O que será que transforma o assunto do aquecimento global numa espécie de «teste do papel de tornessol», que separa as pessoas de bem daquelas que o não são? Não faço ideia, porque, se alguém me perguntasse, começaria sempre por dizer que existem aqui assuntos com um elevado potencial de confusão. Comecemos pelo princípio, pois.
«Aumento de temperatura média» é uma das poucas formas humanamente inteligíveis para referir as quantidades astronómicas de energia envolvidas.
Muitas pessoas, ou quase todas, manifestam uma dificuldade real em se relacionarem com fenómenos que estão manifestamente muito longe da sua experiência quotidiana, sem que esta dificuldade as transforme em pessoas de mal.
Existem apenas três processos de transmissão de calor. Quando fazemos passar uma corrente de ar através do radiador dum automóvel, estamos a utilizar o mais lento e menos eficaz de entre eles: o processo de condução, que segue leis lineares entre paredes planas e leis logarítmicas entre paredes curvas; muito mais eficaz (e mais rápido), é o fenómeno que ocorre sempre que uma massa de qualquer fluído é sujeita a diferenciais de temperatura, ou seja o processo de convecção, que segue leis quadráticas; o processo de radiação segue leis quárticas e a transmissão de energia ocorre a uma muito elevada percentagem da velocidade da luz. Será que dá para começar a perceber porque é que a acção humana consegue perturbar e de forma muito rápida o equilíbrio entre a radiação incidente e a radiação rejeitada para o espaço?
A energia de um fotão é proporcional à quarta potência da temperatura absoluta do corpo emissor (daí o ponto anterior). 99% da atmosfera são moléculas simétricas, dois átomos de oxigénio, ou de azoto, unidos um ao outro por uma ligação covalente; estas moléculas são virtualmente transparentes em todas as bandas de energia.
Depois fica o 1% restante, uma parte do qual são as moléculas assimétricas, como o dióxido de carbono, responsáveis pelo efeito de estufa: são opticamente transparentes na banda do visível (alta energia - baixo comprimento de onda) e opacas à «radiação térmica», grosso modo, a partir dos 288 ºK (a temperatura média da superfície dos oceanos). A radiação de corpo negro resultante do aquecimento da superfície, das construções, do relevo, «não sai», literalmente.
Veja-se que, sem efeito de estufa, não existiria vida à superfície da Terra, porque a atmosfera seria um imenso lago de azoto líquido. Não é o «efeito de estufa» (que tem sempre que existir, com atmosferas como a terrestre) que está em causa; o que está em causa é o desequilíbrio induzido pela actividade humana. E este é o ponto em que o tal «teste do papel de tornessol» começa a actuar...
A Teoria do Corpo Negro Radiante permite-nos usar um vocabulário unificado, ou seja, uma qualquer emissão pode ser descrita pela temperatura absoluta do emissor. A luz visível anda entre os 3000 ºK da cromosfera e os 6000 ºK da fotoesfera; aquela radiação térmica começa abaixo dos 300 ºK (oceanos), prolonga-se pelos trezentos e poucos das massas verdes do planeta, até cerca dos 315 ºK (a temperatura corporal dos mamíferos superiores). Qual é a temperatura dos gases à saída do tubo de escape dum automóvel? Ou da chaminé duma fábrica?
Este é o ponto em que o Sherlock Holmes se recusou a aceitar o caso da antropogénese: «Caro Holmes, não há aqui mistério. O(s) culpado(s) deixam impressões digitais por tudo quanto é sítio...» Vamos resumir: não existe nenhuma fonte estacionária de radiação entre os 350 ºK e os 550 ºK, para além da actividade industrial humana.
Não gosto de muitas das abordagens deste assunto. A minha terá pelo menos tantos defeitos como aqueles que encontro em outras. Mas algo subsiste. Estamos a falar de energia; os vórtices polares são energia, as tempestades marítimas são energia, os ventos ciclónicos são energia. Ninguém (em seu perfeito juízo) disse que «aquecimento global» significa que as temperaturas reais vão aumentar este ou aquele valor. Logo, a partir de certo ponto, aquilo que fica não são confusões; isto NÃO é uma confusão: é uma pessoa de mal. E já agora, as moreias frontais dos glaciares que restam, no hemisfério Norte, estão neste momento a avançar. Depois, lá pela primavera, vai recomeçar o parto dos icebergs...
Pareceu-me um matemático... Franklin Roosevelt, a respeito de John Maynard Keynes
Vamos imaginar que eu sou o executivo duma companhia de petróleo. Nada de coisas mixurucas, uma das Grandes Irmãs.
