Duvido que esta venha a ser a conclusão final. A escolha do local tem um peso simbólico muito grande, do lado de lá do Atlântico. Georgetown é a escola da governação e da administração pública e há séculos. Por isso, sinto-me capaz de fazer uma aposta: Barack Obama irá anunciar o fim do pipeline Keystone. Está em muito mau estado, a Columbia Britânica anunciou recentemente a proibição da versão mais curta. Não é vinculativa e o governo federal canadiano pode anular a decisão. Não pode ir contra a decisão daquilo a que os canadianos chamam As Primeiras Naçãoes e estas opõem-se frontalmente. De forma mais resumida, o caminho mais curto (cerca de 600 milhas) para o escoamento das areias betuminosas da província de Alberta está vedado; resta o mais longo (cerca de 5 vezes mais) até ao Golfo do México. Pode acabar amanhã, o assunto está dentro do âmbito do poder executivo do presidente americano.
Se isto acontecer, ou quando isto acontecer, será rigorosamente a primeira vez na História em que um produtor maior de hidrocarbonetos fósseis se verá impedido de levar o seu veneno até aos sagrados mercados. Claro que também é possível que o senhor Obama queira afirmar de facto a tal "liderança americana" e anuncie o estabelecimento de limites fixos ("hard cap") para a emissão de dióxido de carbono. Se o fizer, estará efectivamente a antecipar-se ao governo chinês, que pondera fazê-lo para 2016, mas a este respeito, se alguém me desse vinte euritos para apostar, eu colocaria cinco no "sim", outros cinco no "não" e guardaria o restante para mim.
Vem tudo isto também, a respeito do pronunciamento recente da Presidenta Dilma. Ficámos a saber que o Brasil irá reservar as receitas do petróleo para investir na educação do seu Povo. Acontece que o "petróleo brasileiro" ainda não existe.
Enquanto produto vendável, ainda não existe. Está naquela fase do trólaró que eu já referi nestas páginas. É um produto de muito má qualidade, azedo (o que quer dizer, com elevado teor de contaminantes) e inusitadamente ácido; comparado com a rastemenga canadiana continua a ser um néctar de deuses. Parece que o Brasil planeia fazer com ele algo semelhante ao que a minúscula Noruega fez com o petróleo do Mar do Norte. Não o irá conseguir, e sim, existe algo de profundamente injusto em tudo isto.
Ha-Joon Chang chamou-lhe "...dar um pontapé no escadote...", como se alguém usasse um escadote para subir à altura pretendida, e depois lhe desse um pontapé, para evitar que outros consigam seguir na sua peugada, e sim, é exactamente isso que os freis tomases da mundialização fazem. Acontece que, neste caso, é a única coisa a fazer: 80% das reservas fósseis conhecidas são in-queimáveis e esta é a mãe de todas as bolhas financeiras. Tudo somado, desde a bolha japonesa do início dos 1990's, passando pelos sub-primes americanos da última década, até às desgraças europeias presentes, não passam de bolinhas de sabão, sopradas por uma criança.
O Mundo até pode começar a acelerar amanhã mesmo. Como o mostra o caso brasileiro, nada será simples. Um chinês diria provavelmente "...que possas viver em tempos interessantes...", sem nos explicar que há muito de maldição naquela prece. Por esta triste Europa, as direitas mais rançosas e as esquerdas mais inúteis, acusam-se mutuamente de reaccionarismo e de acordarem os velhos demónios. Ambos têm razão. A nós, ficam-nos apenas as perguntas do Pete Seeger: "Quando iremos aprender?"
Where have all the flowers gone? Long time passing Where have all the flowers gone? Long time ago Where have all the flowers gone? Girls have picked them every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the young girls gone? Long time passing Where have all the young girls gone? Long time ago Where have all the young girls gone? Taken husbands every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the young men gone? Long time passing Where have all the young men gone? Long time ago Where have all the young men gone? Gone for soldiers every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the soldiers gone? Long time passing Where have all the soldiers gone? Long time ago Where have all the soldiers gone? Gone to graveyards every one When will they ever learn? When will they ever learn?
Where have all the graveyards gone? Long time passing Where have all the graveyards gone? Long time ago Where have all the graveyards gone? Covered with flowers every one When will we ever learn? When will we ever learn?
Quando eu falei em "maldições fósseis", estava a tentar usar o termo no sentido da tragédia grega clássica. Neste ponto, tenho que me render à evidência: eu não sou Sófocles. Mas isso também não tem importância porque, ao contrário dos heróis gregos, amaldiçoados pelos deuses, a única coisa a respeito da qual é possível ter a certeza, é que a maldição será superada.
Neste Mundo, há os que têm e os que nada têm. Não há nada de novo nisto, sempre assim foi. A única diferença é que, pela primeira vez na História Humana, os verdadeiros actores são os que nada têm, os despojados. Vocês, são "os que têm", uns mais outros menos, claro, mas vocês são os possidentes e eu não quero saber de vocês para nada. Vocês já não contam, porque os despojados herdarão a Terra. Como eu sou um coração de manteiga, vou dar-vos uma última chance mas, e sem qualquer ironia, é a última, e não há nada que eu, ou quem quer que seja possa fazer a esse respeito.
A energia é a condição primordial para a existência de grupos sociais organizados. A energia e a água, mas a água é um assunto diferente, deixemos a água de lado. O facto é que existem dois Universos, um é o Macrocosmos da nossa experiência e, por mais irritante que consiga ser, transmite-nos sempre o conforto da familiaridade. O outro é mais misterioso, cheio de paradoxos e surpresas, mas é onde, em última análise tudo se decide. O Microcosmos é estranho, mas é também "muito arrumadinho", cheio de simetrias e regularidades e, acima de tudo, extremamente estruturado. Ora, o Microcosmos revela-nos que a energia não é o fenómeno elementar que a nós, seres macrocósmicos, nos parece ser. Energia é um fenómeno extremamente estruturado e só pode existir a partir dum limiar mínimo. Daí para baixo, existem forças e existem momentos, energia ainda não; e no nível mais elementar de todos, existem apenas interacções.
