esses, nunca os conheci. Mas se há algo que eu sei, é que todas as encarnações do monstro têm algo em comum e esse algo chama-se dor. Se há algo que eu sei, é que a dor dói.
A ano de 2013 começa com maus presságios. A presidência que temos publicou um OGE inconstitucional; talvez. Se o tivesse enviado para fiscalização preventiva, estaríamos perante um texto talvez inconstitucional. Assim, estamos perante uma situação igual à de 2012. Talvez. Ou então, até poderemos estar perante um caso de sucesso: talvez já não valha a pena fazer nada.
Talvez a economia tenha caído uns 20%, desde o seu pico em 2007 e esteja a crescer de forma acelerada, para retomar o valor que tinha no início do século, ou antes disso. Talvez a população deste país tenha conseguido cumprir pelo menos, alguns dos seguintes requisitos:
Não seja capaz de pagar a renda da casa, ou a respectiva hipoteca, nem as contas da água e da luz.
Não seja capaz de manter a sua habitação adequadamente aquecida no Inverno.
Não seja capaz de fazer face a despesas inesperadas.
Não tenha possibilidade de comer carne, ou outra fonte de proteínas, com regularidade.
Não tenha possibilidade de gozar férias.
Não consiga ter uma televisão.
Não consiga ter uma máquina de lavar.
Não consiga ter um automóvel.
Não consiga ter um telefone.
De acordo com as definições oficiais do Eurostat, os portugueses que verificarem três das condições acima, estarão numa condição de privação material; os que verificarem quatro ou mais condições, estarão numa situação de privação material severa. Isso não impedirá que este país seja declarado um exemplo de sucesso.
Talvez os vencimentos mínimos tenham caído para cerca de $168 USD (sim, dólares americanos) por mês; talvez mais de 250 000 portugueses estejam a emigrar, em cada ano. Não será por isso que uma qualquer Jonet de coturno internacional se coibirá de nos declarar "...um caso de sucesso...".
Será que tudo isto parece forçado? O facto simples é que não estou a falar do futuro: estou a falar do passado
Estou certo que a Jonet gostaria mais desta.
Ou então desta, talvez. Todas são copyright do New York Times.
A nós, a todos nós, cabe-nos fazer como que os sonhos das Jonets não se concretizem.
O Livro do Génesis diz-nos que Adão foi criado a partir do barro; e depois, Eva foi criada a partir duma costela de Adão. Pense-se o que se pensar a respeito das afirmações anteriores, é perfeitamente claro e pacífico que estamos perante dois casos de criação ex materia, a partir de matéria pré-existente. Bem, então e o resto?
Quanto ao resto, a fonte citada é omissa. Diz apenas que no princípio — então e antes disso? — deus-nosso-senhor criou a Terra e o Sol, e as estrelas do firmamento. Não nos diz a partir do quê. Não nos diz nada a esse respeito. Ora, dum ponto de vista estritamente lógico, podemos muito bem supor que deus não o disse por não ser da nossa conta, ou então, porque os nossos cérebros limitados não seriam capazes de o abarcar. Acontece que todas as religiões reveladas têm dogmas não explícitos (sempre os mais importantes). Para as religiões do Levante, os mais importantes são o dogma da completude — deus-nosso-senhor disse-nos tudo o que havia para dizer — e o dogma da inteligibilidade: disse-o de forma a que todos os seres humanos fossem capazes de compreender.
Em consequência, todos os teólogos da revelação, acabaram por cair sempre todos para o mesmo lado (muitas vezes ao fim de furiosos debates): o Mundo foi criado ex nihilo, literalmente, a partir do Nada. Nada a objectar, o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita, mas..., então, quem foi que criou o dinheiro?
Um desses teólogos, um francês chamado Roger Vadim, disse-nos o que já sabíamos, ou seja, que deus tinha criado a Brigitte Bardot daqueles tempos. Tudo bem! Então e o tógé?
Curiosamente, vivemos o primeiro período histórico em que os teólogos da situação defendem a criação monetária ex nihilo, por privados, de forma explícita. Nunca antes na História houve Gaspares explícitos: muitos cantaram a canção da sereia, mas sem nunca terem a coragem de se assumirem. No fim de contas, esses proto-gaspares também eram representantes do poder soberano. No fim de contas, se a criação ex nihilo era um atributo da divindade, então tinha que estar reservada, por exemplo, para os Reis-deuses da Mesopotâmia; ou então para os representantes de deus na Terra, ou seja, os detentores do poder soberano.
