O Presidente da República, que há um mês quebrou o silêncio para dizer que ia continuar em silêncio, está a contagiar os assessores. Numa síntese da indignação higiénica de Manuela Ferreira Leite e do compairismo disléxico de Marcelo Rebelo de Sousa feita por vá-se lá saber quem, escreveram a Cavaco, para mensagem de Ano Novo, uma lengalenga de faz-que-anda-mas-não-anda no digo-que-não-disse que deus-é-bom-e-o-diabo-também-não-é-mau – e o desafortunado presidente que Deus haja cumpriu o comando. Destreinado de em público usar o falar de estadista que ainda não aprendeu e a que está visto que nunca chegará ou chegaria, o mentor do BPNismo não se afoitou à ambição de lavar a cara – quedou-se por tapar o nariz à sujeira e tentar lavar daí as mãos.
Sem possibilidade de sintetizar mais o rudimentar, ouvimos do inquilino de Belém uma mensagem em dois pontos: Isto está uma lástima quanto a governo e a orçamento e a Nação – por asneiras unicamente internas, porque o liberal-mercadismo europeu é uma alegria – e sacudamos do capote a água que melhor se ajeita nas calendas do cumprimento das polémicas e ecléticas e eventuais decisões do Tribunal Constitucional.
O decreto fúnebre da vida dos portugueses é sinistro, mas não se pode criar uma crise política – eis a ‘perfeita’ simbiose da constatação da evidência com a desculpa esfarrapada para a perpetuar.
Afinal, tudo uma declaração – mais uma – de que pode tirar o cavalinho da chuva quem ainda persista na ilusão de que numa destas manhãs de nevoeiro nos chega por aí um presidente da República. Porque reconhecer que o Governo é uma trágica lástima e dizer que não se põe fim à tragédia para não se tocar na lástima é, apenas e tão somente, ignorar que o nosso sistema democrático-constitucional só prevê e permite e exige que, na gangrena em que o poder político já apodereceu, um único protagonista avance: o Presidente da República.
Não podem lavar-se as mãos na lama de que elas próprias são feitas.
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