Para além disto, e ao contrário de tudo o resto, que é regido por leis conservativas, x + y = x + y, e nada se cria nem nada se perde, a energia é regida não por uma, mas por duas leis. A primeira é confortavelmente conservativa, "A soma do que entra, menos o que sai, mais o que já lá estava, menos o que lá fica, é igual a zero". (1)
A outra é muito mais potente e a lei mais geral de todo o Universo. A 2ª Lei já não é conservativa, é dissipativa, e diz-nos terminantemente que a energia não é conservável. Apenas a podemos manter em equilíbrio.
Ou então não. Uma das inúmeras facetas da 2ª Lei, é que existem apenas dois tipos de processos espontâneos. Uns são endorgónicos, usam a energia disponível e tornam o total disponível menor. Nós, seres humanos mais os nossos primos, próximos ou afastados, somos apenas processos endorgónicos. Nós, mais virtualmente tudo o que temos vindo a fazer, desde o início da Revolução Industrial: limitamo-nos, literalmente, a "ira ao baú". Os outros processos espontâneos são exorgónicos, usam uma fonte livre de energia para encherem o baú. É isso que a evolução natural fez por nós e que a massa verde do Planeta continua a fazer todos os dias. A 2ª Lei da Termodinâmica diz-nos apenas que a única forma segura de existência, é perto de equilíbrio. Quando a soma dos processos endorgónicos e exorgónicos é aproximadamente igual a zero.(2)
Ou então não sobrevivemos. A situação actual é apenas o produto da crença, muito arreigada, de que podemos continuar indefinidamente a ir ao baú, sem cuidarmos também de o encher. No entanto, as alterações climáticas geradas pela actividade humana, são apenas o pano de fundo perante o qual o drama humanos se desenrola. E o facto simples é que o problema é ainda muito maior do que vocês pensam e, por mais paradoxal do que pareça, isto são boas notícias. Vocês vão ser salvos, não que o mereçam pelo vosso comportamento passado e presente, mas vão ser salvos por aqueles que nada têm, pelos despojados deste Mundo. O problema é a energia, a condição primordial para a existência de grupos sociais organizados. Para o compreendermos, temos que fazer algo simples: temos que parar de falar em energia.
Que fique claro: eu não quero saber "...como vocês se sentem...", ou o que é que "...vocês acham...", ou aquilo em que vocês acreditam. O meu argumento é estritamente analítico e assim será enunciado. Vamos começar por dividir tudo pelo tempo, e estamos a falar em potência. Como se perguntássemos "...qual é a potência daquela lâmpada?". A partir daqui, energia é apenas aquele número a multiplicar pelo tempo que ela estiver ligada.(3)
Qual é então o tamanho da nossa lâmpada global? Um pouco mais de 14 TW, vamos dizer 15 TW, o equivalente a 15 mil milhões de lâmpadas de 100 Watt. Pois muito bem, por volta de 2050, daqui a cerca de 40 anos, irá aumentar para cerca do dobro, 30 TW. Será que o problema começa a revelar a sua grandeza? A energia é a condição primordial para a existência de grupos sociais organizados, mas o que isto significa, neste particular é que, obviamente, a Revolução Industrial não começou do zero; no que respeita a magnitude, a diferença não faz diferença. Demorámos cerca de 250 anos até laboriosamente, sermos capazes de acumular aquele primeiro total. Agora, temos menos de quarenta anos para lhe acrescentar outro tanto.
"É sempre muito difícil fazer previsões, em especial a respeito do futuro...", já lá dizia Niels Bohr, mas esta previsão peca apenas por ser excessivamente conservativa. Assume apenas que vocês, os que têm, vão ser capazes de conservar tudo o que têm. Fora dum quadro de conservação perfeita (o único razoável), o total será ainda maior. Esta é também a tal última oportunidade de que falei anteriormente. Mas este é um assunto analítico e o meu argumento é estritamente analítico. Vejamos, pois, aquilo que está ao nosso dispor.
Disponibilidades nucleares, cerca de 8 TW. Como um reactor nuclear representa aproximadamente 1 GigaWatt de potência, estamos a falar de 8 000 reactores nucleares. A serem construídos durante os próximos quarenta anos, em média 200 por ano; ou cada um novo a ser concluído a cada dia e meio que passe. Acontece também que estes equipamentos têm um período de vida útil de cerca de 40-50 anos, pelo que, quando chegássemos ao fim, estaria na altura de começarmos a descomissionar o primeiro a ser concluído. Por outras palavras, estaríamos a construir ad eternum, sempre ao mesmo ritmo, um novo reactor nuclear concluído a cada 1,5 dias, apenas para provermos a metade das nossas necessidades globais. Mas já todos ouvimos falar, por esta altura, da Three Gorges, a central hidroeléctrica das "Três Gargantas", no Yang-Tse. É a maior do Mundo, cerca de 24 GW de potência instalada, ou seja, pela minha mnemónica, o equivalente a 24 reactores nucleares. A Three Gorges demorou cerca de 17 anos a ser construída, será que me começo a fazer entender?
A energia é a grande singularidade, aquilo que fazemos diferente de tudo o que vimos vindo a fazer, desde o início da Revolução Industrial. E tudo se resume a dois verbos, tão intuitivos que não me recordo de alguma vez os ter ouvido serem mal utilizados. Os verbos são construir e fabricar. Só construímos aquilo que não somos capazes de fabricar. E tudo o que construímos, tem três características: é muito grande, extremamente pesado e extremamente caro. Para além disto (e eis que regressa a Three Gorges), extremamente demorado para concluir. Quando precisamos de algo em grandes quantidades, fabricamo-lo. No entanto, as quantidades de um qualquer produto, que conseguimos fabricar, dependem dos mesmos três factores. Os despojados necessitam de enormes quantidades de produtos de energia, pequenos, leves e, acima de tudo, baratos (custo por quilograma de produto final). E será isso que eles irão ter. Mas antes de consubstanciar esta última afirmação, importa esclarecer quem são afinal os tais despojados que irão herdar a Terra.