Hoje em dia tudo mudou. Esta é uma mudança bárbara e cruel e muitos ainda não a entendem. Atravessa tudo, na Europa. E apenas um pouco menos no resto do Mundo, e apenas porque os detentores do tal poder soberano nunca arriaram as calças como o gaspar. Um tudo nada, sim. Até aos calcanhares, nem pensar! Nós portugueses somos vítimas, sobretudo porque não compreendemos o que se passa. Vejamos um exemplo que, aparentemente, não tem nada a ver com criação monetária.
Nunca achei Daniel Oliveira um pensador muito importante. Atento, sim, empenhado, sempre, mas não particularmente interessante. Com aquela frase inicial, dum artigo já amplamente (des)comentado, parece no entanto, ter tocado em algo de profundo (sem que o próprio se tenha dado conta, quer-me parecer). Mas vejamos aquela coisa desagradável, que dá pelo nome de factos, e que só preocupa quem se preocupar com a possibilidade de estar errado. É que aquela referência a "Obama um tipo decente" fez-me despertar qualquer coisa na memória, e, veja-se, a minha não estava completamente errada: o post com aquele exacto título foi publicado no 'Arrastão' a 1 de Março de 2007; no primeiro dia, do terceiro mês, do sétimo ano do segundo milénio da nossa era. Naquela altura, Barack Hussein Obama tinha já tornado pública a sua decisão de se candidatar, mas as primárias do partido democrático estavam ainda a mais de um ano de distância, e as eleições presidenciais americanas, de 2008, a mais de dezoito meses de distância.
Dezoito meses! Nem um burro demora tanto tempo para nascer; só mesmo um castendo. Naquela altura, não só Barack Obama não era presidente dos Estados Unidos, como muito poucos seriam aqueles que acreditassem que alguém, com aquele nome, alguma vez o pudesse ser.
Erros, todos os cometemos. Este erro, em particular, tem apenas o interesse de nos remeter para aquele 'algo mais profundo' a que aludi no início. A esta distância, o tal burro, já nem mamão é. Mas o PCP, esse é um assunto incontornável da realidade portuguesa, talvez o único partido político genuinamente português, que existe neste país.
E o PCP move-se. Devagar, devagarinho, que aquilo não é gente para atitudes de sopetão. Nada de piadas alentejanas, acontece apenas que quem quiser 'lêr o PCP' não pode ser dado à ansiedade. Ora, se o assunto fosse, sei lá, o futuro europeu do FCP, eu não estaria a escrever estas linhas. O assunto não me interessaria, nem a proverbial ponta dum chavelho.
Mas como o assunto é o meu País, e como não acredito, não vejo como alguma vez poderá existir um governo de esquerda que não inclua os comunistas portugueses, este é um assunto meu. Luz ao fundo do túnel, só se dermos uma cabeçada na parede e começarmos a ver luzinhas. Nada!
Já tentei (e não foi uma vez nem duas) lançar o debate sobre as causas reais da crise profunda que a todos nos tolhe. A ausência de resultados só poderia desmotivar alguém menos teimoso do que eu, por isso, vou tentar mais uma vez; com ainda outro ângulo sobre a realidade: será que a chamada "banca islâmica" (e a sua prática) é relevante para a situação actual, e para a sua resolução?
A minha resposta pessoal — e é apenas um ponto de partida — é NÃO! A analogia com o PCP é tudo menos meramente situacional; ambas as abordagens revelam uma sabedoria profunda. Acontece apenas que essa sabedoria se perde no ritual, nos epifenómenos duma época que não é a nossa e já não existe. Ambas as abordagens acabam por não fazer mais do que levantar o cú para o ar e afirmar "Allah u-Akbar!". Uns numa direcção, outros noutra; uns numa língua, outros noutra. Tão rigorosamente inúteis uns como os outros.
E contudo, aquela sabedoria profunda continua a ser essencial. Porque a esquecemos, voltámos, mais uma vez, a condenar-nos a reviver as mesmas situações. Como de costume, mais uma vez, com um carácter de farsa. Não menos trágica por isso.
Gera apenas crianças-homem; Pois não pode a tua natureza destemida compor outra coisa senão machos.
— Macbeth, Acto 1, Cena 7
Interrompi a tradução de O Plano de Chicago Revisitado no ponto em que os autores abordam o conceito essencial de usura. Todas as grandes religiões a condenam; a vasta maioria dos sistemas de poder, ao longo da História, foram suas vítimas, e, no entanto, os detentores daquele pilar do poder que nasce no cano duma espingarda, revelam-se, hoje, incapazes de o afrontar. Recorde-se que os autores rejeitam a definição simplista de usura como “a prática de juros excessivos”, e em vez disso definem-na como “tomar algo em troca de nada” pela utilização calculada do sistema monetário para obtenção de ganhos privados.
