É um nome lindo, camarada É um nome lindo, tu sabes Que casa cereja e romã Com as cem flores do mês de Maio
Nas últimas eleições legislativas, votei duas vezes no Bloco de Esquerda. Literalmente. Preenchi dois boletins com a cruzinha na mesma posição. O primeiro foi parar à urna de voto, o segundo, à maleta dumas miúdas simpáticas que estavam a efectuar uma sondagem à boca da urna, para a Universidade Católica. Em face da correspondência muito próxima entre os resultados daquela sondagem e os totais nacionais, sou dos muito poucos que podem afirmar terem uma certeza quase absoluta de o seu voto ter contado.
O meu voto contou. Essencialmente, serviu para legitimar a agressão que se abateu sobre este País. São as regras do jogo, nada de essencial muda quando votamos vencido. E também por isso, continuam a aplicar-se as palavras do Jean Ferrat, naquela primeira quadra acima. Sim, é um nome lindo, camarada, mais ainda quando evoca o "...é proibido proibir...", do Maio de 68, na sua referência inequívoca ao período das Cem Flores, "Que cem flores floresçam / Que cem escolas de pensamento debatam livremente"</em>. Mas deixemos Mao Tse Tung em paz. Os Povos votam (os que o podem fazer), usam a sua liberdade, inclusive, para permitir a actuação dos inimigos dessa liberdade. São as regras do jogo.
Durante anos, camarada Durante anos, sabe-lo bem Apenas com o teu nome por canção Os lábios floresciam
E no fim de contas, só é derrotado quem desiste. E no fim de contas, quem, neste País, se atreverá a dizer que não valeu a pena? Os tais inimigos da liberdade e esses não me interessam. Os outros, desde os que têm uma memória física do antes do 25 Abril de 1974, até aos que aprenderam os factos nos livros de História, sabem que os lábios floresceram; não tanto quanto queríamos, mas floresceram. E aquela coisa, essencialmente difusa, a que chamamos Esquerda tem aí muitas das suas coroas de glória.
É um nome terrível, camarada É um nome terrível para ser dito Durante o tempo duma mascarada Mais não faz do que tremer
Se parássemos neste ponto, estaríamos a passar moeda falsa. Não vou falar das lutas internas da República, durante a Guerra Civil de Espanha, nem sequer da única acusação invalidada no Tribunal de Nuremberga. Os espanhóis que se pronunciem sobre os primeiros factos e os polacos que façam a paz possível como os outros. Mas outros factos, mais próximos de nós, estão ainda em cima da mesa. E o Jean Ferrat não se esqueceu deles.
Que vens fazer, camarada? Que vens fazer aqui? Foi às cinco horas de Praga Que o mês de Agosto se obscureceu.
Foi às cinco da manhã de 21 de Agosto de 1968, que os exércitos do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia. E aquelas foram exactamente as perguntas que os jovens de Praga e de outras cidades, fizeram aos miúdos atarantados, que tripulavam os tanques soviéticos. E eles não sabiam. Provenientes, na sua maioria de unidades estacionadas na Ucrânia, estavam convencidos que a guerra tinha rebentado e que estavam na então Alemanha Federal; era o que os veteranos de '45 lhes tinham dito: "Quando vocês já não conseguirem ler os sinais de trânsito [por já não estarem escritos em cirílico], isso quer dizer que estão na Alemanha...".
É um nome lindo, camarada É um nome lindo, tu sabes Com o meu coração batendo a chamada Para que ele renasça para sempre. Casando cereja e romã Às cem flores do mês de Maio
Não, a Esquerda não pode assumir qualquer postura de superioridade moral, a menos que seja capaz de olhar para os esqueletos que tem no armário. Os franceses fizeram-no, após a libertação de 1944; à maneira deles, pelo pacto do silêncio. Fizeram-no. Os italianos fizeram-no, pelo Compromisso Histórico. Então e nós? Nós, hoje, 3 de Julho de 2013, quer-me parecer que, colectivamente, ainda não percebemos a profundidade da crise que nos atinge e a natureza extrema da agressão a que estamos sujeitos. Na minha qualidade de alguém que vota em dobrado no BE, quero afirmar que a cultura do protesto, por mais justo e correcto que seja, não leva a lado nenhum.
Será que a tal "superioridade moral" vai continuar a permitir apontar o dedo numa única direcção? Existem muitos e bons motivos para esse apontar, mas e a urgência nacional? "Não vale a pena, o TóZero é um zero...". Pois muito provavelmente é, mas que caminho é que se faz se não lhe metermos os nosso próprios pés? Cada vez mais me convenço de que vocês ainda não perceberam até que ponto a crise é urgente, e de que não fazem a menor ideia do que está para vir. Amanhã estará mais claro e no dia a seguir ainda mais.
A austeridade é a velha história das roupagens novas do Imperador. Ninguém, do alto da sua respeitabilidade, se atreve a dizer que não existem. Resta-nos a ingenuidade das crianças, mas que ninguém se iluda, o primeiro Povo, neste continente mártir, que se atrever a dizer "...o Rei vai nu..." vai ser sujeito a uma agressão que tornará as pressões obscenas sobre os gregos, durante as eleições de 2012, numa mera brincadeira. É este o nosso futuro próximo. Vamos a ele!