São aqueles cerca de três biliões de seres humanos que ainda não têm acesso, ou muito pouco, a bens de energia; mais os cerca de três biliões que irão nascer, até cerca da metade do século, a vasta maioria em países onde esse acesso é ainda mínimo. Ainda não é claro porque é que eles são os verdadeiros actores históricos do nosso tempo? Vamos estão esclarecer este aspecto. John Kenneth Galbraith escreveu, entre outros, um livro chamado A Sociedade da Pobreza. É um livro muito fininho e quando o vi pela primeira vez, perguntei aos meus botões se tal assunto caberia em tão poucas páginas, mas o autor esclarece logo na primeira que o âmbito do livro não é a pobreza, em todas as suas múltiplas vertentes, mas um aspecto muito específico. Galbraith foi um dos especialistas convidados pela ONU para acompanharem aquilo que, pelos anos sessenta do século passado ficou conhecido como a revolução verde, ou seja, a alteração radical das técnicas agrícolas por todo o Sul e Sudoeste da Ásia, com o propósito de responder à explosão demográfica do pós-guerra. Galbraith foi crítico da forma como o assunto era apresentado aos seus destinatários finais e da interpretação que era dada pelos seus colegas à resistência dessas populações àquelas mudanças. É ainda demasiado cedo para explicar porquê, mas fica um dado estatístico quase inacreditável, citado pelo autor. Por aquela altura, uma família de camponeses indianos, vivendo na margem das grandes florestas (elas próprias em recessão) gastava em média, cerca de dezoito horas por dia, para prover apenas a duas necessidades básicas: água potável e lenha para cozinhar. Aqueles dois requisitos elementares para a existência de grupos sociais organizados, mas é óbvio que, naquelas condições, o único modelo social que pode permitir a sobrevivência, é a família alargada, multi-geracional.
Acontece também que há, pelo menos, Vinte e três coisas que eles não te dizem a respeito do capitalismo, uma delas sendo que, obviamente, a máquina de lavar é mais importante do que a Internet. É óbvio que os homens também podem lavar roupa à mão, mas o autor explica isto melhor do que eu. A constrição é a mesma, ou seja, o tempo. Quais seriam os modelos sociais possíveis sem a máquina de lavar? Aqueles que existiam antes, e é apenas um truismo, mas o problema é nós esquecemos como é que as coisas se faziam (!). Por outro lado, o senhor Chang começa, dalguma forma, "demasiado acima".
C2H6O . Será que esta forma canónica diz algo? Chamamos-lhe éter di-metílico (DME) e é um combustível quase perfeito. Quase, mas só pode ser obtido por síntese. Inclusive, é a opção da Iniciativa Europeia dos Combustíveis do Futuro, que engloba todos os construtores automóveis da Europa e que, no presente, produz pouco mais do que aquele silêncio ensurdecedor do arrastar de pés. Na actualidade, a grande produção mundial de DME é a chinesa -- por meios estritamente convencionais, destilando metanol a partir do gás natural e depois desidratando o metanol. O DME é um combustível com um espectro de aplicações muito largo, incluindo o facto de ser um substituto natural do GPL, do butano e do propano. Mas o senhor Chang começa muito acima, porque a máquina de lavar é já um produto de energia muito estruturado. A sua primeira exigência é a existência duma rede eléctrica. Ora, a minha própria memória conta-me como, neste país e já durante o meu tempo de vida, o primeiro produto de energia a que muitos portugueses tiveram acesso foi, simplesmente, o fogão a gás. Simples, pequeno, leve e barato. Requer apenas uma botija de gás. Será que se percebe, neste ponto, porque é que a China se dá àquele trabalho? Fogões a gás. Para eliminar parte daquelas dezoito horas diárias, necessárias para recolher lenha; para que os seus camponeses-de-subsistência se possam tornar, pelo menos, em camponeses-produtores-de-excedentes-alimentares.
Mas é claro que não se vão ficar por aí. Para que os camponeses-produtores-de-excedentes-alimentares, ou pelo menos muitos, se possam transformar em operários fabris — e fabricar, por exemplo, camisolas de algodão, para o Martim depois estampar — necessitam também de máquinas de lavar e isso requer uma rede eléctrica. Máquinas de lavar, mas também frigoríficos, e pelo mesmo motivo que levou o senhor Galbraith a discordar dos seus colegas. Os camponeses indianos não eram ignorantes nem atrasados; eram o repositório milenar de um certo tipo de conhecimento, chamamos-lhe os processos adaptativos e estes implicam o esquecimento. Tão rápido que, lhe chamamos esquecimento exponencial.(4) Eles sabiam que existia um ponto crítico, a partir do qual já não conseguiriam sobreviver pelas estratégias antigas e ainda não sabiam se conseguiam sobreviver, usando as novas. Exactamente como a minha falecida mãe já não se lembrava "como se faziam as coisas", no tempo em que não existiam frigoríficos.
Não existe aqui qualquer margem para ingenuidades. Não tenho a menor dúvida de que, se fosse possível alimentar televisões a fadinhas da confiança e outros seres etéreos, essa seria sempre a primeira escolha dos governantes chineses. Mas como não é possível e eles são decisores racionais, os seus camponeses irão ter fogões a gás e os seus operários fabris irão ter frigoríficos e máquinas de lavar. Os chineses e os indianos, pois a forma mais correcta de nos referirmos àquele espaço imenso é chamar-lhe apenas Chíndia. E os dirigentes indianos são mais democráticos, mas continuam a ser suficientemente racionais, e não existe qualquer intenção irónica nesta frase.
Os despojados da Chíndia irão ter fogões a gás e irão ter bens de energia alimentados a electricidade, incluindo acesso à Internet e incluindo (se tiverem o mau gosto suficiente para isso, e é o mais provável), muitos dos iPhones que eles próprios fabricam. E será nesse ponto, quando a Chíndia for um espaço quase normal, como por exemplo o Brasil, que já quase consegue aumentar o seu PIB per capita, sem que para isso tenha de aumentar significativamente o seu consumo energético per capita, que a sua vitória será consumada. E tudo isto, com fontes de energia baseadas em produtos fabricados, pequenos e leves e, acima de tudo, baratos, os únicos que podem ser fabricados nas quantidades necessárias. Neste ponto e da maneira mais arrogante possível, vou escrever apenas quod erat demonstrandum.
