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Afirmei, aquando do último debate a propósito despenalização da IVG até às 10 semanas, nas circunstâncias referidas na pergunta objecto de referendo, que era a favor da mesma. Era e continuo, convictamente, a sê-lo. Não vale a pena renovar o debate.


É para mim claro que todos os argumentos que se centram exclusivamente na liberdade da mulher ou exclusivamente na vida humana estão errados. É, também, para mim, evidente, que se trata de uma questão que  encontra uma resposta equilibrada, do ponto de vista constitucional, que tem que ver com os graus dos deveres de protecção do Estado da vida humana, cuja ponderação obrigam-no a recuar e a dar espaço à própria mulher, até a um certo momento, que se tem por razoável, aquele momento que corresponde ao período que reflecte, em larga maioria, o problema social detectado, por um lado, e em que ainda é admissível o tal recuo do Estado, em face do tempo - dez semanas - que o momento representa. Isto tem como único argumento contrário situado no terreno da incomunicabilidade (e respeitável) o de fé.


A posição que defendo está reflectida no Acórdão do TC cujo importante excerto reproduzi aqui. 


Foi, pois, finalmente, acrescentada esta alteração ao Código Penal, que significou uma vitória suada para as mulheres, as quais, por razões que não cabem numa lista de alíneas de um preceito legal, que não podem estar sujeitas a escrutínios de grupos de sábios variáveis de norte a sul do país a decidirem da bondade das suas angústias, passaram a participar neste momento inicial da gravidez - a fixação do momento inicial põe um limite ao monopólio da decisão sobre os deveres de protecção por parte da mulher, pois esta não pode ser donadaquela para todo o sempre, naturalmente -, de mote próprio, naquilo que é o dever de protecção da vida intra-uterina, através da sua até então desprezada e hiper-qualificada habilitação para a decisão.


Já existiam, é certo, outras situações de não punibilidade da IVG, as quais, para uma certa direita, por exemplo, durante o debate referido mais acima, estavam todas muito bem. Também  as acho muito bem. Lendo o artigo 142º do Código Penal, acho muito bem tudo o que lá está, mas tenho algumas dúvidas quanto à interpretação que seja dada à possibilidade de pôr fim a uma gravidez quando "houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer de grave doença ou malformação congénita, e se for realizado nas primeiras 24 semanas de gravidez, excepcionando-se os casos de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser realizada a todo o tempo" (alínea c) do nº 1 do artigo 142º do CP. As minhas dúvidas adensam-se, perante a calma de quem foi ferozmente contra a IVG até às 10 semanas mas sempre dizendo que "a lei tal como está é equilibrada" (portanto esta alínea também), quando vou sabendo da discricionariedade com que esta previsão legal é aplicada ou sugerida à mãe ou aos pais em cada caso. Como a norma claramente isola a situação de feto inviável, o que significa exactamente grave doença ou malformação congénita? Não ter um dos membros, como um pé, ou um braço, parece-vos suficiente, para abortar um feto de seis meses? Estou só a lançar a discussão, mas se a estou a lançar é porque cada vez sei de mais casos que, a haver inferno, devem estar a fazer rasgar sorrisos a Hitler.


Vem também isto a propósito da legislação muito avançada em termos de prazo para uma IVG, quer no Reino Unido, quer em alguns Estados dos EUA.   Precisamente a esse propósito, o que se questiona nas recentes notícias de um debate sempre em aberto, não é a razoabilidade da permissão de uma IVG em fase tão tardia como as 24 semanas em situações que não de limite (risco para a vida da mãe; para a sua saúde; inviabilidade do feto; etc), mas se o feto, de acordo com uns inevitáveis estudos, sente ou não sente dor.


Essa perspectiva, na minha opinião, é insuportável a todos os níveis: éticos, filosóficos, constitucionais, científicos e, pura e simplesmente, humanos. O feto não sente dor? Tem seis meses? Aborta-se. É esse o sentido que, para o debate, se pretende retirar destes estudos. E se não sentisse dor aos nove meses? Que raio de critério das cavernas é este? Insuportável.


 


Nota: (corrigido. Dizia-se "é esse o sentido desses estudos" e passa-se a dizer "é esse o sentido  que para o debate se pretende retirar destes estudos". não tinha expressado claramente o meu pensamento)

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publicado às 09:19


39 comentários

De Marcelo do Souto Alves a 16.07.2010 às 15:28


Assim mesmo: os juristas só têm esquizofrenia quando não coincidem com as opiniões de MRC. Nos casos do Código Civil e do Código Penal referidos, as Leis já não são feitas por esquizofrénicos. Estamos conversados.

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