"Do ponto de vista histórico, este facto tem assumido duas formas. A primeira forma de usura é a apropriação privada do lucro gerado pelo dinheiro duma qualquer sociedade. O dinheiro privado tem que ser criado pelo empréstimo [pelo crédito], a uma taxa de juro maior do que zero, ao mesmo tempo que os detentores desse dinheiro, devido aos benefícios não-pecuniários da sua liquidez, se contentam em receber uma pequena retribuição, ou mesmo nenhuma.
Portanto, enquanto que parte da diferença entre juros passivos e activos fica a dever-se a uma remuneração do risco, outra parte maior fica a dever-se aos benefícios gerados pelos serviços de liquidez [usar uma ATM, por exemplo, em vez de guardar o dinheiro debaixo do colchão]. Este é um privilégio que, devido aos seus enormes benefícios, é muitas vezes originado por comportamentos rentários intensos. Zarlenga (2002) documenta este facto em múltiplos episódios históricos. Voltaremos a este assunto, a diferença [spread (??!)] entes taxas de juros activas e passivas, ao calibrarmos o nosso modelo teórico.
A segunda forma de usura é a capacidade dos criadores privados de dinheiro, de manipularem a sua oferta para benefício próprio, criando uma abundância de crédito em tempos de expansão económica, logo de bons preços das mercadorias, seguida duma contracção do crédito, logo da oferta de dinheiro, em tempos de baixos preços das mercadorias. Um exemplo típico é o ciclo das colheitas, nas sociedades agrárias antigas, mas Zarlenga (2002), Del Mar (1895), bem como os exemplos citados nessas obras, contêm numerosos outros exemplos em que este mecanismo é detalhado. De forma repetida, conduziu à falência de devedores, apropriação de bens dados como garantia, e, em consequência, à concentração de riqueza nas mãos dos credores. Do ponto de vista macroeconómico, tem pouca importância que estes factos sejam o resultado de uma manipulação maliciosa, ou que sejam uma característica inerente dos sistemas [monetários] baseados na criação privada de dinheiro. Também regressaremos a este ponto, no nosso modelo teórico.
Uma discussão extensiva das crises geradas pela dívida excessiva, pode ser encontrada em Hudson e van der Mierop (2002). Foi esta experiência, adquirida ao longo de milénios, que levou à proibição da usura e/ou ao perdão periódico das dívidas, nos textos sagrados das religiões do Médio-Oriente. A mais antiga dessas crises, na História grega, deu origem às reformas de Sólon, em 599 AC, as quais foram uma resposta à crise severa dos pequenos agricultores, em resultado da emissão de moeda metálica com juros, por uma oligarquia rica. É extremamente esclarecedor compreender que, nestes tempos antigos, as reformas de Sólon já continham aquilo a que Henry Simons (1948), um dos principais proponentes do Plano de Chicago, se referiria como “sociedade financeiramente de bem”. Em primeiro lugar, ocorreu um cancelamento generalizado de dívidas, e a restituição de terras que tinham sido confiscadas pelos credores. Em segundo lugar, os produtos agrícolas foram monetizados, pela introdução de preços mínimos oficiais. Visto que a fonte dos meios de pagamento dos devedores agrícolas era o valor dos seus produtos, esta prática transformou a finança da dívida em finança de bens intangíveis. Em terceiro lugar, Sólon disponibilizou uma quantidade muito maior de moeda emitida pelo governo, logo, isenta de dívida, o que reduziu a necessidade de contrair dívida privada. As reformas de Sólon foram de tal forma bem sucedidas, que, 150 anos depois, a República Romana enviou uma delegação à Grécia para as estudar. Tornaram-se a a base para o sistema monetário da República a partir de 454 AC (Lex Aternia), até ao tempo das Guerras Púnicas (Peruzzi, 1985).
