Franklin Roosevelt, a respeito de John Maynard Keynes
Vamos imaginar que eu sou o executivo duma companhia de petróleo. Nada de coisas mixurucas, uma das Grandes Irmãs.
Sendo um "homem do petróleo", eu não sou um CEO de aviário; nasceram-me os dentes dentro do ramo e conhece-o como a palma das minhas mãos. Como também gosto mais de dinheiro do que da minha família toda, o estado das coisas não me agrada. E sendo um homem do petróleo, aquele calo no sítio onde os macacos se sentam, diz-me que tenho ao meu dispor o maior corpo de conhecimento, jamais acumulado por qualquer empresa privada. Está na hora de tirar partido dele. Fui ter com o meu pessoal de Investigação & Desenvolvimento e disse-lhes isto:
— Meus senhores, como é do vosso conhecimento, o nosso espectro de produção é 40-20-40 (50-10-40 na versão americana). 40% de produtos leves, de alto valor e alto preço. Mais 20% de produtos intermédios, de valor ainda muito interessante. Finalmente, 40% de produtos pesados, coisa de uva mijona. Não perdemos dinheiro com a uva mijona, mas não consegue passar disso. Portanto, quero que vocês me digam o que é preciso e quanto é que vai custar, para que daqui a 10 anos, o nosso espectro passe a ser algo como 60-30-10. Não mais de 10% de uva mijona.
Eles fizeram lá um daqueles conciliábulos, por sinal bastante rápido, para o que é comum na malta de I&D, e responderam-me:
— Olha, boss. Isto não tem nada que saber. O hidrogénio é o elemento mais abundante do Universo, mais de 30% da sua massa total é hidrogénio e o que para aí não falta é água. Abre os cordões à bolsa e daqui a dez anos (ou menos) tens aquilo que pretendes.
Eu disse-lhes "Muito bem. Preparem tudo, porque eu tenho que verificar mais um pormenor. Depois dou-vos a resposta final". Fui ter com os meus contadores-de-feijões, com os meus economistas e coloquei-lhes o assunto.
— Caríssimos, o nosso pessoal de I&D assegura-me que daqui a dez anos, poderemos estar a produzir muito mais gasolina e muito mais gasóleo, e muito menos fuel pesado. Vai-nos custar os olhos da cara, mas mais do que vale a pena. Ora a situação é simples: aquilo que vendermos hoje ao preço do fuel, não vamos ter amanhã, para vender ao preço da gasolina. Por isso, quero que digam qual deve ser a percentagem das nossas reservas que devemos guardar, para este propósito.
Estes, nem piscaram os olhos. A resposta foi imediata:
— Zero, boss. A resposta é ZERO! Mantém-te firme nos essenciais: Drill, baby, drill! Burn, baby, burn! Lembra-te do principal de HH.(1)
Foi nesta altura que eu decidi estar na hora de os "homens do petróleo" começarem a untar a barriga com manteiga de amendoim e darem lugar aos produtos de aviário. No fim de contas, os Mexias deste Mundo têm tudo o que é necessário para os tempos que correm, e ainda conseguem ser mais malandros do que eu.
Esta história é completamente inventada, mas os pontos essenciais não são. Em particular, a resposta final dos contadores-de-feijões. Está connosco desde 1931 e é matemática pura; Teoria dos Conjuntos, pura e dura. A citação inicial é um fait-divers sem qualquer importância na actualidade. Roosevelt e Keynes sabiam bem da sua influência mútua e, aquando duma deslocação académica de Keynes aos Estados Unidos, foi arranjada aquela entrevista, a única entre os dois homens. Não saltou qualquer patanisca. Keynes assumiu a posição snob dum dandy inglês, sim, aquele americano era um rapaz bem intencionado e esforçado mas..., não passava dum labrego lá das berças do Novo Mundo. Roosevelt foi muito mais sintético. Disse apenas aquela frase, que na época e sendo aplicada a um economista, era um insulto subtil e profundo. A sofisticação matemática não era nada bem vista, os economistas deviam limitar-se a recolher dados e interpretá-los, usando o bom senso e o seu conhecimento da economia real. Harold Hotteling viu o seu trabalho ser rejeitado por diversas revistas académicas, devido à sua "dificuldade matemática" e o Journal of Political Economics, da Universidade de Chicago, publicou-o antecedido de solenes avisos: "Cuidado, que este assunto requer uma sofisticação matemática fora do comum".