Fica apenas por dizer qual é aquela última chance que o meu coração de manteiga vos concede. Trata-se nada mais e nada menos, de economia de merceeiro. É política oficial do FMI que cada tonelada de dióxido de carbono injectada na atmosfera representa um subsídio implícito de $25 dólares — aquilo a que os economistas chamam "externalidades" — que os governos de todos os países do Mundo dão (!) aos produtores de combustíveis fósseis. Acontece também, que existe um relatório brilhante, inicialmente escrito para ser apenas lido pelo senhor Barack Obama, mas posteriormente desclassificado, que estabelece, e aprecie-se a coincidência, um custo de $25 dólares por tonelada de dióxido de carbono a ser capturado da atmosfera e segregado em estratos geológicos apropriados. Existe uma terceira alternativa e tem exactamente o mesmo custo, $25 dólares por tonelada de dióxido de carbono a não ser emitido. Foi neste ponto que eu perguntei ao merceeiro da minha rua qual das três alternativas é a melhor. Fez-me apenas uma pergunta: qual das três é que gera mais emprego e mais actividade económica? Respondi que a primeira não gera nada, consiste apenas em deixar tudo como está; a segunda gera alguma coisa, mas tão pouco emprego, que quase nem vale a pena falar nisso; a terceira, essa sim gera ambas as coisas e com números muito elevados. "A terceira" e agora contem piadas a respeito de merceeiros.(5)
A China e a Índia foram e durante muitos séculos, responsáveis por mais de metade do Produto Interno Bruto do Planeta, algo que os USA apenas conseguiram aproximar durante e imediatamente após a 2ª Guerra. Pessoalmente, acho o caso chinês o mais interessante. Quando a China conseguiu libertar-se do jugo mongol, os novos dirigentes decidiram que a China não precisava mais do exterior, precisava isso sim, de se proteger das ameaças externas. O resultado foi a construção da Grande Muralha e vários séculos de isolamento e decadência. Quando os centros de gravidade, económicos e políticos — e a respeito dos culturais, a questão é apenas o "quando" — regressam ao Oriente, estão apenas a reocupar aquela que foi a sua posição natural, durante muito tempo.
A Grande Muralha da China é a única construção humana visível a partir do espaço, para os chineses representou uma tragédia, mas da qual se estão a libertar. Vocês, europeus (incluindo os que não sabem que o são, ou que não o querem saber) estão à beira da mesma decadência, e a vossa nem sequer requer barreiras físicas. A vossa última oportunidade para a evitar é europeia e é a última. Por isso, FAÇAM AS VOSSAS ESCOLHAS!
Daqui a 50 anos, ninguém vai querer saber do precipício fiscal [americano] ou da crise do Euro. [As pessoas] vão apenas perguntar, "Então, o Árctico derreteu e o que foi que tu fizeste?" Bill Mckibben, Rolling Stone
Muitas pessoas criticam o senhor Al Gore pela forma como ele abordou aquela que é, muito provavelmente, a mais perigosa crise da história da humanidade. Não me estou a referir a negacionistas das alterações climáticas, porque esses, mesmo que verifiquem o sentido de "muitas", não conseguem verificar qualquer sentido razoável do termo "pessoas". Tentar motivar as pessoas em torno duma ameaça comum, funciona se essas pessoas tiverem uma percepção física da ameaça. Enquanto a Exxon-Mobil não bombardear Honolulu, ou a Royal Dutch Shell não bombardear Roterdão, aquele sentido de perigo eminente, que deu origem ao que os americanos chamam "A grande geração", estará ausente. E estará ausente, porque, por exemplo por estas paragens, os condores do Gaspar bombardeiam todas as cidades e vilas deste país, com efeitos mais do que destruidores, extremamente próximos.
O movimento pelo desinvestimento no carbono está a ganhar amplitude. Adapta-se muito bem às características dos países anglo-saxónicos, mas como é que conseguirá desembarcar nas praias da Normandia? A muralha do Atlântico erigida pela segunda maior construtora de fortalezas da História, continua a revelar-se inexpugnável. Mais do que a do seu antecessor, mas vejamos os verdadeiros paralelos históricos, um pouco mais a sério do que os das frases anteriores.
Quando Gandhi iniciou a Grande Marcha do Sal, muito poucos foram aqueles, no Congresso Nacional Indiano, que pensaram que a iniciativa iria ter um mínimo de sucesso. No entanto, Gandhi estava a fazer duas coisas. A primeira era morder o poder instalado no único sítio onde ele sente a dor, ou seja, no bolso; a segunda, é que estava a oferecer aos povos do sub-continente indiano um objectivo prático e com grande impacto na sua sobrevivência imediata. O movimento pelo desinvestimento no carbono tem a primeira daquelas duas características. A forma como este movimento possa vir a ser adaptado às mais opacas sociedades do lado de cá do Canal da Mancha, irá depender da resposta ao segundo requisito de Gandhi. A necessidade aperta, mas confesso que não faço a menor ideia de como poderemos celebrar o próximo 6 de Junho.
Mas para os que tiverem dúvidas até que ponto é fácil dividir e desmoralizar toda a gente, basta olhar para a imagem que se segue. O método é muito simples, basta escolher o período de tempo que mais lhes convier. Entretanto, vamos vivendo os dias do trólaró.
Uma boa parte dos equívocos em que o bluff monumental das indústrias fósseis assenta, está naquela última frase da cena clássica de O Gigante: "Devias ter-lhe dado um tiro há muito tempo. Agora, ele é demasiadamente rico para ser morto". Perdão? Importa-se de repetir? O filme data do ano em que eu nasci; o James Dean ter-se-ia tornado um gigante, mais ou menos pela altura do meu décimo-quinto aniversário. Sim, nas cenas seguintes começam a ver-se camiões-tanque a passar na estrada, lá ao fundo, mas isso não passa de trólaró: se o James Dean tivesse descoberto petróleo algures na Andaluzia e tivesse celebrado um contrato para abastecer a refinaria de Sines..., bem, as contas são fáceis de fazer, um camião-tanque igual a 30 toneladas, teriam sido precisos 100 000 camiões por mês para abastecer a refinaria; 100 000 camiões/mês vezes dois (então e a viagem de regresso?), vezes 600 quilómetros, a velocidade média seria..., não faço ideia, mas digamos que as estradas do Alentejo estariam hoje todas transformadas em pistas de fórmula 1. As industrias fósseis passam 10-15 anos a injectar quantidades astronómicas de dinheiro nos seus poços, os cidadãos convencem-se que os seus países estão a ficar mais ricos, porque querem (!), o resultado final, com poucas excepções, é que a vasta maioria ficou mais pobre. Os 400 ppm de CO2 na atmosfera, são apenas o resultado de a sôdona física ter feito àquele bluff, aquilo que no poker se designa por "pagar para ver". Os adoradores do deus mercado, esses, continuam apenas a subir a parada. A verdade simples, é que não sabem fazer outra coisa.
