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Eu não. Recordemos os factos. Pedro Passos Coelho, no discurso de tomada de posse,em Abril, lançou a falsa ideia de que há uma questão constitucional. Ele, que se viu obrigado a secundar muitas das medidas do Governo, precisou de uma bandeira, e, então, entendeu por bem fingir que era premente uma revisão constitucional (RC); pior: que os problemas sérios que o país atravessa passavam por uma RC. E nas festividades eleitorais que se adivinham. O acordo para se proceder à RC só depois das presidenciais era para esquecer, tal a urgência da sua missão nacional.


Nessa altura, o líder do PSD, falava com segurança, porque já tinha o projecto no espírito, já sabia do seu desígnio, falava aos microfones nos poderes do PR, em moldes totalmente diferentes dos que efectivamente constavam do desastroso texto que devia sustentar o seu discurso equivocado. Dizia que aumentava os poderes do PR e, depois, lia-se o papelito e percebia-se que era tudo ao contrário, uma omeleta feita ao sistema de governo por quem não devia, com toda a certeza, ter estudado duas linhas sobre a experiência passada, sobre sistemas de governo em geral, sobre o que é, efectivamente a estabilidade governativa, sobre as consequências normais da tão falada moção de censura construtiva, sobre as lições do direito comparado, nada, um salto acrobático experimentalista sem rede, a que alguns chamam de "modelo de sociedade".


Depois disso, como a ideia de uma RC para Portugal era muito forte, nas suas traves mestras, claro, numa noite, assim, numa noite, enquanto o sol se põe e volta a nascer, aquela voz de Pedro Passos Coelho ao microfone, aquela voz certa do que queria para o nosso sistema político, aquele texto acima referenciado, sofre uma revolução e o PR, que tinha os poderes diminuídos, passou a ter os poderes aumentados. Por quê? Ninguém sabe. É melhor não comentar. Eles têm um "modelo para a sociedade".



Depois há todo um conjunto de propostas em matéria económica e social. A maior parte delas, dizem os especialistas, resultam do desconhecimento do que seja um princípio constitucional, ou mesmo do que seja uma constituição, antes disso, do que seja uma regra. Por exemplo, é hilariante o PSD querer que se proíba o confisco. Não existe nenhuma dúvida de que o confisco já é proibido pela garantia da propriedade privada. Depois é preciso explicar coisas como estas, explicar que a Constituição é um quadro aberto, precisamente, a "projectos de sociedade", não cabendo a Partidos políticos petrificarem na lei fundamental do Estado o seu programa de governo; isso não é "um projecto de sociedade".


Isto significa que a Constituição não deve ser revista? Claro que não. Deve. Sempre que for necessário. Sempre que os Deputados assim o entendam no exercício dos seus poderes. É a RC que mantém a Constituição viva, esse compromisso com a sociedade que se renova todos os dias.


Comparando a nossa Constituição com a espanhola, se quiserem chamar petrificada a alguma delas, o que será sempre um disparate, não será certamente à nossa. Como é sabido, a Constituição pode ser revista de 5 em 5 anos contados desde a publicação da última lei de revisão ordinária ou a qualquer momento desde que reunidos certos pressupostos processuais. Em Portugal, entende-se o "pode" como "deve" e a Constituição tem sido alvo de tudo menos de gente petrificada, revista já sete vezes.


No entanto, os defensores do projecto do PSD entenderam por bem apelidar os seus críticos de imobilismo constitucional, não lhes deve restar grande argumentação, porque não conheço nenhum dos ditos críticos qiue padeça de tal maleita.


Coisa diferente, é ser-se sensato, quanto ao momento da RC, sim, esse outro desastre de querer mudar tudo e um par de botas em pleno clima de eleições presidenciais e quanto ao conteúdo de um projecto de revisão em particular. E criticá-lo não significa que tudo o que lá está seja mau.


Já defendi, por exemplo, que os outros Partidos adiram à ideia do PSD da moção de censura construtiva, desde que se elimine a outra, a que já existe, que a AR não se dissolva e que o PR tenha uma palavra a dizer na nomeação do PM alternativo. Já agora, que se adicionem mecanismos de estabilidade a esse instrumento, porque ele, sozinho, não serve de muito. Mas, observar uma ideia que é boa no seu princípio, embora esteja toda ela mal desenhada no projecto, não nos pode furtar à evidente rejeição de um projecto teórica e tecnicamente, na sua globalidade, muito, mas muito mau.


