(Crónica de uma festa em dia de funeral)
No início da semana, enquanto o Primeiro-Ministro selava o caixão do Governo no funeral do País, a minha terra estava em festa. No maior núcleo suburbano da periferia, a segunda maior das 30 paróquias dos arrabaldes comemorava com pompa e circunstância o ‘Dia da Freguesia’. O último, por graça da visão de futuro do futuro ex-ministro Relvas, que dedicou a estas berças a maior estima e consideração na reforma territorial, a tal reforma de que o ‘doutor rapidinha’ no auto-elogio fúnebre se orgulhou quase tanto como de ter sido ele mesmo e só ele quem pariu Passos Coelho para o estadismo nacional.
Para comemorar o último dia do resto da sua freguesia, a autarquia celebrou os seus ilustres: Condecorou os membros da Junta de Freguesia, com as medalhas adequadas a sempeternizar os seus valorosos feitos. Valor de cuja autenticidade ninguém deve duvidar, posto que atestada pelos próprios.
Presidiu o Presidente da Junta, como é de natureza e direito. E chegaram a emoção e os fregueses ao rubro no momento em que o egrégio autarca inaugurou a nova praceta da aldeia. Para que a História não venha a subestimar a importância da praceta, o Senhor Presidente da Junta deu-lhe o seu nome (seu dele). Por sinal - mas não por acaso, certamente - homónimo do Papa de Roma.
A emoção foi compartilhada – há quem diga que até às lágrimas – pelo convidado de honra da festividade, o presidente da Câmara Municipal, a quem o presidente da Junta agradeceu o patrocínio da jubilosa jornada. E não faltou a retribuição da generosidade patrocinadora: O autarca-agraciado-titular da onomástica da nova praceta fez questão de declarar à rádio local que nunca mais será candidato pelo partido que o elege há 20 anos, porque isso seria “ir contra” a pessoa do Presidente da Câmara, cujo partido nunca ganhou eleições naquela freguesia. Contra aquele homem nunca! Mesmo que mude a lei que para já o impede de se recandidatar. Mesmo que seja revogada a lei que decretou a morimbundície da sua já pré-saudosa freguesia. Contra o benfeitor nunca! Como a canoa de Carlos do Carmo: Nunca, nunca, nunca mais!
E assim foi aquela tarde de chuva e sol. Estava o Primeiro-Ministro a endossar ao Tribunal Constitucional a chave do esquife do País, ao mesmo tempo que o autarca da futura ex-freguesia de Valverde se ressuscitou das cinzas da sua extinta autarquia.
Se lá estivesse o Chico Buarque, haveriam de cantar todos: Bonita festa, pá! Bonita festa, Chico!
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