O senhor Miguel, o Sousa Tavares da actualidade, é um opinador profissional. Vamos dizê-lo sem segundos sentidos: tem uma máquina de escrever enorme e uma tribuna à medida da sua máquina. O Tavares, o Miguel que nos calhou em sorte, acha que
os professores abusaram do seu direito à greve. O Sousa, o Tavares que já o era antes de ser o Miguel, andou na escola da D. Constança. Se não fosse por isso, não me daria ao trabalho de escrever estas linhas. No fim de contas, não quero saber das opiniões, nem do Tavares, nem do Sousa, e ainda menos do Miguel. Distância! Apenas distância, não fora a D. Constança.
Também andei numa escola parecida. Situada na Grande Lisboa, não tinha o tal frio granítico. E lembro-me relativamente bem das casas de banho, exactamente e apenas porque não tinham nada de especial e chegavam para todos. O recreio da minha D. Constança não tinha lama no Inverno. Era um espaço relvado, numa pequena escola privada, empresa familiar, onde a irmã da D. Constança tratava das refeições. Lembro-me dela, não me lembro dos almoços, o que, em vista da minha esquisitice permanente, me diz que deviam ser bastante razoáveis. Mas o que eu recordo melhor, foi o choque que senti, ao aperceber-me que uma parte substancial dos meus colegas se iriam ficar pela 4ª classe. Acho que foi a primeira vez na vida que percebi o significado de
injustiça.
Voltei a ter o mesmo sentimento, dalguma forma mais trágico, já nos tempos da actualidade, quando ouvi, contada na primeira pessoa, a descrição dos tempos modernos do meu País. Era uma escola secundária, já universal nalgum sentido, mas situada numa zona "problemática". Os conflitos eram constantes, mas esta D. Constança era (e é!) uma mulher de armas, do tipo "...vamos arregaçar as mangas e começar e empurrar o comboio...". O ambiente da escola melhorou, não de imediato, mas todos o sentiam. Os resultados não e esta D. Constança actual reuniu os alunos e disse-lhes exactamente isso: "...Já fizemos muito e também vamos ultrapassar este problema...". Um dos alunos respondeu-lhe: "...sôtora, você é porreirinha e o pessoal aprecia. Mas não se mace, isto é tudo material para caixas de supermercado".
O Miguel mais os seus 79 colegas, não me interessam para nada e as opiniões do Tavares ainda menos. Constato apenas que, para as começar a enunciar, o Sousa teve que mentir. O Miguel mente, quando diz que os professores finlandeses ganham menos do que os portugueses e que trabalham mais. Talvez não seja exactamente mentira, porque o qualificativo "proporcionalmente" me faz suspeitar que o Sousa seja econometrista, logo será este apenas um assunto de deformação profissional.
O Tavares afirma que Portugal faliu. Neste momento, continuo convencido que, no que aos factos diz respeito, é (ainda) um exagero e no que que respeita às opiniões é apenas um peido. Uma daquelas
23 coisas que não te disseram a respeito do capitalismo, mais exactamente a 3ª, mostra-nos que os países pobres não o são por os seus cidadãos de menores recursos serem calões e pouco produtivos, mas sim porque as suas elites são medíocres e incompetentes. As mesmas elites das quais o Sousa, mais a sua máquina de escrever, fazem parte. Quanto a opiniões, o assunto é ainda mais simples: são como os peidos; cada um tem as suas e acha que as dos outros cheiram mal. Acontece apenas que os do Miguel são particularmente fedorentos.
Autoria e outros dados (tags, etc)