Foi também por esta altura que se estabeleceu uma ligação entre as ideias antigas a respeito da natureza do dinheiro e as suas interpretações mais modernas. Isto aconteceu através dos ensinamentos de Aristóteles, os quais tiveram uma influência profunda no pensamento ocidental. Em Ética, Aristóteles afirma claramente a natureza pública/institucional do dinheiro, e rejeita qualquer visão baseada na troca de mercadorias a granel, ao dizer que “ O dinheiro existe não pela Natureza, mas pela Lei”. Os Diálogos de Platão contêm conceitos similares (Jowett, 1939). Esta visão reflectia-se em muitos dos sistemas monetários dessa época, os quais, ao contrário do que afirma uma crença popular entre historiadores monetários, eram baseados em moeda fiduciária emitida pelo Estado e não em dinheiros baseados em mercadorias. Exemplos destes factos incluem o extremamente bem-sucedido sistema monetário de Esparta (circa 750-415 AC), introduzido por Lycurgus, o qual se baseava em discos de ferro, de valor intrínseco baixo, o sistema Ateniense de 390-350 AC, baseado em moedas de cobre e, mais importante ainda, o sistema Romano (circa 700-150 AC), o qual era baseado em placas de bronze e mais tarde em moedas do mesmo material, o qual tinha um valor metálico muito inferior ao seu valor facial.
Muitos historiadores (Del Mar 1895) atribuíram parcialmente o colapso da República Romana ao aparecimento de uma plutocracia que acumulou uma riqueza privada imensa, às custas dos cidadãos em geral. A sua ascenção foi facilitada pela introdução de moedas de prata, de emissão privada, e mais tarde também de moedas de outro, a preços que excediam largamente o seu valor como mercadoria, isto durante o período de emergência criado pelas Guerras Púnicas. Com o colapso de Roma, muito do conhecimento e experiência monetária perdeu-se, no Ocidente. Mas os ensinamentos de Aristóteles permaneceram importantes, pela sua influência nos pensadores escolásticos, em particular S. Tomás de Aquino (1225-1274). Esta é, em parte, a razão pela qual, até à Revolução Industrial, o controlo monetário, no Ocidente, permaneceu nas mãos do Governo, ou da Igreja, e permaneceu inseparável da soberania, em todas as sociedades envolvidas. Contudo, isto iria mudar, e as origens da mudança podem ser ligadas ao aparecimento da banca privada, após a queda de Bizâncio, [4ª Cruzada] em 1204, com governantes progressivamente mais dependentes de empréstimos privados, para financiarem guerras. Contudo, o controlo monetário fundamental, permaneceu em mãos soberanas durante mais alguns séculos. O Banco de Amesterdão (1609-1820) ainda era propriedade do Estado, e mantinha um total de 100% de reservas dos depósitos dos seus clientes. E o julgamento dos 'Dinheiros da Irlanda' (1601) confirmou o direito do soberano a emitir moeda metálica sem valor intrínseco, como promissória de valor, legalmente válida. Foi o decreto britânico da 'Livre Emissão de Moeda', de 1666, juntamente com a fundação do Banco de Inglaterra, de carácter privado, que estabeleceu o precedente do abandono por um soberano, do controlo monetário. Os séculos seguintes oferecem amplas perspectivas para a comparação dos resultados da emissão privada e pública de dinheiro.
Os resultados [desta mudança], para o Reino Unido, são particularmente claros. Shaw (1896) examinou os registo para os diferentes monarcas ingleses, e estabeleceu que, com uma excepção (Henrique VIII), o rei sempre usou a sua prerrogativa soberana de criação de moeda, para beneficio da nação, sem crises financeiras de nota. Por outro lado, Del Mar (1895) estabeleceu que o decreto da 'Livre Emissão de Moeda' gerou uma sucessão de pânicos comerciais e desastres financeiros, completamente desconhecidos até então, e que entre 1694 e 1890 [data da nacionalização do Banco de Inglaterra], nunca houve nenhum período de 25 anos sem uma crise financeira em Inglaterra. "
Este último parágrafo deveria funcionar como um soco no meio da cara para todos aqueles que continuam a acreditar que o dinheiro existe no análogo a um vasto lençol subterrâneo de petróleo, e que os seus donos têm toda a legitimidade para o emprestarem — ou o negarem (!) — a seu bel-prazer. São ainda uma infeliz maioria, não menos maioritária do que aquela que, durante milénios, acreditou ser a Terra o centro do Universo. A grande diferença, é que as crenças geocêntricas raramente causavam vítimas; esta crença continua a ferir e a tolher a maioria de entre nós. Os gaspares deste Mundo, devem sentir aquele frenesim que Macbeth sentiu ao interiorizar a possibilidade de levar a cabo, impunemente, o assassinato do rei da Escócia. O que os gaspares esquecem, é a outra face da moeda, contida na previsão das três bruxas: "Nada te ameaçará, enquanto a floresta de Birnam não se erguer e marchar para o castelo de Dunsinane."