Nenhum homem é uma ilha, Inteiro em si próprio. Todos são uma peça do continente, Uma parte do todo. Se um torrão for levado pelo mar, A Europa fica diminuída, Como se fosse um promontório. Como se fosse a tua casa, Ou a casa de um dos teus amigos. A morte de um homem diminui-me, Pois eu sou parte da humanidade. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram, Eles dobram por ti.John Donne — Nenhum homem é uma ilha
Recordo-me de ouvir a minha falecida mãe dizer que ainda se recordava do tempo em que não havia frigoríficos, mas já não se recordava como "...se faziam as coisas..." nessa altura. Ao longo do tempo, aquele esquecimento selectivo (!) começou a assumir um sentido claro para mim. Comecei a associá-lo àquela ideia vaga a que chamamos progresso. Pessoalmente, recordo-me de, lá pelo início dos 1980's, ter ido algumas vezes a uma fábrica de gelo que existia então em Cacilhas, junto ao rio. Não me lembro, de todo em todo, o que ia lá fazer, mas o que terá gerado a persistência da memória, foi provavelmente uma sensação física: havia sempre um ligeiro odor a amoníaco no ar; naquela altura, aquela fábrica — grandota, alimentava toda a frota artesanal e uma boa parte da frota costeira e do largo — ainda usava compressores de amónia. Nada de errado, diga-se. Continuam a ser utilizados hoje em dia, talvez sobretudo pelos escandinavos e não há nada de errado na sua utilização, desde que em ambientes industriais controlados.
Mas assim, nunca teriam existido frigoríficos domésticos. Os fluídos refrigerantes sempre constituíram uma área de nicho, especializada e frustrante, em grande medida. Os melhores eram ou muito tóxicos ou muito combustíveis; alguns, eram as duas coisas. Foi imediatamente antes e durante a 2ª Guerra que investigadores da DuPont de Nemours realizaram descobertas surpreendentes: ao substituir algumas cadeias carbono-hidrogénio, em hidrocarbonetos saturados, por átomos de flúor, a molécula resultante tornava-se menos combustível ; ao fazer uma substituição análoga por átomos de cloro, a substância resultante tornava-se menos tóxica. O inventor principal, tornou-se notório ao realizar algumas demonstrações..., digamos, inebriantes, tais como inalar as novas substâncias — que viriam a ser designadas por freons — e depois soprar o gás inalado para apagar a chama duma vela. Era quase inacreditável, aquelas substâncias eram não-tóxicas, não-combustíveis e extremamente baratas de produzir. Ligeiramente (?) inebriantes; a alegria do inventor, após as demonstrações, era..., ahn! Uma pedrada das antigas, mas daí decerto que não viria mal ao Mundo. Parecia demasiado bom para ser verdade. E era. Mas foi assim que o frigorífico da minha mãe se tornou possível.
A relação com as maldições dos hidrocarbonetos fósseis não é óbvia, mas é essencial. Cerca de 99% da massa total da atmosfera é formada por moléculas simétricas: azoto e oxigénio, dois átomos do mesmo elemento, ligados um ao outro. Estas moléculas são virtualmente transparentes a todas as bandas de radiação. A luz do Sol que passa através delas, aquece-as, mas muito, muito ligeiramente. As outras, que tornam a Vida possível no nosso Planeta, naquele 1% restante, são assimétricas e diferencialmente opacas a bandas específicas de radiação. Uma destas, é formada por três átomos de oxigénio e acumula-se sobretudo na alta atmosfera. Chamamos-lhe ozono e já todos ouvimos falar nele.
A camada de ozono absorve a radiação com frequências superiores ao violeta extremo e torna a Vida possível. Os freons destroem a camada de ozono e este é um exemplo concreto da ideia contida no título: os venenos rápidos, os que matam muito depressa, podem não ser os mais perigosos. A nossa espécie consegue ser inteligente, colectivamente inteligente, sobretudo quando apanha um cagaço a sério. O processo que conduziu, desde a confirmação do buraco da camada de ozono, sobre o pólo Sul, até ao Protocolo de Montreal, demorou pouco mais de quatro anos. A camada de ozono, essa..., está aleijadita, mas lá vai recuperando. Às vezes, conseguimos ser inteligentes.
A outra molécula assimétrica, sem a qual a Vida na Terra não seria possível, é um caso mais complicado e requer muito maior preparação. A ASHRAE chama-lhe R744 e tem vindo a atrair interesse crescente como refrigerante e substituto dos freons e dos halons que lhes sucederam. Tem um índice de deplecção do ozono igual e zero e um índice de aquecimento global igual a 1; alguns dos halons previstos no Protocolo de Montreal, como substitutos temporários dos freons, têm índices de aquecimento global superiores a 1000. Vá lá minha gente! Cliquem neste link, e com excepção dos que já souberem, os outros vão ter uma surpresa muito grande.
Os hidrocarbonetos fósseis são outro exemplo da dicotomia venenos rápidos-venenos lentos. E pelo motivo mais simples deste Mundo: todos eles contêm contaminantes. A industria petrolífera classifica os crudes (entre outros critérios) em "doces" e "azedos". Um crude "sweet" é aquele que contém um teor mássico de enxofre inferior a 0,6% em massa; todos os outros são "sour". E a situação simples é que, em qualquer combustão, o enxofre que estiver presente nos reagentes, vais estar presente nos produtos. SOX! Sem tirar nem pôr. Há um problema com esta mensagem e o problema é que requer explicação, o que provavelmente lhe faz perder eficácia. Sobretudo em redes sociais, muitos, ao verem aquelas três iniciais, são capazes de pensar que o assunto tem a ver com peúgas sujas. Mas não tem. Vamos escrevê-lo como deve ser escrito: SOx; o x significa é irrelevante!, pois estamos a falar em radicais ácidos que, na presença de água líquida, dão origem a ácidos fortes. Será que se começa a perceber porque foi que eu disse que a diferença entre PCI e PCS é essencialmente não utilizável?
