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Sobre o Natal

por Isabel Moreira, em 28.12.09
Lembro-me de uma janela

Na Travessa da Infância

Onde seguindo os rumores dos autocarros

Olhei pela primeira vez o mundo



(José Tolentino Mendonça)



Entram-nos novos olhos pelas esquinas e não entendem a tristeza ou avisam-nos do egoísmo dela. Escondemo-nos numa sala nova, cheios de sorte, o sol muito intenso, livros por ler, e o oratório de natal de bach a fazer coisa nenhuma aos nossos sentidos. É muito difícil explicar aos novos olhos que dói muito ter uma dor que se tem porque se nasce com ela, porque, como já se disse, o mundo, com as suas chagas, bate à porta, mas não entra, eu não consigo.

Quando há uma trovoada de palavras a dizerem-nos a causa da nossa alegria esperada, a dor dói mais, mais ainda, porque nós sabemos que na linha de cima da vida temos tudo e que esta dor só se explica numa linha nos subúrbios do traduzível, onde uma infância amedrontada numa pele mal vestida tantos anos, um desamor quando começou a palavra eu, uma solidão nas mesas com a nossa família tão querida, a tal sorte que nós temos, esta dor é assim. Tudo o que temos por que tantos dariam dá à dor uma nódoa de culpa, de culpa, e assim se vive num cilindro dentro de outro maior cheio de sorrisos e de amor invejado e nós no nosso cilindro de dor e de culpa e, claro, de medo, essa besta. A infância pode ser um quadro móvel, a mesa de Natal no dia 25, uma mesa feliz, que sorte a nossa, mas os anos levam-nos as pessoas - e deus também - que ficam com o nome de mortos, pendurados nos nossos corpos, e hoje vê-se aquela mesa com os sons feitos ecos, porque de memória, e há uma mão que não agarra o sal que lhe passam porque morreu, essa e outra mão; a mesa da nossa infância, ao longo doa anos, vai ficando cheia de sombras, os nossos mortos, que surgem com muita força no Natal. É por isso que o dia 25 de Dezembro tem de bom apenas a promessa de um 26, é por isso que quem tem uma dor que nasce consigo e vive em cilindros de medo desequilibra-se até à quase loucura nesta época em que o trânsito, as luzes, ou os apelos na rua são apenas os gritos dos mortos que desocuparam as mesas da nossa infância. Para as ocuparem, hoje, como nunca.

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publicado às 00:06


1 comentário

De June a 28.12.2009 às 13:02

A Isabel é sempre muito vigorosa nos seus comentários.
Neste também, revelando ainda um inexorável sentido de oportunidade. Entrou de rompante na minha alma que em todos os dias 25 de Dezembro anseia pelo dia 26.
O que vale é que o tempo, apesar de abstracto, dá imenso jeito. E felizmente, hoje já é dia 28.
Já agora, quero dizer que lhe estou grata pela sua inestimável contribuição para que a minha condição de desigual me faça sentir cada vez mais unique.
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