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Dia do pai

por Isabel Moreira, em 19.03.10

 


Às vezes pareces-me pronto a explodir. Mesmo quando sorris, mexes sempre os dois polegares como quem neles circula o que pensas estar por cumprir. Olho para ti sempre que almoçamos e penso que é no teu olhar que nunca sou estrangeira, porque na distância de 54 anos há a proximidade que nunca encontrei noutros homens. Homens que na minha escrita chamo de lobos. E lá estás, a fazer circular o mistério da tua ansiedade, que é a minha, entre os dedos, que subitamente são os do teu pai. Há sempre dor no teu sorriso, como há sempre aflição na minha calma.


Aprendi a sabedoria de dizer esta sou eu, sem medo, e queria que soubesses e sentisses que sou tão feliz na nossa ansiedade partilhada como o era após o jantar sentada no teu colo com a tua gravata gravada na minha face. Não há tempos díspares, portanto, entre nós, como um dia escrevi; há antes uma intensa proximidade, calhando apenas que eu falo mais, porque conto com a tua prudência e porque sinto que te faz bem o choque emocional feito em verbo.


Sempre que nos sentamos a almoçar, observo-te reclamando toda a tua vida. Pareces-me pronto a explodir, digo. Mas quero explicar que é esse teu estado limite que te torna um ser com o rosto de que não prescindo à minha secretária.


Escreves sobre o humanismo e a esperança que é sempre uma criança que nasce, mas no concreto da tua pele não foges, porque não podes, ao pessimismo que te assombra a visão do que esteve para ser e o acaso não permitiu ou do que simplesmente surge preto por mais que um poeta clame por claridade. É essa contradição remoída nos teus dedos que amo. Que faz de ti uma pessoa muito antes de seres um intelectual. E sei que a dor que te não permite veres a evidência da luz que foi, é e será sempre a tua vida sangra de uma ferida que se chama exigência. Hoje gostava que soubesses que sofro dessa ferida, dessa exigência violenta que me não deixa descontrair e reconhecer o que faço, jamais, como suficientemente bom, mas apenas, aqui e ali, como o que pude fazer.


Não trocava a minha ansiedade e a dor dela pela calma feliz que tem o preço da não-reflexão.


O mesmo é dizer que gosto de ti sempre pronto a explodir.


 

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publicado às 15:23


8 comentários

De AAM a 19.03.2010 às 16:21

A Isabel que me desculpe o atrevimento, mas deixe-me também usar este espaço para fazer uma sentida homenagem ao seu pai, uma das pessoas que mais me marcou académica e pessoalmente. Não tenho nem o engenho da sua escrita  ou a intimidade da Isabel com o seu pai; Apenas lhe digo que na presença do dr. Adriano Moreira sentia um ambiente de intimidade e tranquila sabedoria que cativava qualquer um. Pode parecer patética a adjectivação, mas em qualquer prelecção do seu pai existia uma candura e tolerância que é dificil de encontrar na frieza da academia. Um senhor.

cumprimentos

De brisa a 19.03.2010 às 17:08


Perdoe, mas porque não desactiva os comentários deste post? Gera a tentação insana de falar do meu pai, e ele já não me pode ouvir; cheguei tarde à doçura de reconhecer que «a calma feliz» pode ser muito mais que não reflexão, pode ser a humildade suprema, a lúcida cedência de espaço ao silêncio da divina Graça. Ele sabia-o e eu cheguei escandalosamente tarde.

De dnemesio a 19.03.2010 às 18:11

Gostei muito deste seu texto, Isabel. Obrigado.

De fernando antolin a 19.03.2010 às 20:42

Ainda bem que o tem consigo ainda. Do meu guardo uma recordação inesquecível e acredito que nunca no Paraíso se comeu tão bem e que Deus e o S.Pedro nunca atiraram tão bem às narcejas,como de há doze anos a esta parte...

Boa noite, Isabel.Thanks for the memories.

De Manuel Pacheco a 19.03.2010 às 23:07

Dia do pai:


Também o sou e hoje os meus filhos, Sónia e Hugo, ofereceram-me um livro “Uma longa viagem com José Saramago” de João Céu e Silva. Fiquei contente não só pelo livro mas, pela lembrança. É bom que os nossos filhos se lembrem de nós. Lembro-me do meu pai mas não lhe posso oferecer um livro, no lugar onde se encontra não devem faltar livros, anjos e muitas almas.


Mas aqui quero deixar recordações passadas entre mim e ele:


Quando encontrava o meu pai na tasca a beber um copito de vinho convencia-o a vir embora comigo. No trajecto até casa e sempre que acendia um cigarro, para acertar com o fósforo era um dia de juízo, às vezes só se apercebia quando lhe queimava os dedos.


Brincava com ele nunca se aborrecia, era um parceirão, nesses dias oferecia-me tudo, só era pena ter tão pouco. Cada passo, cada conversa, quando reparava cada vez estávamos mais longe de casa, por cada passo para a frente dava dois para a retaguarda, o que me levou a propor-lhe, que nos virássemos em sentido contrário e assim alcançávamos a casa mais depressa.


A minha mãe vinha abrir a porta, nesse tempo cada porta só tinha uma chave, e dizia, não ganhas juízo Maximino, mas sempre com um carinho extremo, hoje é raro se ver entre casais. Ajudava-o a despir-se e ele lá dormia a noite toda sem incomodar ninguém. Era um casal que se dava bem.


Quando o meu pai faleceu notei que com ele ia metade da vida de minha mãe, que não chegou a dois anos e ela também partia para a vida eterna.                


Não me importava que hoje acontecesse o mesmo tal a saudade que tenho dele. Todos os dias me lembro dele mas neste a nostalgia é maior. Onde quer que esteja mas, só entendo que seja no Céu, para inferno bastou a sua passagem pela terra que a maioria da sua vida foi passada com dificuldades, quando vivia com mais conforto foi chamado para a vida eterna. Que S. Pedro e Deus olhe bem por si.


 


 

De Irene Pimentel a 20.03.2010 às 00:30


Texto lindo

De Maria (desde sempre) a 20.03.2010 às 15:04


Que filhos LINDOS! O vossos Pais deverão ter ficado maravilhados com as vossas homenagens. Bem Haja!
Felizmente, ainda tenho os meus pais (95 o pai e 88 anos a mãe) e ainda posso dizer-lhes ao ouvido que os amo muito. Sou feliz, mas sei que um dia as minhas homenagens terão que ser como as vossas. Só não aguentarei sofrimento... 

De Marcelo do Souto Alves a 24.03.2010 às 13:28

O meu saudoso Pai, embora não o conhecendo pessoalmente, possuía uma enorme admiração pelo seu. Eu, para além disso, sinto também uma enorme inveja de si, por só já poder ir visitá-lo no mais precioso recanto da minha memória...

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