Sendo um "homem do petróleo", eu não sou um CEO de aviário; nasceram-me os dentes dentro do ramo e conhece-o como a palma das minhas mãos. Como também gosto mais de dinheiro do que da minha família toda, o estado das coisas não me agrada. E sendo um homem do petróleo, aquele calo no sítio onde os macacos se sentam, diz-me que tenho ao meu dispor o maior corpo de conhecimento, jamais acumulado por qualquer empresa privada. Está na hora de tirar partido dele. Fui ter com o meu pessoal de Investigação & Desenvolvimento e disse-lhes isto:
— Meus senhores, como é do vosso conhecimento, o nosso espectro de produção é 40-20-40 (50-10-40 na versão americana). 40% de produtos leves, de alto valor e alto preço. Mais 20% de produtos intermédios, de valor ainda muito interessante. Finalmente, 40% de produtos pesados, coisa de uva mijona. Não perdemos dinheiro com a uva mijona, mas não consegue passar disso. Portanto, quero que vocês me digam o que é preciso e quanto é que vai custar, para que daqui a 10 anos, o nosso espectro passe a ser algo como 60-30-10. Não mais de 10% de uva mijona.
Eles fizeram lá um daqueles conciliábulos, por sinal bastante rápido, para o que é comum na malta de I&D, e responderam-me:
— Olha, boss. Isto não tem nada que saber. O hidrogénio é o elemento mais abundante do Universo, mais de 30% da sua massa total é hidrogénio e o que para aí não falta é água. Abre os cordões à bolsa e daqui a dez anos (ou menos) tens aquilo que pretendes.
Eu disse-lhes "Muito bem. Preparem tudo, porque eu tenho que verificar mais um pormenor. Depois dou-vos a resposta final". Fui ter com os meus contadores-de-feijões, com os meus economistas e coloquei-lhes o assunto.
— Caríssimos, o nosso pessoal de I&D assegura-me que daqui a dez anos, poderemos estar a produzir muito mais gasolina e muito mais gasóleo, e muito menos fuel pesado. Vai-nos custar os olhos da cara, mas mais do que vale a pena. Ora a situação é simples: aquilo que vendermos hoje ao preço do fuel, não vamos ter amanhã, para vender ao preço da gasolina. Por isso, quero que digam qual deve ser a percentagem das nossas reservas que devemos guardar, para este propósito.
Estes, nem piscaram os olhos. A resposta foi imediata:
— Zero, boss. A resposta é ZERO! Mantém-te firme nos essenciais: Drill, baby, drill! Burn, baby, burn! Lembra-te do principal de HH.(1)
Foi nesta altura que eu decidi estar na hora de os "homens do petróleo" começarem a untar a barriga com manteiga de amendoim e darem lugar aos produtos de aviário. No fim de contas, os Mexias deste Mundo têm tudo o que é necessário para os tempos que correm, e ainda conseguem ser mais malandros do que eu.
Esta história é completamente inventada, mas os pontos essenciais não são. Em particular, a resposta final dos contadores-de-feijões. Está connosco desde 1931 e é matemática pura; Teoria dos Conjuntos, pura e dura. A citação inicial é um fait-divers sem qualquer importância na actualidade. Roosevelt e Keynes sabiam bem da sua influência mútua e, aquando duma deslocação académica de Keynes aos Estados Unidos, foi arranjada aquela entrevista, a única entre os dois homens. Não saltou qualquer patanisca. Keynes assumiu a posição snob dum dandy inglês, sim, aquele americano era um rapaz bem intencionado e esforçado mas..., não passava dum labrego lá das berças do Novo Mundo. Roosevelt foi muito mais sintético. Disse apenas aquela frase, que na época e sendo aplicada a um economista, era um insulto subtil e profundo. A sofisticação matemática não era nada bem vista, os economistas deviam limitar-se a recolher dados e interpretá-los, usando o bom senso e o seu conhecimento da economia real. Harold Hotteling viu o seu trabalho ser rejeitado por diversas revistas académicas, devido à sua "dificuldade matemática" e o Journal of Political Economics, da Universidade de Chicago, publicou-o antecedido de solenes avisos: "Cuidado, que este assunto requer uma sofisticação matemática fora do comum".
