No final do século XIX, houve um historiador inglês que se lamentou de, para estudar as comunidades cossacas na região de Lviw, ter que dominar o polaco, o ukraniano, o moldavo, o yiddish, o russo e o arménio; comentou que para fazer o mesmo estudo algures na bacia do Don lhe bastava saber falar russo...
O mesmo poderia ser dito a respeito daquela 'Europa do Meio' que se estende geograficamente do Báltico aos Cárpatos e ao Mar Negro. Deste lado da Europa, tudo estabilizou relativamente cedo; a Península Ibérica manteve muito exactamente as suas fronteiras actuais, após a conquista de Granada, em finais do século XV. A Europa central foi, durante séculos, um mosaico étnico e linguístico complexo, e a sua história política é, em boa medida, a historia dos compromissos que aquele mosaico exigia. Enquanto os dois grandes imperialismos (e totalitarismos) da Europa continental foram mantidos sob controlo. Quando deixaram de o ser, primeiro aliaram-se e depois degladiaram-se numa guerra de extermínio
mútuo.
Terras de Sangue de Timothy Snyder conta-nos essa história. Surpreendente em muitos aspectos, sobretudo para aqueles como eu que ainda consideravam que o genocídio nazi tinha sido uma construção industrial demoníaca, mas relativamente restrita no espaço. E conta-nos como os dois bigodudos à compita pelo título de maior assassino de massas do século vinte transformaram esse aspecto da sua actividade em ocupação diária, no caso do grande pai dos povos, durante 15 anos.
Hitler ganhou o título. Por uma margem menor do que muitos julgam, mas ganhou-o. Houve um outro campeonato em que, pelas suas características espácio-temporais mais vastas, os nazis não chegaram a ser competidores sérios. Estou a falar da limpeza étnica, título maior e indiscutível de Stalin. A uniformidade étnica e linguística que hoje existe na maior parte da Europa é o resultado da acção daqueles dois, embora em minha opinião, para compreendermos este segundo fenómeno e a maneira como
fez a Europa tal qual é, seja necessário recorrer a algo mais vasto do que o trabalho de Timothy Snyder.
Resta um único exemplo daquele mosaico complexo que a Europa já foi, é a Ucrânia e os ucranianos não parecem nada dispostos a deixarem-se "normalizar". E por isso, àqueles que hoje ecoam as mentiras do homem em imitação ferrugenta do aço que se conseguiu arranjar, digo-lhes apenas para irem para a putin-que-os-pariu. Ou será que alguém com dois dedos de testa não percebeu o que significa a presteza com que o tiranete de Moscovo aceitou o convite alemão para conversações?
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