Os soldados do exército revoltoso cortaram ramos de pinheiro na floresta, para ocultarem o seu número e aterrorizarem os defensores da desordem vigente. A floresta ergueu-se. Vai voltar a erguer-se, quando o sofrimento das vítimas ultrapassar algum limiar insustentável. Não sei quanto tempo mais vai demorar, porque não sei onde está aquela linha do (in)suportável. Formulo apenas um voto: Desta vez, cravos, só no fim!
Desta vez vou tratar-te, não como o estupor que és, mas como alguém que não joga com o baralho todo, que não tem os cinco alqueires bem medidos, alguém que ensandeceu perigosamente. Não sei se percebeste o que disse, até agora. Basicamente é um prólogo de um fecho que não virá longe, porque tenho mais que fazer do que estar a explicar-te ao que venho e qual é o meu estado de espírito.
Não sei, de resto, se à medida que te vai caindo cabelo não se te irão também desprendendo pedaços do resto de cérebro que eventualmente ainda encarceres nesse espaço entre as duas orelhas que te amparam o crânio. Em suma, para além do que os teus actos revelam, uma demência para além de qualquer dúvida — além de uma maldade constitucional que mesmo nos insanos se revela —, nem sequer sei se ainda saberás apreender um texto, ainda que to soletrem ao ouvido.
A cena é esta, pá.
Desde que te colocaram onde estás (até parece mentira que sejas primeiro-ministro), já disseste e fizeste todo o tipo de asneiras e inanidades. Já mimaste o povo que te elegeu com todo o tipo de insultos. E sim, e isso dá-me ainda mais liberdade — toda a liberdade — para te tratar como deves ser tratado. De resto, neste caso, não me incomoda que a minha liberdade atropele a tua, desde logo porque tu e os teus donos e as tuas doninhas me atropelam e ao meu povo todos os dias.
Disseste agora que “quem mais contesta o Governo é quem mais tem”. No momento em que te ouvi senti uma raiva que não mereces que alguém sinta por ti — porque és reles coisa e porque está fora das tuas capacidades perceber a gravidade do que vomitaste. Tive receio de que mo tivesses dito na cara, sabes? E tenho receio que muitos dos que mais têm motivos para contestar o teu governo de marionetes tenham sentido igual receio.
Muitos dos que mais têm vêem os filhos passar fome e, desempregados por causa das tuas políticas de terra queimada e das ordens que tens para dizimar, estraçalhar, plantar-eucaliptos-e-derrubar-sobreiros; — dizia, desempregados por tua causa, se sentem na obrigação, no dever, de roubar para pôr pão na mesa. Para que os filhos, que são dos que mais têm, não morram à fome. Para que possam crescer sem morrer e chegar a ter idade comprar um bilhete de comboio e fazer-te a vontade: desaparecer deste país. É isso que tu fazes a essas crianças, que mendigam para comer. Pões-lhe dor no olhar. Ódio no agir. São as sementes que plantas, os frutos que vais colher. Pode ser que te saio o tiro pela culatra. Pode ser que percam o comboio.
E, voltando aos pais, aqueles que são dos que mais têm. Estão como estão porque se eclipsaram as empresas onde trabalhavam, continuando, porém, estas, após lançarem milhares de famílias, das que mais têm, no desemprego, a ser das (empresas) que mais têm.
Tudo malta de posses como vês! Quando te ouvi roncar aquelas palavras, depois de olhar para o meu filho, depois de sentir o que senti, depois de gritar bem alto o que tu és em forma de palavra que não quero que o meu filho oiça, sabes no que pensei? Nas crianças que desmaiam nas aulas. De fome canalha! São das que mais têm? Das que não vão à escola porque não têm como. São das que mais têm? Das que não chegam a ver a luz da vida porque os pais, que são dos que mais têm, já não têm possibilidades de as ter. Lembrei-me daqueles que se enfiam dentro dos contentores do lixo à procura de algo para comer. Para dar aos filhos. São dos que mais têm? Daquelas famílias que dormem dentro do carro porque perderam o emprego e, para não roubarem, perderam a casa. São das que mais têm? Das que dormem ao relento. São das que mais têm? Lembrei-me de quantos velhos e menos velhos já terão morrido por causa da puta da tua austeridade. Nos hospitais onde já não há compressas. Onde se doseia o que não deve ser doseado. Onde os teus especialistas querem que se tratem as pessoas em função da esperança de vida. Dois meses de vida? Deixa morrer! São dos que mais têm? Melhor; eram dos que mais tinham?
Lembrei-me dos velhos que morrem em casa. De fome, de frio, sem cuidados médicos, sem dinheiro para comprar os remédios que o estado social que tu destróis lhes garantia. A pensão miserável que lhes roubas e para a qual eles trabalharam de sol a sol a vida inteira.
