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Isto é um insulto gratuito e inadmissível. Li, com surpresa, há dias, alguém que escrevia, perante a avalanche de críticas ao projecto de RC do PSD (ao primeiro, àquele que mudou de preto para branco numa noite), produzidas por vários entendidos na matéria, que os ditos, ainda que capazes, talvez fossem alinhados com o poder. Sempre este argumento fatal. Esperava o desconfiado por gente isenta, e esperava, dizia, por Jorge Miranda.
Nem respondi. Uma pessoa habitua-se a esta coisa de escrever textos baseados em anos de estudo de uma matéria e de, se os mesmos desagradam ao partido da oposição, ser acusada de alinhada. Perante o projecto do PSD, padeço, portanto, desse vício; eu, o Professor Gomes Canotilho, o Professor Jorge Reis Novais, o Professor José de Melo Alexandrino, o Professor Vital Moreira, e outros, todos os que ouvi e li, tudo gente interessadissima em deitar fora a sua integridade científca a bem do poder, esse bolo de chocolate. Bando de patifes.
Jorge Miranda foi o meu Professor de Direito Constitucional, bem como de outras disciplinas, como a de Direitos Fundamentais. Discordei livremente das suas posições, num debate académico cuja liberdade era fomentada pelo próprio. Jorge Miranda é assim. Discorda e ouve discordâncias, diz de sua justiça e lança-se à discussão de alterações legislativas necessárias a uma correspondência entre norma e realidade, sendo, talvez, o Professor de Direito Constitucional que mais se dá ao trabalho de actualizar os seus manuais.
Este insulto mesquinho é, portanto, uma vergonha. Pura e simples. Se há pessoa, que tendo estado presente na feitura da CRP, e com um contributo tão importante para a sua democraticidade, não deixa de lançar ideias, concorde-se ou não, para o seu contínuo aperfeiçoamento, é Jorge Miranda. Imobilismo não é certamente com ele e, para gente mesquinha sem argumentos para defender o indefensável, talvez fosse de recomendar ir ler uma publicação recente do Autor com contributos para uma RC ou, talvez, antes de se atirar da ponte para a asneira, dar-se ao trabalho de verificar com que regularidade Jorge Miranda actualiza os seus Manuais, obra gigantesca à qual o ignorante e caluniador cidadão Carlos Nunes Lopes chama de Sebenta.
Eu percebo. Quando fica demonstrado que o momento para este projecto de revisão é absurdo; que as alterações ao sistema político, primeiro no sentido de diminuir os poderes presidenciais, enganando esse mesmo sentido com a incompreensível demissão livre do Governo e, numa noite, com o aumento dos poderes do PR, com a dissolução afinal livre da AR, mas mantendo duas moções de censura, mantendo a ignorância sobre o que nos ensinou a história constitucional portuguesa; que o projecto esquece lições da história como o referendo francês sobre o período de mandato do PR (Gomes Canotilho); que o projecto em nada estabiliza os Governos; que o projecto torna mais prolixa a acusada de ser prolixa lei fundamental em preceitos consensuais no seu significado (e.g. o PSD, simpático, vem explicitar que é proibido o confisco. Parece que pensa que era permitido); que o que quer alterar em termos de "Estado Social" resulta de não conhecer nada, mas nada, do que é um princípio constitucional, diferente de uma regra, esta última ditando respostas de sim ou não, aquele, elástico, permitindo políticas públicas em função das circunstâncias que são encontradas e em função do projecto de sociedade de cada força política que ganha as eleições. É por isso, como ontem recordava Reis Novais, e como também ja tive oportunidade de explicar aqui no Jugular, que nunca, mas nunca, desde que a CRP é o que é, uma política pública, de direita, sim, de direita, foi inviabilizada pelo TC. A CRP não impede "visões" mais flexíveis ou mais rígidas disto ou daquilo. Tem os limites caracterizadores de um Estado com direitos sociais que são direitos fundamentais como os direitos de liberdade.
Até agora, se o PSD estudasse um bocado, asim, numa noite, com a mesma rapidez com que alterou a sua "visão profunda do sistema político", a jurisprudência constitucional, o TC só chumbou a revogação do RSI entre os 18 e 25 anos pretendida por Paulo Portas. Mas fê-lo com base nalguma norma social? Não. A medida foi tida por tão drástica, tão violenta, sem alternativa à mesma, que foi travada com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana. É o único caso. Talvez, como explicava ontem Reis Novais, seja de pensar a revogação deste princípio tão marxista, não?; enfim, quando ficou demonstrado que tudo isto é uma manta de retalhos, ela sim ofensiva dos portugueses, nada há a fazer, se não isto: insultar, na verdade fazer uma ataque de carácter.
Ofende-se Jorge Miranda numa penada, é indiferente, se calhar até pensam que tem piada, que é divertido, Jorge Miranda que pôs o dedo na ferida quando disse dos problemas da justiça que terão de merecer uma reflexão calma e profunda numa RC com tempo e em clima de calmia.
É giro dar uma pedrada a um homem com obra, íntegro, incansável na actualização de tudo o que vem escrevendo há anos, sempre pronto a dar o seu contributo para melhorar a CRP e as leis que a concretizam?
Como é não ler um livro, não estudar, não se dar ao trabalho, não queimar as pestanas e entrar num assunto sério escrevendo uma calúnia?
Isso é algum alinhamento ou alinhamento é uma palavra com direitos de autor?
Haja decência.
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