Aquele trabalho seminal não foi ignorado, nada disso. As folhitas de cálculo do gaspar hão-se de estar mais pranhas do que um ovo com as fórmulas de Hotteling, nenhum economista lhes consegue escapar. O que eles não querem que se saiba, são as conclusões, tão puramente matemáticas como o resto. As "duas economias" não são invenção minha, são a conclusão incontornável da análise de Hotteling. As economias de recursos renováveis podem ser tudo e mais alguma coisa, e à vista do pano é que se talha a obra; as economias de recursos exauríveis são loucas, e, mais do que isso, são um exemplo do falhanço total do mercado.
Num quadro de recursos não-renováveis, existem apenas três estruturas possíveis e todas três são más. A pior (dificilmente alguma vez terá existido) é o mercado livre. A outra a seguir (a mais comum, na prática) é o duopólio; podemos associá-lo à ideia de cartel, embora vá para além disso. A alternativa menos má é o monopólio. Hotteling comentou como, em algumas hipóteses sendo verificadas, os monopólios públicos conseguem ser ligeiramente melhores, ligeiramente menos negativos (!) do que os monopólios privados. Mas não mais do que isso. A economia de recursos exauríveis é amaldiçoada, culpem a Teoria dos Conjuntos.
Tudo isto nos leva ao Hans. Ao meu e ao Hans real, o mais importante. No fim de contas, seria inconcebível que a mesma cultura que produziu Leibniz e Kant, tivesse ficado reduzida a produzir clones rastejantes do Fritz.
Hans-Werner Sinn é professor de economia e reparou num pormenor paradoxal: à medida que as alternativas renováveis se vão tornando mais eficientes e mais acessíveis, os donos de recursos fósseis são presenteados com a escolha entre venderem hoje a baixo preço e venderem amanhã a um preço ainda menor. Adicionalmente, se os donos dos fósseis forem confrontados com a possibilidade da introdução de controlos regulatórios, obrigando-os a manter uma parte das suas reservas no subsolo, isso irá aumentar a pressão para os extrair e vender o mais rápido possível, enquanto essa regulação não existe.
Acontece que, e isto não é para provocar o Hans, o paradoxo não tem que ser verde. Como foi que a Alemanha Nazi travou a 2ª Guerra? Foi um conflito já muito mecanizado e os alemães nunca tiveram acesso a outras fontes petrolíferas, para além dos campos de Ploesti, na Roménia, que nunca foram grande espingarda. Como foi que eles conseguiram? A resposta: com o recurso a combustíveis sintéticos. Mais de 75% de todos os combustíveis líquidos, usados pela máquina militar-industrial nazi, foram destilados a partir do carvão. São ainda mais porcos do carvão, mas isso é irrelevante para o meu argumento. As patentes-base datam do início do século XX, tanto o processo de Bergius como o Fischer-Tpropsch têm mais de cem anos. No início deste século e perante o aumento dos preços petrolíferos, resultante da procura chinesa, algumas empresas americanas tentaram voltar a utilizá-los. Falharam, porque o mercado com que eles contavam para o arranque lhes foi vedado. A administração Bush, que negava as alterações climáticas, usou a legislação ambiental, herdada das administrações Clinton, para proibir (!) o Pentágono de comprar combustíveis sintéticos destilados do carvão. E pronto, já disse tudo de positivo que sou capaz de dizer a respeito do George W.
O paradoxo não tem que ser verde, qualquer alternativa produzirá os mesmos efeitos, o Hans sabe-o bem. E o que é que ele propõe? David Hilbert e Karl-Fiedrich Gauss concordariam, Beethoven seria capaz de compor uma sinfonia em sua honra. Hans-Werner Sinn propõe um Monopólio Mundial e um Governo Mundial.
Ah! É um governo mundial muito suave, muito kantiano. Baseado nas Nações Unidas e capaz de ser construído gradualmente e por consenso. Mas não é menos mundial por isso, nem menos monopolista, por melhor que o autor o disfarce e fá-lo muito bem e de forma muito convincente. Em absoluto, vale a pena lê-lo. Nem sequer me importava de dar para este peditório. Pura e simplesmente não acredito que a urgência do assunto o permita.
E pronto! Isto conclui as maldições e confesso que escrevo estas frases com um suspiro de alívio. Resta o mais importante, a superação, mas as cores são outras. Vamos começar com um poema.