Nem todos os hidrocarbonetos fósseis têm a complexidade do crude. Alguns campos de gás natural, na Sibéria, conseguem produzir gás extremamente puro e de forma consistente. Alguns atingem os 98% de metano. Os 2% restantes são praticamente só sulfito de hidrogénio. Ainda alguém se recorda daquela fronteira entre crudes doces e azedos? É que isto ainda vai piorar.
O ar atmosférico é essencialmente azoto, e o azoto é uma substância inerte. Inerte, mas pouco. Todo e qualquer processo de combustão produz NOx. Mesma mensagem que a anterior a respeito de peúgas velhas, mas com a diferença de que esta é ainda mais incontornável. É claro que o teor de NOx pode oscilar entre o vestigial (apenas detectável por técnicas laboratoriais sofisticadas) e o letal. É o que acontece quando queimamos combustíveis pesados e, sobretudo, carvão. Chuvas ácidas, alguém ainda se lembra? Foi um assunto premente em todo o terço-norte industrializado, lá pelos inícios da década de oitenta do século passado.
Veneno rápido, solução rápida. Mas neste caso, temos que nos debruçar um pouco sobre a solução. Uma parte substancial do problema está associado à "indústria pesada" e sobretudo, à produção de energia eléctrica por via térmica. Para o carvão, hoje dominante, controlar a emissão de radicais de azoto, de NOx, significa reduzir as temperaturas adiabáticas de chama. Não vale a pena entrarmos no detalhe, pois estamos, mais uma vez, perante o dilema do título e perante a mesma opção. O carbono negro mata muito mais devagar do que as chuvas ácidas. Sobretudo quando estamos a queimar carvão, a opção que resta, consiste em controlar a granulometria das partículas sólidas emitidas. Na esperança (!?) de que estas se dispersem por uma área substancialmente maior. Talvez não sejam muitos os que são capazes de o assumir, mas os engenheiros, por vezes, também ficam reduzidos à crença nas fadinhas etéreas. Neste ponto, peço aos que estejam a pensar que o problema está limitado aos muito sujos hidrocarbonetos pesados, que reparem no que algumas das maiores empresas mundiais — estou a falar da enorme indústria automóvel — fizeram, a respeito dos combustíveis leves, ui, ui, muito limpinhos: passaram o problema e os custos respectivos aos seus clientes.
Hoje em dia, não há forma mais barata de produzir electricidade, do que a via térmica do carvão — com excepção das muito complicadas centrais nucleares francesas, de primeira geração. Mas o que significam os números oficiais? Os portugueses não se devem sentir muito mal, quando são confrontados diariamente com o falhanço de todos os números oficiais. A mentira que nos atinge hoje é apenas uma parte e pequena da grande mentira fóssil global. Se a indústria térmica do carvão fosse obrigada a assumir os custos que hoje lhe é permitido varrer para debaixo da carpete, o seu valor acrescentado desaparecia, pufh! E isto antes dos custos do carbono. Apenas os custos resultantes do envenenamento lento.
Devo dizer que não concordo em absoluto com o teor do artigo do sr. Krugman, no link anterior. Usei-o porque é mais directo do que o intrincado (mas não em demasia) trabalho original. De qualquer forma, o link para o original de Nordhaus et al. está lá também. Não é apenas um assunto de saber quais devem ser os preços da energia eléctrica, doutra forma estaríamos meramente a colocar um preço no envenenamento lento de muitos seres humanos. O problema real é mais simples. John Donne, naquela citação inicial, compreendeu-o. Porque é que nós não somos capazes de fazer o mesmo?
Se aquele inglês, mal saído da Idade Média, foi capaz de o compreender, porque motivo é que o Fritz não é capaz? Depois da n-ésima agressão, começo a suspeitar que nunca vai ser capaz de compreender. O Fritz que se dane! Vamos ter que nos amanhar sem ele, e, se preciso for, contra ele. Está tudo a acontecer ao mesmo tempo e na pior altura possível. Quando as coisas correm mais ou menos bem, muitos são os que se conseguem preocupar com a sorte dos Ursos Polares; quando a situação é aquela que é hoje, neste País..., os Ursos Polares que se fodam.
Vamos mais fundo. Vamos até onde a dor dói. Será que aqueles pais que hoje, pela manhã, vestem os seus filhos para irem para a escola, sem saberem se eles irão comer durante todo o dia, têm disponibilidade para se preocuparem com as implicações dos 400 ppm de CO2 na atmosfera? Será que eu teria coragem para lhes tentar explicar? Cada um lida com estes assuntos à sua maneira. A minha, consiste em tentar perceber aquilo que os chineses, na sua sabedoria milenar nos dizem: maldição encerra sempre dois sentidos inseparáveis; ameaça e oportunidade. Decidi-me a escrever esta série de posts, por ter a consciência (ou a presunção, vai dar no mesmo) de compreender os problemas envolvidos. Neste momento, tenho apenas duas certezas. A primeira, é que, no que a maldições diz respeito, a procissão ainda mal saiu do adro; a segunda, a mais chinesa das duas, é que os Gaspares são todos iguais. Ou acabamos com eles ou eles acabam connosco.
Os cidadãos da União Europeia pagam em média 11,7 cêntimos por kWh de energia eléctrica, antes de impostos. E viva o Eurostat, que sempre serve para alguma coisa! Isto significa que deveriam pagar cerca de 1,43 euros por quilograma de combustíveis. No entanto, o custo dos fósseis anda pelos 84-87 cêntimos, esqueçam o Gaspar por uns instantes. Como é? Será que a energia eléctrica está excessivamente cara, ou serão os combustíveis que estão demasiadamente baratos?
A resposta é ambos (!), mas o assunto requer alguma base para ser compreendido. É muito simples, tem que ser muito simples, pois até o senhor Mário Soares foi capaz de o entender. Recordo-me distintamente, lá pelos idos de 1980 de o ter percebido e de o ter comentado nestes exactos termos: "...isto tem mesmo que ser muito simples!". 1 quilograma de equivalente petróleo (KEP) são 44 MJoule; que é como quem diz 12,2 kWh, a energia absorvida por 122 lâmpadas de 100 W que estivessem ligadas durante uma hora. Convém referir que este número foi recentemente revisto ligeiramente em baixa, mas para mim é mais ou menos como o acordo ortográfico: 44 MJoule e acabou a conversa!
