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Um mundo meão*

por Rogério Costa Pereira, em 05.08.08

Hoje, não faz sentido que a discussão se centre entre esquerda e direita, cavaqueira que, sendo cada vez mais despida de conteúdo, é totalmente vazia de sentido prático.

Desabafo, pois, sobre algo que sempre me atormentou, que me vem atormentando de forma mais aguda ultimamente, algo que me enraivece até às lágrimas, que me tolda o espírito, que me altera o humor até ao Prozac: a Mediocridade!

O mundo parece, cada vez mais, estar cheio desses pequenos répteis, repelentes e asquerosos, que vêem o mundo por entre duas palas de orientação, como burros de carga que na realidade são. E eu, estupidamente, deixo-me incomodar por eles, com os seus olhares entupidos, com os seus sorrisos vazios, com o alimento que dão à indústria livresca da faca e alguidar, com a seborreia com que me engraxam os sapatos.

A mediocridade da televisão.

A mediocridade d’algum jornalismo que é judiciário porque escreve sobre tribunais mas jamais o será por o ser.

A mediocridade da pulp fiction.

A mediocridade do Zé-povinho.

A mediocridade d’alguns comentadeiros.

A mediocridade dos estudantes que não pagam, não pagam, nem eles sabem bem o quê.

A mediocridade das generalizações por falta de tempo e de interesse.

A mediocridade das descontextualizações.

A mediocridade a que a mediocridade nos conduz.

A mediocridade do terror.

A mediocridade da casa que um dia foi pintada de branco e, havendo falta de melhor, casa branca ficou.



(imaginem a confusão, se a moda pega cá pelo nosso mui português e desaguado Alentejo e começam os seus indígenas a dizerem-se moradores da casa branca. Pois se de cal foram as suas casas pintadas e se o outro, num país bem maior e provavelmente com maior número de casas brancas, se arrisca a que o carteiro não lhe conheça o paradeiro, porque não eles, que antes da tinta havia a cal e antes das Américas já o Alentejo deitava cal nas suas casas, findas as últimas chuvas, lá para os idos de Maio, não fosse a pintura ficar borrada – de um fôlego, este).

Dizia (mente tortuosa, esta minha, que não me deixa escrever sem a propósitos):

E o problema começa a ser sério e grave, pelo menos para mim que não consigo passar por cima da merda, acabando sempre por pisá-la. Fico ali, a fazer pontaria e lá vai.

Não consigo ignorar, não consigo olhar adiante, fico a remoer naquilo, horas a fio. Fico a imaginar como me saberia bem ter dito isto, feito aquilo.

E estudo o fenómeno.

Para melhor combater a coisa, é necessário entendê-la.

Até se me arrepiar a espinha e depois vocifero. Impreco!

Não fosse eu ter uma réstia de razão e coração e ter-me-ia casado por puro interesse científico. Seria um mártir da investigação. Teria escolhido uma mulher medíocre.

E estudá-la-ia. De forma afincada!

E descobriria a cura para o mal. Pelo menos para este mal em que todos os outros se condensam, a que todos se resumem.

A qualidade do assim-assim, do não-é-carne-nem-é-peixe, do cá-se-vai-andando.

Raios me partam se não!

Oportunidade perdida, reduzo-me a imaginar o mundo sem mediocridade.

Onde estaríamos, quem seríamos, onde teríamos chegado ou não.

Imagino isso tudo – vou ao dicionário e vejo: Medíocre: mediano; meão; que está entre o bom e o mau; ordinário; insignificante.

E penso em Adão e na maçã.

E sem concluir, antevejo: não podia ser de outra forma, tinha de ser assim.

Um mundo meão!


* Adaptação do meu primeiro texto na blogosfera (cortesia, na altura, do José Mário), publicado em 3 de Abril de 2004, no saudoso Blogue de Esquerda.

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publicado às 01:27



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