Vastos, vastos, nove rios atravessam a China E apenas um caminho-de-ferro de Norte a Sul Mao Tse Tung — Para onde foi o Grou Coroado? (2)
Nota: Este post teve que ser editado para substituir a imagem da curva de Hubbert, visto ter recebido uma notificação, indicando que o peakoil.com não permite a linkagem directa do seu conteúdo. No hard feelings. Em 1916, franceses e britânicos dividiram as posses do finado, antes de lhe terem feito o enterro. Oficialmente, recebeu o nome de Acordo da Ásia Menor, mas entrou para a História Universal da Infâmia com os apelidos dos seus autores directos, o senhor Sykes e o senhor Picot, altos funcionários dos respectivos ministérios dos negócios estrangeiros. O assunto era petróleo, mas a forma concreta do mapa resultante, essa, era o resultado duma coisa esdrúxula, chamada "teoria das placas paralelas", que não merece grande descrição. Se olharmos para o mapa que se segue, constatamos que o eixo da parte francesa é aproximadamente paralelo ao eixo do Cáucaso -- cujas reservas já eram conhecidas -- e que a parte britânica (para além da faixa costeira do Mediterrâneo) era orientada, grosso modo, no sentido noroeste-sueste, mais ou menos paralela às descoberta que uma outra personagem muito complicada tinha efectuado nos territórios da Pérsia. Pormenor a reter: a zona britânica estendia-se, a sul, mais ou menos até aquilo que é hoje o Qatar e quanto ao resto do Golfo e à Península Arábica, enfim..., era um deserto que todos os sabiam onde ficava e onde ninguém queria ir, com excepção de um ou outro visionários desvairados.
O assunto foi mantido no máximo segredo, mas não podia ser ocultado de todos os aliados. O Império Russo foi informado. Depois, em 1917, após a Revolução de Outubro, Lenin tornou aqueles documentos públicos e cairam o Carmo e a Trindade: os italianos, que tinham realizado um esforço militar considerável no Mediterrâneo, armaram um escaracéu enorme e foram muitas as vozes que se ergueram, nos Estados Unidos, dizendo "...esses europeus não têm emenda, tragam os nossos rapazes de volta e eles que se matem uns aos outros...". Foi com grande dificuldade que Woodrow Wilson conseguiu manter a coligação favorável à participação na Guerra. Perante o escândalo, franceses e britânicos começaram a meter os pés pelas mãos, prometendo uma parte do Arquipélago Grego à Itália, uma parte dos Balcãs à Grécia e outras trafulhices que tais. As placas continuaram paralelas e a Península Arábica continuou um deserto onde ninguém queria ir. Os mandatos da Liga das Nações, limaram as arestas do Sykes-Picot que entravam pela Anatólia dentro e os britânicos perderam o interesse pela extremidade sul da sua própria placa. Nada de muito relevante.
Depois, em 1925 estalou na Arábia uma revolta tribal contra o Sharif de Mecca e os britânicos, aqueles colonizadores tão inteligentes, convenceram o filho do Sharif, Faisal al-Hashimi (o príncipe Faisal do Lawrence da Arábia e dos Sete Pilares) a esquecer aquele deserto que todos sabiam onde ficava e aonde ninguém queria ir e assumir o trono do recém-criado Reino do Iraque. Foi um dos efeitos da erupção de cogumelos, designada por monarquias hashemitas, com origem na conferência de Versalhes, mas os seus patronos britânicos não estavam interessados em mais nada senão na sua própria placa. Faisal sai completamente do quadro desta história, mas não teve qualquer influência nos acontecimentos seguintes.
O que os britânicos, aqueles colonizadores tão inteligentes não sabiam, é que aquela revolta tribal não tinha acontecido por acaso. Uma companhia americana, chamada Standard Oil da Califórnia, tinha realizado prospecções petrolíferas em segredo e tinha acertado no jackpot. Os americanos não foram mãos-largas, 50 000 libras esterlinas em empréstimos e mais 5 000, pelo primeiro ano de produção, mas já lá diz o povo, p'ra quem é, bacalhau basta. Os membros do clan de Saud não sabiam exactamente o que era uma libra esterlina, a única exigência que fizeram foi de o pagamento ser efectuado em ouro. Em 1939, foi fundada a companhia privada mais importante da História, a Arabian American Corporation, ou ARAMCO. O propósito inicial, era o de alimentar o complexo militar-industrial nazi, pelo que a companhia foi alvo duma nacionalização punitiva temporária, decretada em 1943 por Franklin Roosevelt. O petróleo do Médio-Oriente não teve qualquer intervenção no conflito. A bomba de gasolina dos aliados, incluindo, em menor parte, a União Soviética, foram o Texas e o Oklahoma.