O interesse desta unidade resulta dum facto físico simples: os combustíveis fósseis têm todos um PCI (Poder Calorífico Inferior) muito próximo; é uma distribuição muito estreita e aquele valor é a média: 5% para baixo temos o orimulsion, 5% para cima temos o gás natural. Note-se que PCI é uma unidade industrial imprecisa, e nem outra coisa é pretendida. É definido como a quantidade de energia libertada na combustão completa de 1 quilograma de hidrocarbonetos, quando todos os produtos da reacção estão em fase gás. Podemos colocar aqui uma primeira fasquia térmica, tão imprecisa como o resto: 200º C.
No entanto, define-se também Poder Calorífico Superior (PCS), como a quantidade de energia libertada na combustão completa de 1 quilograma de hidrocarbonetos, quando toda a água resultante da reacção está já em fase líquida. Outra fasquia térmica, tão imprecisa como a anterior: 40ºC. O conceito de PCS aproxima-se do conceito formal de entalpia de reacção e destrói por completo a uniformidade do KEP. O gás natural é essencialmente metano, em cada 16 quilogramas de metano existem 4 quilogramas de hidrogénio, o produto da combustão do hidrogénio é a água e o calor latente de condensação da água é substancialmente superior ao seu calor sensível (aquele que se manifesta por diferenças de temperatura): 55,5 MJoule por quilograma, quase 25% mais do que o valor do KEP. No essencial, a diferença não é utilizável.
Os hidrocarbonetos fósseis são substancias malditas. Tal como os cavaleiros do Apocalipse, estas maldições são essencialmente três, mas ao contrário das maldições bíblicas, estas estão fortemente hierarquizadas e é preciso começar pelo mais simples. A mais simples das maldições dos hidrocarbonetos fósseis, é que x átomos de carbono mais y átomos de hidrogénio produzem sempre x átomos de carbono mais y átomos de hidrogénio e, obviamente, as fadinhas dos gaspares são completamente impotentes ante a racionalidade simples da sôdona física, moça bacana, que, quanto a mim, tem apenas o senão de ser demasiado tolerante perante a loucura.
O petróleo bruto é uma matéria-prima muito rica, mas está já desequilibrado, à partida. Demasiado carbono para demasiadamente pouco hidrogénio e o processo de destilação acentua dramaticamente este desequilíbrio. A partir duma tonelada de crude, produzimos cerca de 40% de destilados leves, produtos de alto valor e baixo número de carbono, tais como as gasolinas, os GPL's e os petróleos de jacto. Se tivéssemos queimado apenas gasolinas, desde o início da Revolução Industrial, ninguém nos levava presos. Mas a sôdona física não deixa, pelo que produzimos também cerca de 20% de produtos intermédios, gasóleo e outros óleos diesel, zona esta onde tudo começa a deslizar. Finalmente, produzimos 40% de pesados, fuel e naftenos. E nesta zona, existem compostos alifáticos com números de carbono superiores a 3 000. Estamos a falar de macro-moléculas, com mais de 3 000 átomos de carbono e muito pouco hidrogénio. Será que se começa a perceber porque é que a bolha vai mesmo rebentar?
Deve ser dito que aquele espectro de produtos que eu descrevi de forma grosseira, 40-20-40, é típico da Europa e do Extremo-Oriente, mas não é geral. Os americanos produzem substancialmente mais gasolina e menos gasóleo. Produzem os mesmos 40% de pesados. x + y = x + y !
Neste ponto, levanta-se uma dúvida: as companhias petrolíferas não perdem dinheiro com aqueles 40% de produto pesados, que fique claro, mas..., ah! é uva mijona. Ora, as petrolíferas representam um dos maiores corpos de conhecimento armazenados pela espécie humana. Por isso, porque é que eles não se decidem a hidrogenar o fuel, para poderem vender o produto final ao preço da gasolina? Será que não gostam de dinheiro? Esta pergunta é demasiado difícil, para este ponto da discussão. Vamos tentar responder a uma outra pergunta mais fácil: a Rússia é a Arábia Saudita do gás; será que o senhor Putin não gosta de dinheiro?
Voltemos por instantes ao crude. É bombeado desde umas centenas de metros até à superfície, para depois ser bombeado umas largas centenas de quilómetros, antes de ser armazenado temporariamente num terminal de carga; depois, é carregado num navio, para fazer uns milhares de milhas através do oceano, antes de ser descarregado para um novo armazenamento temporário num terminal de descarga; a seguir, vai ser bombeado mais umas centenas de quilómetros até ser novamente armazenado numa refinaria para, final e misericordiosamente, ser processado. À boca da refinaria, os produtos finais têm uma componente de custos de armazenamento e transporte de cerca de 2,4-2,5% dos custos (!) finais. É extremamente barato transportar e armazenar líquidos.
O gás natural (GN) é essencialmente metano, e o metano é um gás muito mal-comportado. Os custos de transporte e armazenamento (?) do GN disparam para mais de 25% do preço final. Ora, acontece que o GN pode ser facilmente e a baixo custo transformado em metanol — o mais simples dos hidrocarbonetos, transformado no mais simples dos alcoóis — junto aos campos de gás, claro, para depois ser transportado ao custo dos líquidos. O senhor Putin ganharia cerca de mais $190 dólares em cada tonelada. Porque não o faz?
O senhor Putin gosta de dinheiro! Acontece apenas que ele também não passa de mais um vendedor de produtos amaldiçoados e é tão incapaz de deixar de o ser como os outros. Pior ainda, se ele fizesse aquele negócio altamente lucrativo que eu referi, estaria a mostrar aos seus clientes que podem passar sem ele. Acontece também que já alguém o fez.
George Olah recebeu o prémio Nobel da Química em 1994 e já este século, juntamente com outros colegas, dedicou-se a mostrar-nos como a maldição fóssil não é destino. Para Além do Petróleo e do Gás mostra-nos como as matérias-primas essenciais são apenas a água e o dióxido de carbono atmosférico (!!!). Devo dizer que não gosto do metanol enquanto combustível, as 500 milhas de Indianapolis que se danem, mas é completamente irrelevante. A maldição não é destino, malditos seremos nós, se não o escutarmos.