Para ajudar à defesa deste projecto, há quem siga a escola que pensava esquecida da demagogia elevada ao extremo, mas em forma de piada, diminuindo ideias como as do Vital Moreira, sem qualquer humildade, com a afirmação jocosa de que, estando em causa o tal projecto de sociedade, é bizarro ver os constitucionalistas a falarem sobre ele, tipo "não me mexam no texto"; seria como pedir a um programador informático para fazer o que queremos no computador e ele queixar-se na execução do seu ofício, exclamado "ai, não me mexam no programa que instalei". Isto dá para uma gargalhada e até para uma adesão desatenta, desatenta porque, naturalmente, o texto da Constituição não pertence aos constitucionalistas nem eles têm essa pretensão, donde em nada, das suas palavras, se pode ler uma defesa do "seu" texto.


Simplesmente, fazer o que o PSD se propõe a fazer sem consultar ou ouvir constitucionalistas, portanto, especialistas em matéria constitucional, seria o mesmo que o piadinhias querer reformular totalmente um edifício público, de toda a gente, muito complexo, e decidir deitar abaixo vinte paredes e fechar as janelas, porque tinha essa visão, e, quando alertado por arquitectos e mestres de obras que as paredes estavam ali por alguma razão e que tirando algumas delas a casa ia abaixo e que sem janelas ficaria sem ar e sem luz ele diria que seria muito estranho eles estarem a opinar porque ... ele tinha uma visão. (Espero, na próxima revisão do Código Penal, ver mandar calar os penalistas, por exemplo).


Por isso mesmo, e nem por acaso, no PSD, ao contrário do que pensam alguns humoristas, ouve-se gente como a Assunção Esteves, que foi Juiza do TC, como o Professor Rui Medeiros, para mim, o melhor constitucionalista da área da direita liberal que Portugal conhece. Estes constitucionalistas e os outros especialistas da comissão nomeada por Passos Coelho, que por humor, só por humor, seriam demitidos, sabem que o projecto tem disparates do ponto de vista técnico. Sabem que o projecto tem propostas contraditórias e incongruentes, eventualmente até foram apanhados de surpresa pelo documento que veio a público. E, naturalmente, não querem o seu nome conotado com tamanho disparate. Resultado? Dá nisto: fala-se em mal-estar e na possibilidade do projecto poder voltar à estaca zero. Este é o clima que o "projecto de sociedade", de bom que é, gera dentro do PSD; imaginem, em plena época eleitoral, no país.


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publicado às 16:36


2 comentários

De noughtone a 04.08.2010 às 17:20

PARECE-ME QUE ESTE BOCADO NÃO FAZ SENTIDO PENSO EU DE QUE: «Para ajudar à defesa deste projecto, há quem siga a escola que pensava esquecida da demagogia elevada ao extremo, mas em forma de piada, diminuindo ideias como as do Vital Moreira, sem qualquer  (http://jugular.blogs.sapo.pt/2085301.html)humildade, com a afirmação jocosa de que, estando em causa o tal projecto de sociedade, é bizarro ver os constitucionalistas a falarem sobre ele, tipo "não me mexam no texto"; seria como pedir a um programador informático para fazer o que queremos no computador e ele queixar-se na execução do seu ofício, exclamado "ai, não me mexam no programa que instalei". Isto dá para uma gargalhada e até para uma adesão desatenta, desatenta porque, naturalmente, o texto da Constituição não pertence aos constitucionalistas nem eles têm essa pretensão, donde em nada, das suas palavras, se pode ler uma defesa do "seu" texto.»Image

De bettencourt de lima a 04.08.2010 às 19:09


Desapossados
Após a apresentação do projecto de governo liberal de Passos Coelho sob a forma de revisão constitucional, perpassa em grande parte do PSD uma subterrânea perplexidade.
Este partido é constituído por uma parte significativa dos votantes portugueses e ainda possui um número expressivo de militantes. Muitos deles, os mais velhos e mais numerosos, à volta da imagem construída, mal ou bem, pela governação cavaquista. Imagem essa cujos contornos encaixam na defesa do chamado Estado Social: Leonor Beleza na Saúde, Bagão Félix na Segurança Social (embora este mais ligado ao CDS e independente), Roberto Carneiro na Educação e outros.
Os mais novos, muito pouco numerosos, à volta de uma imagem «liberal» que agora, incompreensivelmente, se apresenta como moderna ou, quem sabe, pós-moderna (incompreensivelmente, pois estamos no meio da mais devoradora crise saída das cloacas de Wall Street e provocada pela «esmerada» aplicação dessas teorias).
O sentimento surdo e dominante que começa a grassar é de não pertença por parte do primeiro grupo. Sentem-se esbulhados, desapossados, e, se este sentimento ganhar líder, restam duas hipóteses a Passos Coelho: ir criar um partido à direita do CDS, ou passar pelo calvário habitual. Este poderá tornar-se mais evidente se a queda nas intenções de voto se acentuar.
A ver vamos.
Desapossados.
 

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