O que o senhor Rockfeller, aquele investidor tão inteligente não sabia, era que tinha acabado de escancarar a caixa de Pandora, mantida entreaberta durante séculos pelas tempestades de areia da Península Arábica. As aspirações do clan de Saud ao sharifado de Mecca tinham raízes históricas. O império otomano foi, nas palavras de Ferdinand Braudel, "um poder displicente". Os turcos otomanos procuravam sempre líderes locais, em quem sentissem que podiam depositar alguma confiança, e depois mantinham um núcleo de tropas seguras a uma distância segura, para qualquer eventualidade. Por meados do século XVII, as cidades santas de Mecca e Medina, mas também os principais portos da região, Yenbo e Jedahh eram de facto governadas pelo clan de Saud. E estes manifestavam-se incapazes de dominar as revoltas periódicas das tribos beduínas do deserto que, sobretudo quando incidiam naquelas regiões costeiras, davam origem a inevitáveis episódios de pirataria, extremamente complicados numa faixa marítima tão estreita como o Mar Vermelho. Ora, os interesses do império otomano na região, consistiam essencialmente em assegurar a liberdade e segurança da navegação. Por isso, quando aqueles episódios de pirataria aconteciam, o império intervinha. No princípio ou no fim, nunca se esquecia de punir o clan de Saud pela sua incompetência, o que, logo à partida, os tornava ainda mais incapazes para fazer frente à revolta seguinte.
Confrontados com o círculo vicioso, os membros do clan de Saud realizaram uma aliança político-militar com um outro grupo tribal, com origens no outro lado da Arábia e que praticava uma forma de Islão muito antiga, mas que tinha sobrevivido apenas em locais isolados e remotos. Em troca daquele apoio, o clan de Saud concedeu ao clan de Wahhabi plena jurisdição em todos os assuntos de natureza religiosa. Foi uma novidade absoluta, pois em toda a história do Islão sunita, o poder temporal devia sempre exercer também o poder religioso, mas a novidade permaneceu esquecida por entre as areias do deserto arábico, até ser renovada e institucionalizada aquando da formação da Arábia Saudita. O investimento Wahhabita começou a internacionalizar-se em finais dos 1950's, com predominância naquela região na margem direita do Indo, entre o recém-formado Paquistão e o Afeganistão. Há quem afirme que, hoje em dia, três em cada quatro novas mesquitas erigidas em todo o Mundo, são-no com dinheiro Wahhabita, não sei se corresponde à verdade, mas o facto é que, ao pensarmos nos trágicos acontecimentos do início deste século, aquele provérbio popular americano, a respeito do que acontece quando as galinhas fugidas voltam ao galinheiro para chocar os ovos, vem imediatamente à mente. Não é uma análise racional e eu sei-o. Adiante, que é preciso encontrar um caminho para fora da espiral de loucura.
O modelo de Hubbert tem exactamente a mesma idade do que eu e as controvérsias que tem gerado são um dos exemplos do trólaró a que aludi anteriormente. Hoje em dia, ninguém o nega, nem os executivos das companhias petrolíferas, nem sequer o ministro saudita do petróleo. Apenas discutem datas. Esquecem o mais importante. Estou numa minoria ridícula com o que vou dizer a seguir, mas peço aos leitores que façam algo simples. Peço que olhem para as datas e tentem localizar os pontos de inflexão: quando a curva inicia o seu percurso exponencial, no início do século vinte — o Sykes-Picot e as suas tragédias; quando a curva muda de exponencial para logarítmica — os choques petrolíferos dos 1970's, continuados pela guerra Irão-Iraque, até à invasão do Koweit e o que se seguiu; quando o pico acontece — a segunda Guerra do Iraque, que ainda não terminou. Estamos hoje a aproximarmo-nos de uma nova zona de inflexão, os Estados Unidos voltaram ao tempo dos geiseres petróliferos. A única coisa que eu não sei, é de quem vai ser o sangue derramado.