Este é mais um post a que eu dei o mesmo título-base — Crónica antecipada duma revolução inevitável — de outros anteriores. O motivo é simples: isto não vai acabar bem! Nunca acabou, porque seria agora que as coisas seriam diferentes? Até os chineses Han se conseguiram libertar do jugo mongol e, vejamos, nem o Relvas nem o Passos são exactamente um Genghis ou um Kublai. Como vai acontecer, não faço a menor ideia. Quando vai acontecer, também não sei, mas a este respeito é fácil estabelecer um limite superior: antes de 2050! Não, não é tranquilizador, mas é uma afirmação segura.
É que o Planeta está a aquecer, e a velocidade do aquecimento está a aumentar, porque cada vez emitimos mais dióxido de carbono para a atmosfera. O carvão será a principal fonte de energia em breve. Noticias péssimas mas inevitáveis: as potências emergentes não vão hipotecar a sua chance de desenvolvimento, para tirarem as castanhas do lume, num braseiro que não foram eles que acenderam. Estão já a fazer muito mais do que o "terço norte industrializado", a Europa, os Estados Unidos e o Japão, fizeram durante duzentos anos de Revolução Industrial. Inevitavelmente insuficiente, mas a questão política aqui, é que os gaspares e as merkels estão a destruir a coesão social, que a abordagem dos assuntos globais exige: quando a crise bate à porta, os ursos polares..., que se podam, como diria o Pernando. No planeta passos, as pirâmides de Gizé, obra de homens e mulheres livres e remunerados acima da média, nunca teriam sido construidas.
A temperatura média da atmosfera irá aumentar, algures entre os optimistas 2º C do protocolo de Kyoto e os virtualmente catastróficos 4ºC, cada vez mais inevitáveis. Isto significa energia. Mais energia na atmosfera. Quanta? É relativamente simples. O calor específico do ar, cp, é muito aproximadamente igual a 1 KJoule por quilograma e por grau Kelvin; a massa total da atmosfera é aproximadamente 5 × 1018 quilogramas. Por isso, depois de multiplicarmos os ingénuos 2º C de Kyoto, por 5 (e dividirmos pelo coeficiente adiabático, cp/cv, igual a 1,4), o resultado é aproximadamente 7,1 × 1018 KiloJoule. Ainda não dá para perceber, pelo que o mais aconselhável é adicionar seis zeros ao KiloJoule e dividir pela "latência" da atmosfera, e o resultado torna-se mais perceptível: cerca de 25 milhões de GigaWatt, ou seja, aproximadamente 25 milhões de reactores nucleares. Ora, como a Terra suportaria, no limite, cerca de 8000 coisas destas, aqueles números implicariam esventrar, escavacar, mineirar até ao tutano, mais ou menos 3000 Sistemas Solares como o nosso. Convenhamos que é muito mais simples queimar carvão e hidrocarbonetos fósseis, e libertar o dióxido de carbono produzido na atmosfera...
As consequências seriam as mesmas. Mas como escolhemos a forma mais simples de loucura, isso deixa-nos num imbróglio. É que não basta esperar que até lá, alguém invente alternativas: os pontos de não-retorno já foram ultrapassados e estamos a aumentar o problema, de forma abismal, a cada dia que passa. Aquilo que não fizermos hoje, enquanto a pressão ainda não é demasiada, irão os nossos filhos e os nossos netos ter que fazer pela necessidade da sobrevivência física imediata. Vão fazê-lo, mas apenas depois, ou enquanto, chamam meretrizes às respectivas avós e bisavós.
Como esta perspectiva não me agrada, não me agrada mesmo nada, considero preferível estimar quanto é que nos custaria, hoje, abordar o problema de frente. As respostas são duas e a mais importante é estritamente qualitativa: aproximadamente metade do que irá custar aos nossos filhos e netos, lá pela metade do século; a segunda é quantitativa e o trabalho pesado já foi feito por uma agência do governo americano: cerca de 3,5 cêntimos a mais no custo base do kilowatt.hora de electricidade com origem no carvão, cerca de 8,3 cêntimos a mais no custo base de 1 quilograma de gás natural e cerca de 10 e 11 cêntimos a mais nos custos base de, respectivamente, 1 quilograma de gasóleo e de 1 quilograma de gasolina -- e quem preferir continuar a enganar-se a si próprio, fazendo contas em litros de gasolina e metros cúbicos de gás, pois que multiplique os últimos números por 0,8.
Aquele trabalho notável que eu referi, tenta subtilmente induzir o governo americano a abordar o assunto como uma prioridade de segurança nacional, logo como um custo social, a ser equitativamente suportado por todos os cidadãos, pois todos estão em risco. Feito à moda do planeta-gaspar, os números acima representam um terço do aumento dos preços hoje, e um sexto do aumento dos preços, daqui a 40 anos. Não deixe que os seus filhos e netos chamem aquelas coisas feias à sua mãezinha.
Porque é nessas alturas que a lucidez dos visionários se torna quase insuportável.
Give me back my broken night my mirrored room, my secret life it's lonely here, there's no one left to torture Give me absolute control over every living soul And lie beside me, baby, that's an order! Give me crack and anal sex Take the only tree that's left and stuff it up the hole in your culture Give me back the Berlin wall give me Stalin and St Paul I've seen the future, brother: it is murder.
Things are going to slide, slide in all directions Won't be nothing Nothing you can measure anymore The blizzard, the blizzard of the world has crossed the threshold and it has overturned the order of the soul When they said REPENT REPENT I wonder what they meant When they said REPENT REPENT I wonder what they meant When they said REPENT REPENT I wonder what they meant
You don't know me from the wind you never will, you never did I'm the little jew who wrote the Bible I've seen the nations rise and fall I've heard their stories, heard them all but love's the only engine of survival Your servant here, he has been told to say it clear, to say it cold: It's over, it ain't going any further And now the wheels of heaven stop you feel the devil's riding crop Get ready for the future: it is murder
There'll be the breaking of the ancient western code Your private life will suddenly explode There'll be phantoms There'll be fires on the road and the white man dancing You'll see a woman hanging upside down her features covered by her fallen gown and all the lousy little poets coming round tryin' to sound like Charlie Manson and the white man dancin'
Give me back the Berlin wall Give me Stalin and St Paul Give me Christ or give me Hiroshima Destroy another fetus now We don't like children anyhow I've seen the future, baby: it is murder — Leonard Cohen