Aquando das últimas eleições americanas, fui para a camita pelas 03:30, com seis fusos horários a mais e a certeza reconfortante de que o Mundo, na manhã seguinte, não estaria em pior estado do que nessa altura; mais de duzentos e cinquenta milhões de americanos foram às urnas, num dia de trabalho (!) e despacharam tudo em poucas horas.
...Ou pelos, assim o dizem as cabeças falantes do costume. Se um país onde existe uma maioria — de moscambilha e é irrelevante — na câmara baixa do parlamento, e vários caminhos para maiorias pontuais na câmara alta, está ingovernável, então, tenho que concluir que Portugal esteve ingovernado (excepto pontualmente) até 1987, e depois, de 1995 até ao início deste século. Mais. Tenho que concluir que os países do norte da Europa, cujos sistemas eleitorais dificultam propositadamente a obtenção de maiorias absolutas, estão ingovernados há longas décadas. Acho que alguém se esqueceu de informar os escandinavos deste facto, mas adiante.
Dum ponto de vista material, as leituras das cabeças falantes caiem pela base. Da mesma forma que um estatístico bem anónimo fez cair as mesmas cabecitas lá do sítio, mais as caixas de ressonância do(s) poder(es) instituídos na outra margem do Atlântico. Se há algo que une aquelas duas personagens improváveis, o Nate Silver e o Zé Grilo, esse algo é totalmente material e dá pelo nome de Internet. Aprendam a viver com ela! Todos temos que aprender, pois veio para ficar. Hoje como no início, é uma experiência prática a respeito de sobrevivência. E é uma experiência bem sucedida, o resto cabe-nos a nós, assim como cabe aos eleitos do M5S italiano. Gosto do pouco que sei a seu respeito.
Dum ponto de vista material, o que o Zé Grilo fez, foi mandar a Televisão à merda. E ganhar. Talvez seja Sol de pouca dura; teria preferido uma ruptura mais convencional (!), na linha da que o Syriza grego pareceu capaz de protagonizar, no Verão passado, mas a realidade material não se preocupa nada como os meus gostos. "Que possas viver em tempos interessantes!" é uma maldição; chinesa e muito antiga. Interessantes, eles são e malditos ainda mais. Nenhum de nós pediu para viver nestes tempos; estivemos ocupados a viver, apenas. Com umas patetices pelo meio, e não há nada de errado nisso. Hoje, estamos a ser agredidos, de forma feroz e niilista; nada de vivo cresce nos ground zero pós-troika; nada de humano consegue com-viver com os mutantes sádicos que nos torturam, apenas o seu nada cresce.
Estes são tempos interessantes. São os Dias da Ira e ressoam como um trovão por toda a Europa. A nós de mantermos os olhos fixos no objectivo.