Nenhum homem é uma ilha, Inteiro em si próprio. Todos são uma peça do continente, Uma parte do todo. Se um torrão for levado pelo mar, A Europa fica diminuída, Como se fosse um promontório. Como se fosse a tua casa, Ou a casa de um dos teus amigos. A morte de um homem diminui-me, Pois eu sou parte da humanidade. Por isso, não perguntes por quem os sinos dobram, Eles dobram por ti.John Donne — Nenhum homem é uma ilha
Recordo-me de ouvir a minha falecida mãe dizer que ainda se recordava do tempo em que não havia frigoríficos, mas já não se recordava como "...se faziam as coisas..." nessa altura. Ao longo do tempo, aquele esquecimento selectivo (!) começou a assumir um sentido claro para mim. Comecei a associá-lo àquela ideia vaga a que chamamos progresso. Pessoalmente, recordo-me de, lá pelo início dos 1980's, ter ido algumas vezes a uma fábrica de gelo que existia então em Cacilhas, junto ao rio. Não me lembro, de todo em todo, o que ia lá fazer, mas o que terá gerado a persistência da memória, foi provavelmente uma sensação física: havia sempre um ligeiro odor a amoníaco no ar; naquela altura, aquela fábrica — grandota, alimentava toda a frota artesanal e uma boa parte da frota costeira e do largo — ainda usava compressores de amónia. Nada de errado, diga-se. Continuam a ser utilizados hoje em dia, talvez sobretudo pelos escandinavos e não há nada de errado na sua utilização, desde que em ambientes industriais controlados.
Mas assim, nunca teriam existido frigoríficos domésticos. Os fluídos refrigerantes sempre constituíram uma área de nicho, especializada e frustrante, em grande medida. Os melhores eram ou muito tóxicos ou muito combustíveis; alguns, eram as duas coisas. Foi imediatamente antes e durante a 2ª Guerra que investigadores da DuPont de Nemours realizaram descobertas surpreendentes: ao substituir algumas cadeias carbono-hidrogénio, em hidrocarbonetos saturados, por átomos de flúor, a molécula resultante tornava-se menos combustível ; ao fazer uma substituição análoga por átomos de cloro, a substância resultante tornava-se menos tóxica. O inventor principal, tornou-se notório ao realizar algumas demonstrações..., digamos, inebriantes, tais como inalar as novas substâncias — que viriam a ser designadas por freons — e depois soprar o gás inalado para apagar a chama duma vela. Era quase inacreditável, aquelas substâncias eram não-tóxicas, não-combustíveis e extremamente baratas de produzir. Ligeiramente (?) inebriantes; a alegria do inventor, após as demonstrações, era..., ahn! Uma pedrada das antigas, mas daí decerto que não viria mal ao Mundo. Parecia demasiado bom para ser verdade. E era. Mas foi assim que o frigorífico da minha mãe se tornou possível.
A relação com as maldições dos hidrocarbonetos fósseis não é óbvia, mas é essencial. Cerca de 99% da massa total da atmosfera é formada por moléculas simétricas: azoto e oxigénio, dois átomos do mesmo elemento, ligados um ao outro. Estas moléculas são virtualmente transparentes a todas as bandas de radiação. A luz do Sol que passa através delas, aquece-as, mas muito, muito ligeiramente. As outras, que tornam a Vida possível no nosso Planeta, naquele 1% restante, são assimétricas e diferencialmente opacas a bandas específicas de radiação. Uma destas, é formada por três átomos de oxigénio e acumula-se sobretudo na alta atmosfera. Chamamos-lhe ozono e já todos ouvimos falar nele.
A camada de ozono absorve a radiação com frequências superiores ao violeta extremo e torna a Vida possível. Os freons destroem a camada de ozono e este é um exemplo concreto da ideia contida no título: os venenos rápidos, os que matam muito depressa, podem não ser os mais perigosos. A nossa espécie consegue ser inteligente, colectivamente inteligente, sobretudo quando apanha um cagaço a sério. O processo que conduziu, desde a confirmação do buraco da camada de ozono, sobre o pólo Sul, até ao Protocolo de Montreal, demorou pouco mais de quatro anos. A camada de ozono, essa..., está aleijadita, mas lá vai recuperando. Às vezes, conseguimos ser inteligentes.
A outra molécula assimétrica, sem a qual a Vida na Terra não seria possível, é um caso mais complicado e requer muito maior preparação. A ASHRAE chama-lhe R744 e tem vindo a atrair interesse crescente como refrigerante e substituto dos freons e dos halons que lhes sucederam. Tem um índice de deplecção do ozono igual e zero e um índice de aquecimento global igual a 1; alguns dos halons previstos no Protocolo de Montreal, como substitutos temporários dos freons, têm índices de aquecimento global superiores a 1000. Vá lá minha gente! Cliquem neste link, e com excepção dos que já souberem, os outros vão ter uma surpresa muito grande.
