Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]



Parece que temos mais uma "agenda escondida"

por Isabel Moreira, em 23.11.09

João Marques de Almeida (JMA) vem defender aqui que ficou patente no debate prós e contras que os defensores do casamento entre pessoas do mesmo sexo têm claramente uma agenda escondida.


Ao contrário de outros, que defendem que o PS (e quem apoia a proposta do mesmo) está a esconder a adopção, JMA avança com a curiosa tese de que a verdadeira agenda escondida, a motivação mais profunda, de muitos (não de todos) é um ataque à religião e a um modo de vida conservador. Segundo o cronista "aquela discussão foi um bom exemplo de como, muitas vezes, as lutas de libertação se tornam rapidamente em novas formas de opressão. O direito à diferença também inclui um modo de vida conservador e muito próximo da religião. E deve ser defendido por todos aqueles que valorizam a liberdade, mesmo que não o pratiquem".

Também defende que quem é contra o casamento aposta no casamento para o impedir e que quem é a favor do casamento afasta o referendo porque tem medo de perder.


Vamos por partes.


JMA, com o devido respeito, não podia ter chutado mais ao lado. Quem, efectivamente, quer impor um "modo de vida", "conservador", por vezes, muitas vezes, "próximo da religião" a uma sociedade inteira é precisamente quem estava, no programa citado, do lado do não ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.  Esses sim desrespeitam o tal princípio de liberdade individual que surge citado e prezado pelo cronista. Basta pensar em como se defendeu que o casamento é uma instituição milenar, anterior ao Estado, necessariamente entre um homem e uma mulher, definidor do estatuto da mulher.




Claramente, quem defende isto está a falar de matrimónio e não de casamento civil, instituição estadual de século e meio, mutável e não estática, assente na igualdade entre os cônjuges, aberta, como o TC já teve oportunidade de explicar, a uma decisão política que alargue o âmbito dos seus titulares, como aqui se pretende.


O que se passa é que há quem se meta na cama nos outros e há quem tenha isso por violador da vida íntima de cada um. E é precisamente por a lei se meter na cama das pessoas que na sua identidade escolhem por parceiros pessoas do mesmo sexo que essa mesma lei, actualmente, apoiada nos preconceitos homófobos de longa data continua a dizer: vocês não são normais para este efeito.


Ora, o que todas as pessoas que estavam no prós e contras a defender a igualdade pretendem, ao contrário da injusta inversão operada por JMA, é precisamente que a lei permita que cada um, casando, viva a sua vida de casado de acordo com as legítimas convicções pessoais. Daí que no debate, Paulo Corte Real tenha dito que o casamento católico dos Reis de Espanha não tenha ficado menos católico com a alteração legal verificada.


O que nós não admitimos é o monopólio legal de uma concepção ideológica de casamento. Com a aprovação da proposta do PS, não se pretende atacar nenhuma fé, nenhum credo. Cada um viverá o seu casamento como quiser. Tendo-o por católico, hindu, indissolúvel, meramente civil, o que seja. Está a ver? É isso.


Afinal quem é que tem uma agenda escondida em matéria de costumes?


Quanto ao referendo, não se trata de medo de perder, como é dito com ligeireza. Eu por acaso aprendi em criança a não ter mau-perder. E estou cansada de explicar o que é uma fraude ao acto eleitoral.


E sim, a proposta até poderia perder em referendo. Eu não tenho de discutir isso. A homossexualidade iria a votos, como se sabe. Haveria essa inevitabilidade. O fim da escravatura, na América se tivesse sido referendada, teria passado? Não sei. E o sufrágio feminino? Não sei. E o casamento inter-racial? Não sei. Todas estas questões são identitárias. Para além de o casamento entre pessoas do mesmo sexo constar de um programa (mais do que um) que foi a votos e que tem maioria parlamentar, quando defendemos que estamos perante um direito contramaoritário, não estamos a falar de minorias matemáticas, como o Professor Bacelar Gouveia contrapunha no prós e contras com exemplos metralhados à velocidade da luz. Estamos a falar de minorias, repito, identitárias, com características que as definem na sua dimensão de pessoa.


Neste último sentido, os direitos fundamentais, enquanto expressão da dignidade da pessoa humana, garantem ao indivíduo um espaço de não intervenção alheia, querendo aqui chamar-se a esse espaço uma moral colectiva maioritária que lhe não permitisse esse acontecimento único que é ser-se, em liberdade, o que se é.    Por isso mesmo, contra direitos fundamentais não valem, sem mais, maiorias, sob pena de se funcionalizarem os primeiros; é por isso, também, que os direitos fundamentais não admitem e devem resistir ao discurso do que diz a maioria sobre o comportamento a ele associado. Mais: é ainda pelo que se vem afirmando que as liberdades e competências, fortemente ligadas à dignidade das pessoas, não têm de esperar pelo consenso social para terem plena efectividade. É nesse sentido que se aponta  para uma vocação contramaioritária dos direitos fundamentais.


Por isso, não é medo do referendo. É respeito pela democracia e verdadeiro horror ao totalitarismo.


Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 12:30


17 comentários

De Criatura da Noite a 23.11.2009 às 17:41

Por acaso, não me importava que João M. Almeida tivesse realmente razão e afirmo isto usando o sentido literal das suas palavras. Desta forma, a agenda seria perfeita para dar umas boas cacetadas na cabeça dos energúmenos que se opõem a um direito básico e fundamental que em nada vem alterar e interferir com a liberdade dos heterossexuais.

De Bruno Santos a 23.11.2009 às 18:06


Isabel,

Tem razão. Eu exagerei quando disse desonestidade intelectual. O que eu queria demonstrar era apenas isto: é razoável argumentar contra o casamento homossexual, entendido não sob o ponto de vista dos "efeitos jurídicos deônticos directos ou indirectos" mas sob o ponto de vista simbólico do conceito, sem qualquer preconceito em relação à homossexualidade ou pontos de partida homofóbicos.

De António Parente a 23.11.2009 às 18:26

Cara Isabel

Pode fazer o favor de me explicar, em linguagem simples, o que é uma "minoria identidária"?

Obrigado.

De PGFV a 23.11.2009 às 23:03

A definição não é minha é do castells, se ler devagarinho percebe.

"entendo por identidade o processo de construção do significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras formas de significado" p.p. 3 in Castels, Manuel (1997).A Era da Informação: Economia , Sociedade e Cultura, VolumeII. O Poder da Identidade.Lisboa.Fundação Calouste Gulbenkian.

Acrescentaria eu ao significado: e  que são estruturantes  no desenvolvimento pleno do índividuo enquanto pessoa.

Ah a definição não é de minoria identitária, olhe ponha-lhe o "minoria" atrás e já agora se abusivamente relacionar "atributo cultural" com "homossexualidade enquanto escolha", só me resta manda-lo ler não só todo o Castells, mas também todos os autores do início do sec passado que pretenderam equacionar o o que era prepoderante, se a cultura se a biologia e olhe que não me parece que tenham chegado a grandes resultados ao longo de 100 anos.

De Jurista a 23.11.2009 às 23:46

Bruno Santos, exagerou? Então faça o favor de se retractar e pedir desculpa à Isabel Moreira. Acusar alguém de desonestidade intelectual é gravíssimo. A somar a isso, o Bruno reconhece que o fez precipitadamente, com exagero, o que tem um nome: leviandade (e não acrescento o "intelectual" porque isso é um berloque de discurso: ou se é honesto ou não se é honesto; ou se é leviano, ou não se é leviano - é uma questão de carácter, não de intelecto).

De Catarina a 24.11.2009 às 10:52

Acho que o que está em jogo (dêem-me uma cacetada se estiver enganada) é a identidade pressuposta. Agora, quando alguém diz que está casado, isso pressupõe, de imediato, a sua heterossexualidade. Quando o casamento for acessível a tod@s (mailto:tod@s), isso deixa de  acontecer. Ou seja, actualmente, hetero são todos até que «confessem» o contrário - ninguém tem que «assumir» a sua heterossexualidade. A partir do momento em que o casamento for para tod@s (mailto:tod@s), os heterossexuais (os que se preocupem  com isso, of course!) terão que anunciar a sua «heterosidade». Acertei?

De Paula R. a 24.11.2009 às 21:23

O cerne da questão está mesmo aqui  "o fim da escravatura, na América se tivesse sido referendada, teria passado?.... e o sufrágio feminino? .... E o casamento inter-racial?" Não, claro que não !!! Por mais politicamente incorrecto que possa parecer, é verdade... É um nonsense pensar-se em conquistas desta natureza por referendo, elas só são conseguidas com "revoluções" impulsionadas por minorias ideológicas, as mentalidades estagnadas a combater... são as da maioria !!!

O discurso politico não pode claro está desenvolver-se nesta base, porque vivemos na era do politicamente correcto, e todos os partidos politicos sem excepção são dele prisioneiros ... 

Para terminar... que se poupem os oponentes ao  CPMS, a utilizar o que acima é dito para atacar a proposta do PS sobre esta matéria, porque seria tão sómente a prova dos nove ao que digo ...

Comentar post


Pág. 2/2



página facebook da pegadatwitter da pegadaemail da pegada



Comentários recentes

  • mariamemenez

    BEM-VINDO: O EMPRÉSTIMO ONLINE ENTRE PESSOAS GRAVE...

  • Endre

    Você quer pedir dinheiro emprestado? se sim, entre...

  • Endre

    Você quer pedir dinheiro emprestado? se sim, entre...

  • Endre

    Você quer pedir dinheiro emprestado? se sim, entre...

  • DAVID

    Saudações da temporada, eu sou David e sou um hack...

  • Welty Jeffrey

    MARTINS HACKERS have special cash HACKED ATM CARDS...

  • sandra

    I wanna say a very big thank you to dr agbadudu fo...

  • DAVID

    Olá senhoras e senhores!O ano está acabando e esta...

  • Maria

    God is great i never thought i could ever get loan...

  • edwin roberto

    I am Edwin Roberto and a construction engineer by ...


Arquivo

  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2013
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2012
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2011
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2010
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2009
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2008
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D

Pesquisar

Pesquisar no Blog