E tudo porque não há dinheiro. Há dinheiro para os teus boys, há dinheiro para tapar os buracos marginais dos da tua laia, há dinheiro para manter em colchão o que os bancos talvez precisem, enquanto pagamos juros usurários aos prestamistas a quem prestas vassalagem. Há dinheiro para tudo. Mas não há dinheiro para dar ao povo aquilo que é do povo por direito. Os tais direitos adquiridos e que tu saqueaste. Adquiridos ao longo de séculos, de evolução da espécie, pá. Olha o ridículo! Adquiridos em Abril. Nesse mesmo Abril que tu teimas em destruir, canalha.
Estes que emigram, estes que passam fome, estes que não nascem, estes que estão doentes, estes que morrem. Por tua causa! Não são estes os que mais têm, pois não?
Os que mais têm são aqueles que, ainda que passando fome, têm força para erguer o punho e a voz para te contestar? Aqueles que, ainda que inventando formas de viver, cortando onde não deviam cortar, te colocam em causa, a ti e às tuas políticas assassinas? São esses os que mais têm? São os milhões que se reúnem aos milhões e inventam formas para te mandar bardamerda? Nos 15 de Setembro? Nos 14 de Novembro? Aqueles que amanhã, em frente à AR e por todo o país, vão contestar o teu OE que, se o teu cúmplice de Belém promulgar, e enquanto o TC não o deitar abaixo — se ousar! —, vai diminuir o número dos que mais têm?
Era aí que queres chegar, não era? Há que diminuir o número dos que contestam! Há que diminuir o número dos que mais têm! Nem que para isso lhes cortes as pernas! Lhes apliques dose reforçada do mesmo que deste aos outros que já eram. Era isso que dizias, sim! Tu e os teus donos.
Para teres mais paz e poderes mais à-vontade fazer o teu serviço de corsário e salteador, de abre-latas aos vis, retalhando e despovoando o país, para entretanto e após o venderes ao preço da uva mijona.
Como vez, fiz como tu fizeste com as tuas promessas. Tratei-te, não só como o estupor que és, mas também como o alienado perigoso que também és. Ora lê lá a primeira frase. Foi isso não foi? Cumpri ou não cumpri? Pois…
Isto é um exemplo daquilo a que os profissionais do marketing chamam técnicas de compensação, dividir para minimizar os impactos psicológicos negativos que o custo de qualquer coisa sempre produz. Acontece que, aquilo que os tais "profissionais" julgam que sabem, já a mim me esqueceu. Ora, se é aritmeticamente correcto fazer aquelas contas em bicas, também o podemos fazer a respeito, por exemplo, dos custos do serviço da dívida pública, previstos no próximo Orçamento do Estado. O resultado é aquele número absurdo do título: duzentos e sete mil e duzentos milhões de bicas. Seguindo o exemplo do inefável diário, da manhã, são 56,7684931507 bicas por dia, para cada português. Porra, que é muito café!
Hoje em dia, e da forma mais obscena possível, muitos portugueses estarão a abandonar a bica e a regressar às mais energéticas sopas de cavalo cansado, do Ti António das Botas. Mais se lhes seguirão, mas facto também, é que tudo o que podemos contabilizar em bicas, podemos fazê-lo apenas em café, tout court. Ora, diz-me o proverbial sô Jaquim, do café da esquina, que aquele rôr de bicas representam cerca de 1,450,435 toneladas de café, durante um ano. Ah! Nada de muito impressionante, só o Brasil produz muito mais do que isso. E no entanto...
No entanto, aquilo que podemos dizer a respeito do serviço da dívida pública portuguesa, podemos também dizer a respeito do conjunto dos países-mártires da Europa, os tais PIIGS. E para este conjunto de países, o serviço das suas dívidas públicas, no seu total, será, para 2013, cerca de 17.405.220 toneladas de café. De acordo com as previsões oficiais do governo dos Estados Unidos, o total da produção mundial, para 2013, será de apenas 8.880.000 toneladas. Menos de metade.
Ora bolas, mas onde é que isto nos leva? A verdade é que já bebi quase meio-litro de café e ainda não cheguei a lado nenhum. A verdade é que, para mim, com o meu percurso pessoal, seria mais natural fazer as contas em barris de petróleo. Não o fiz e por um motivo simples: estaria a pisar uma linha invisível — que os tais "profissionais" não sabem que existe — mas essencial: estaria a fazer o equivalente a passar moeda falsa. E por um motivo simples.