Os hidrocarbonetos fósseis são outro exemplo da dicotomia venenos rápidos-venenos lentos. E pelo motivo mais simples deste Mundo: todos eles contêm contaminantes. A industria petrolífera classifica os crudes (entre outros critérios) em "doces" e "azedos". Um crude "sweet" é aquele que contém um teor mássico de enxofre inferior a 0,6% em massa; todos os outros são "sour". E a situação simples é que, em qualquer combustão, o enxofre que estiver presente nos reagentes, vais estar presente nos produtos. SOX! Sem tirar nem pôr. Há um problema com esta mensagem e o problema é que requer explicação, o que provavelmente lhe faz perder eficácia. Sobretudo em redes sociais, muitos, ao verem aquelas três iniciais, são capazes de pensar que o assunto tem a ver com peúgas sujas. Mas não tem. Vamos escrevê-lo como deve ser escrito: SOx; o x significa é irrelevante!, pois estamos a falar em radicais ácidos que, na presença de água líquida, dão origem a ácidos fortes. Será que se começa a perceber porque foi que eu disse que a diferença entre PCI e PCS é essencialmente não utilizável?
Nem todos os hidrocarbonetos fósseis têm a complexidade do crude. Alguns campos de gás natural, na Sibéria, conseguem produzir gás extremamente puro e de forma consistente. Alguns atingem os 98% de metano. Os 2% restantes são praticamente só sulfito de hidrogénio. Ainda alguém se recorda daquela fronteira entre crudes doces e azedos? É que isto ainda vai piorar.
O ar atmosférico é essencialmente azoto, e o azoto é uma substância inerte. Inerte, mas pouco. Todo e qualquer processo de combustão produz NOx. Mesma mensagem que a anterior a respeito de peúgas velhas, mas com a diferença de que esta é ainda mais incontornável. É claro que o teor de NOx pode oscilar entre o vestigial (apenas detectável por técnicas laboratoriais sofisticadas) e o letal. É o que acontece quando queimamos combustíveis pesados e, sobretudo, carvão. Chuvas ácidas, alguém ainda se lembra? Foi um assunto premente em todo o terço-norte industrializado, lá pelos inícios da década de oitenta do século passado.
Veneno rápido, solução rápida. Mas neste caso, temos que nos debruçar um pouco sobre a solução. Uma parte substancial do problema está associado à "indústria pesada" e sobretudo, à produção de energia eléctrica por via térmica. Para o carvão, hoje dominante, controlar a emissão de radicais de azoto, de NOx, significa reduzir as temperaturas adiabáticas de chama. Não vale a pena entrarmos no detalhe, pois estamos, mais uma vez, perante o dilema do título e perante a mesma opção. O carbono negro mata muito mais devagar do que as chuvas ácidas. Sobretudo quando estamos a queimar carvão, a opção que resta, consiste em controlar a granulometria das partículas sólidas emitidas. Na esperança (!?) de que estas se dispersem por uma área substancialmente maior. Talvez não sejam muitos os que são capazes de o assumir, mas os engenheiros, por vezes, também ficam reduzidos à crença nas fadinhas etéreas. Neste ponto, peço aos que estejam a pensar que o problema está limitado aos muito sujos hidrocarbonetos pesados, que reparem no que algumas das maiores empresas mundiais — estou a falar da enorme indústria automóvel — fizeram, a respeito dos combustíveis leves, ui, ui, muito limpinhos: passaram o problema e os custos respectivos aos seus clientes.
Hoje em dia, não há forma mais barata de produzir electricidade, do que a via térmica do carvão — com excepção das muito complicadas centrais nucleares francesas, de primeira geração. Mas o que significam os números oficiais? Os portugueses não se devem sentir muito mal, quando são confrontados diariamente com o falhanço de todos os números oficiais. A mentira que nos atinge hoje é apenas uma parte e pequena da grande mentira fóssil global. Se a indústria térmica do carvão fosse obrigada a assumir os custos que hoje lhe é permitido varrer para debaixo da carpete, o seu valor acrescentado desaparecia, pufh! E isto antes dos custos do carbono. Apenas os custos resultantes do envenenamento lento.
Devo dizer que não concordo em absoluto com o teor do artigo do sr. Krugman, no link anterior. Usei-o porque é mais directo do que o intrincado (mas não em demasia) trabalho original. De qualquer forma, o link para o original de Nordhaus et al. está lá também. Não é apenas um assunto de saber quais devem ser os preços da energia eléctrica, doutra forma estaríamos meramente a colocar um preço no envenenamento lento de muitos seres humanos. O problema real é mais simples. John Donne, naquela citação inicial, compreendeu-o. Porque é que nós não somos capazes de fazer o mesmo?