Aquele trabalho seminal não foi ignorado, nada disso. As folhitas de cálculo do gaspar hão-se de estar mais pranhas do que um ovo com as fórmulas de Hotteling, nenhum economista lhes consegue escapar. O que eles não querem que se saiba, são as conclusões, tão puramente matemáticas como o resto. As "duas economias" não são invenção minha, são a conclusão incontornável da análise de Hotteling. As economias de recursos renováveis podem ser tudo e mais alguma coisa, e à vista do pano é que se talha a obra; as economias de recursos exauríveis são loucas, e, mais do que isso, são um exemplo do falhanço total do mercado.
Num quadro de recursos não-renováveis, existem apenas três estruturas possíveis e todas três são más. A pior (dificilmente alguma vez terá existido) é o mercado livre. A outra a seguir (a mais comum, na prática) é o duopólio; podemos associá-lo à ideia de cartel, embora vá para além disso. A alternativa menos má é o monopólio. Hotteling comentou como, em algumas hipóteses sendo verificadas, os monopólios públicos conseguem ser ligeiramente melhores, ligeiramente menos negativos (!) do que os monopólios privados. Mas não mais do que isso. A economia de recursos exauríveis é amaldiçoada, culpem a Teoria dos Conjuntos.
Tudo isto nos leva ao Hans. Ao meu e ao Hans real, o mais importante. No fim de contas, seria inconcebível que a mesma cultura que produziu Leibniz e Kant, tivesse ficado reduzida a produzir clones rastejantes do Fritz.
Hans-Werner Sinn é professor de economia e reparou num pormenor paradoxal: à medida que as alternativas renováveis se vão tornando mais eficientes e mais acessíveis, os donos de recursos fósseis são presenteados com a escolha entre venderem hoje a baixo preço e venderem amanhã a um preço ainda menor. Adicionalmente, se os donos dos fósseis forem confrontados com a possibilidade da introdução de controlos regulatórios, obrigando-os a manter uma parte das suas reservas no subsolo, isso irá aumentar a pressão para os extrair e vender o mais rápido possível, enquanto essa regulação não existe.
Acontece que, e isto não é para provocar o Hans, o paradoxo não tem que ser verde. Como foi que a Alemanha Nazi travou a 2ª Guerra? Foi um conflito já muito mecanizado e os alemães nunca tiveram acesso a outras fontes petrolíferas, para além dos campos de Ploesti, na Roménia, que nunca foram grande espingarda. Como foi que eles conseguiram? A resposta: com o recurso a combustíveis sintéticos. Mais de 75% de todos os combustíveis líquidos, usados pela máquina militar-industrial nazi, foram destilados a partir do carvão. São ainda mais porcos do carvão, mas isso é irrelevante para o meu argumento. As patentes-base datam do início do século XX, tanto o processo de Bergius como o Fischer-Tpropsch têm mais de cem anos. No início deste século e perante o aumento dos preços petrolíferos, resultante da procura chinesa, algumas empresas americanas tentaram voltar a utilizá-los. Falharam, porque o mercado com que eles contavam para o arranque lhes foi vedado. A administração Bush, que negava as alterações climáticas, usou a legislação ambiental, herdada das administrações Clinton, para proibir (!) o Pentágono de comprar combustíveis sintéticos destilados do carvão. E pronto, já disse tudo de positivo que sou capaz de dizer a respeito do George W.
O paradoxo não tem que ser verde, qualquer alternativa produzirá os mesmos efeitos, o Hans sabe-o bem. E o que é que ele propõe? David Hilbert e Karl-Fiedrich Gauss concordariam, Beethoven seria capaz de compor uma sinfonia em sua honra. Hans-Werner Sinn propõe um Monopólio Mundial e um Governo Mundial.
Ah! É um governo mundial muito suave, muito kantiano. Baseado nas Nações Unidas e capaz de ser construído gradualmente e por consenso. Mas não é menos mundial por isso, nem menos monopolista, por melhor que o autor o disfarce e fá-lo muito bem e de forma muito convincente. Em absoluto, vale a pena lê-lo. Nem sequer me importava de dar para este peditório. Pura e simplesmente não acredito que a urgência do assunto o permita.
E pronto! Isto conclui as maldições e confesso que escrevo estas frases com um suspiro de alívio. Resta o mais importante, a superação, mas as cores são outras. Vamos começar com um poema.
Vastos, vastos, nove rios atravessam a China E apenas um caminho-de-ferro de Norte a Sul
Mao Tse Tung — Para onde foi o Grou Coroado? (2)
(1) O "principal" é um termo que já fez parte do léxico português. Eça de Queirós usou-o várias vezes e não como um estrangeirismo. Não faço a menor ideia porque é que caiu em desuso. Refere-se àquela parte do capital que não se gasta; só se gastam os lucros do capital.
(2) Estou a citar de memória. Aquele livro é uma raridade e o mais certo é tê-lo perdido.