Eis-nos aqui, neste grão de poeira, a que chamamos Terra. No sentido mais essencial, é apenas um motor, accionado à distância pela grande máquina cósmica que é o Sol. E no preciso momento em que escrevo estas linhas, accionado pela nossa estrela, o planeta está a produzir petróleo, e gás natural, e carvão. Acontece apenas que o faz a um ritmo tão lento, que a única forma razoável de encarar algo como os hidrocarbonetos fósseis, é olhá-los como recursos únicos e insubstituíveis. Quando descrevemos os custos do monstro da dívida em toneladas de café, ou de qualquer outro recurso renovável, estamos a comparar os resultados dessa monstruosidade com parte do que a nossa Mãe Comum nos dá, a cada ano. E no ano seguinte, e nos que se seguirem, pelos menos enquanto tivermos algum juízo. Quando consumimos hidrocarbonetos fósseis, estamos, literalmente, a ir ao baú que a Terra encheu, durante muitos milhões de anos.
Acontece que "ir ao baú", é precisamente o que muitos europeus do Sul estão a fazer neste momento. Por isso, e depois de termos colocado o assunto na sua perspectiva correcta, vamos traçar um quadro absurdo: vamos dizer que os Países da União Europeia, no seu conjunto, se apossavam do total de reservas firmes dos 17 maiores produtores mundiais de petróleo, e o vendiam a 100 euros o barril (não faltará muito para lá chegar), apenas para pagar o total do conjunto dos seus serviços da dívida. Quanto tempo é que o baú aguentaria? De acordo com os dados do Eurostat, a resposta é simples: 28,4569992036 anos; o baú chegaria ao fundo antes de 2041. (1)
Nunca é fácil lidar com a loucura. Devo dizer que o gaspar que nos tocou em sorte, me parece essencialmente muito estúpido. É um Verdadeiro Crente, um zelota, e há-de ir para a cama, todas as noites firmemente convicto que está a fazer tudo para nos ajudar a remirmos as nossas culpas, indignos pecadores que somos. Se ele vivesse em Marte, mais não conseguiria do que arrancar-me uma gargalhada ocasional. Mas ele está a destruir este País que é o meu; ele e a sua pandilha estão a destruir este Continente, que também é meu. E por isso, ele está, estão todos, a atingir o ponto em que tudo o que os impeça de continuarem será justificado. Os Povos da Europa vão-se erguer; sempre o fizeram e esta vez não será excepção. Acontece apenas que, quanto mais tempo demorarem, mais difícil será o recomeço, para os nossos filhos.
(1) Estes últimos números estão redondamente errados! Tratei-os como se fossem estáticos, quando aquilo que define a dívida, num quadro de reservas fraccionárias, é exactamente a sua natureza exponencial. O número aritmeticamente correcto será provavelmente inferior a metade, talvez inferior a dez anos. Acontece que eu também tenho os meus limites, e para além dum certo ponto, já não tolero a loucura. Chega!
Se há imagens que valem por mil palavras, esta que se segue, deveria ter um efeito semelhante ao de um estalo na cara. O gasparídeo que temos prepara-se para gastar, durante o ano de 2013, 70 euros e 48 cêntimos em cada 100, no serviço da dívida pública. Os dados são cortesia do Jornal de Negócios, mas não acho, na minha humilde opinião, que coloquem o facto na sua perspectiva real.
Por isso, usei aqueles dados para fazer o graficozinho que se segue. É impressionante como perante aquela montanha de mais de 120 biliões — e é assim que a Grand Larousse indica que devem ser designadas quantidades de 10 levantado a 9, no âmbito da Notação Latina Clássica — até os poucos biliões da Segurança Social e da Educação, fazem figura de amendoins, na sombra duma sequóia.
Perante factos como estes, a reacção humana razoável, consiste em tentar perceber como chegámos a este ponto. No entanto, existe a tentação muito humana de apontar o dedo ao alvo mais fácil de apontar, exactamente como, perante um motor de combustão interna que gripou, existe a tentação de apontar o dedo ao condutor que não terá verificado o nível de óleo no cárter. Será que o fez? A discussão pode tornar-se longa e, sobretudo, bizantina. Muito mais importante é perceber porque é que os motores precisam de lubrificantes e como é que a resposta a essa necessidade evoluiu ao longo do tempo.