Se aquele inglês, mal saído da Idade Média, foi capaz de o compreender, porque motivo é que o Fritz não é capaz? Depois da n-ésima agressão, começo a suspeitar que nunca vai ser capaz de compreender. O Fritz que se dane! Vamos ter que nos amanhar sem ele, e, se preciso for, contra ele. Está tudo a acontecer ao mesmo tempo e na pior altura possível. Quando as coisas correm mais ou menos bem, muitos são os que se conseguem preocupar com a sorte dos Ursos Polares; quando a situação é aquela que é hoje, neste País..., os Ursos Polares que se fodam.
Vamos mais fundo. Vamos até onde a dor dói. Será que aqueles pais que hoje, pela manhã, vestem os seus filhos para irem para a escola, sem saberem se eles irão comer durante todo o dia, têm disponibilidade para se preocuparem com as implicações dos 400 ppm de CO2 na atmosfera? Será que eu teria coragem para lhes tentar explicar? Cada um lida com estes assuntos à sua maneira. A minha, consiste em tentar perceber aquilo que os chineses, na sua sabedoria milenar nos dizem: maldição encerra sempre dois sentidos inseparáveis; ameaça e oportunidade. Decidi-me a escrever esta série de posts, por ter a consciência (ou a presunção, vai dar no mesmo) de compreender os problemas envolvidos. Neste momento, tenho apenas duas certezas. A primeira, é que, no que a maldições diz respeito, a procissão ainda mal saiu do adro; a segunda, a mais chinesa das duas, é que os Gaspares são todos iguais. Ou acabamos com eles ou eles acabam connosco.
Vá lá minha gente! Esqueçam o bardamerda do Gaspar, mais os lambéconas do Gaspar e preparem as garrafas de champanhe. Se o cacau não chegar para o dito, pois que seja espumante nacional; ou mesmo água gaseificada. Desde que faça bolhas...
Algures entre hoje e o final da Primavera, vamos ultrapassar um limiar com mais de 3 milhões de anos. Porra, que não é todos os dias que se celebra uma efeméride destas! 400 ppm de CO2 na atmosfera. Wow! Triplo wow!! No fim de contas, todos nós gostamos de mamíferos marinhos e esta morsa era mesmo king size.
Nada contra os mamíferos marinhos, eu não gosto é das baratas. E por aquela altura, eram do tamanho de porcos. Ah! E também não existiam uns 6 mil milhões de seres humanos a tentarem sobreviver, à superfície do planeta. Mas por falar em porcos..., nada de pessoal, oh Gaspar! Acontece apenas que as ideias são como as cerejas e uma leva a outra, e assim por diante.
Já que estamos a falar em porcos, Gasparzito, ainda te lembras quantos são 2 + 2? Nada da resposta-pergunta típica dos macro-economistas ("E qual pretende que seja a resposta?"); aritmética, daquela velhinha, de papel e lápis. Vá lá! Por maior que seja o esforço, tenta multiplicar $647 biliões de dólares (1 bilião == 1 seguido de 9 zeros) por dezassete anos. Vais entrar no domínio da tua especialidade, ou seja, a maior bolha financeira da história da humanidade.
E o resultado é..., pronto, pronto, concordo que o esforço devia ser sobre-humano. O resultado são quase 11 triliões de dólares; que tu e os teus clones se aprestam para gaspar (não, não é gralha, é de propósito) em prospecção de novas reservas de hidrocarbonetos fósseis, daqui até ao início da terceira década do século. Mais as reservas confirmadas e já hoje cotadas pelos sacrossantos mercados — e que são inqueimáveis (!) — estamos a falar duns 5 PIB's americanos. Ou do PIB americano durante cinco anos, vai dar ao mesmo. Tal tá a bolha, ahn? Mas os sacrossantos mercados financeiros prometem remunerá-las. E agora, Gasparzito? Quais são as alternativas?
Alternativa, singular. A alternativa são 30 PIB's americanos; ou o PIB americano durante 30 anos, vai dar ao mesmo. O problema, é que este número grandalhão já não tem nada a ver com economia, nem sequer financeira: são apenas custos de sobrevivência, com muito pouco valor económico.
Ou então, Gasparzito, podemos exercer as nossas prerrogativas de seres humanos pensantes e criar a nossa própria alternativa. Claro que para isso, vai ser preciso devolver-te e aos teus clones, à pocilga donde nunca vos devia ter sido permitido que saíssem. Para começar, basta fazer as contas.