"O historiador Alexander Del Mar (1895) escreveu: “Por via de regra, os economistas políticos não se dão ao trabalho de estudar a História do Dinheiro; é muito mais fácil imaginá-lo e deduzir os seus princípios a partir deste conhecimento imaginário.” Del Mar escreveu [esta frase] há mais de um século, mas a afirmação ainda se aplica hoje em dia. Um exemplo excelente deste facto é a explicação dos compêndios económicos, de acordo com os quais, o dinheiro apareceu em transacções privadas, para responder às necessidades convergentes da procura e da troca de bens.
Tal como é mostrado em Graeber (2011), com base em evidência de carácter antropológico e histórico, não existe sombra de provas que suportem esta narrativa. A permuta de bens era virtualmente inexistente nas sociedades primitivas, e, pelo contrário, as primeiras transacções comerciais tiveram lugar no âmbito de sistemas de crédito elaborados; e os muito posteriores sistemas monetários, tiveram origem nas necessidades do estado (Redgeway 1892), de instituições religiosas (Einzig 1966), (Laum 1924), ou de cerimoniais sociais (Quiggin 1949), e não na necessidade criada por relações de troca comercial privadas.
Qualquer debate a respeito das origens do dinheiro, transcende o domínio do interesse académico, porque conduz directamente a uma discussão a respeito da natureza do dinheiro, a qual, por sua vez, tem uma importância crítica na discussão a respeito de quem deve controlar a emissão de dinheiro. Em particular, a narrativa da origem do dinheiro nas transacções entre particulares, iniciada, no mínimo com Adam Smith (1776), tem sido usada como argumento a favor da emissão e controlo privados da emissão de dinheiro. Até há poucos anos, esta tinha assumido a forma de cunhagem privada de moedas a partir de lingotes metálicos. Embora possa existir, por vezes, envolvimento intenso do estado nestas operações, o facto é que, na prática, os metais preciosos sempre se acumularam na posse de privados, os quais os emprestavam a troco de juros.
Desde o século XIII, este sistema baseado em metais preciosos, foi acompanhado na Europa, e depois suplantado, pela emissão de dinheiro bancário privado, mais adequadamente designado por crédito. Por outro lado, a narrativa histórica e antropologicamente correcta a respeito das origens institucionais do dinheiro, é um dos argumentos a favor do monopólio do Estado de Direito sobre a emissão de dinheiro. Na prática, este estado de coisas assumiu a forma, no passado, de emissão de notas e moedas isentas de juros, embora possa também assumir a forma de depósitos electrónicos.
Existe um outro assunto que tende a gerar confusão, normalmente sob a forma da discussão entre “dinheiro real”, isto é, garantido por metais preciosos, e o dinheiro fiduciário. Tal como documentado em Zarlenga (2002), este debate é essencialmente uma digressão, pois mesmo durante períodos históricos baseados em metais preciosos, a principal razão para o alto valor desses metais resultava do seu papel como dinheiro, resultante da ordem legal vigente, e não das qualidades intrínsecas desses metais. Este assunto é particularmente confuso em Adam Smith (obra citada), que assume uma perspectiva primitiva do dinheiro como mercadoria a granel, apesar do facto de, no seu tempo, o então privado Banco de Inglaterra ter já há muito iniciado a produção de dinheiro fiduciário, cujo valor não tinha qualquer relação com os custos de produção dos metais preciosos. Mais importante ainda, como Adam Smith decerto sabia, tanto o Banco de Inglaterra como outros Bancos privados, criavam contas de depósito para clientes de operações de crédito, que não tinham efectuado qualquer depósito em moedas (ou sequer em notas emitidas por esses bancos).
O debate histórico a respeito da natureza e controlo do dinheiro, é o assunto de Zarlenga (2002), trabalho magistral que traça o debate até à Mesopotâmia antiga, à Grécia e a Roma. Tal como Graeber (2011), ele mostra como a emissão privada de dinheiro levou repetidamente a problemas sociais de grande monta, através da História registada, devido à usura associada a dívidas privadas. Zarlenga não adopta a perspectiva comum de usura como a prática de “juros excessivos”, mas sim como a forma de “tomar algo em troca de nada”, pelo mau uso deliberado do sistema monetário, para gerar ganhos privados." Este texto é traduzido de O Plano de Chicago Revisitado. Decidi interromper a tradução neste ponto, por motivos de tempo e espaço, mas também porque a secção que se segue é provavelmente a que tem uma importância mais crítica, no que à narrativa (ainda) dominante diz respeito. A vasta maioria das pessoas continua, obstinadamente, a verificar aquela rejeição da evidência de que John Kenneth Galbraith falou. Voltarei ao assunto em breve. Entretanto, espero que, em sentido figurado, todos nós possamos regressar a Chicago.