A menos que vos esteja a escrever de um outro mundo
tão estranho que a minha miopia não dê para lhe notar as diferenças,
acho que afinal o mundo não acabou hoje
Confinando-me ao território que as fugas às portagens me permitem alcançar (“quem vê o seu povo vê o mundo inteiro”, diz Eduardo Lourenço), garanto que em Portugal o mundo não acabou mesmo, apesar das codiciosas ordens que António Borges tem trazido do Goldman Sachs. O astro-calendário maia terá sido prodigioso ao ponto de adivinhar que Cavaco conseguiria posturar Gaspar em duas-patas-só e ajeitá-lo na pasta das Finanças – mas, talvez aterrorizados com tão abstrusa imagem do inferno, os maias devem ter, assim que deparados com a maldição, ter feito o resto das contas com o ábaco do próprio Vitor e tanto bastou para que a aritmética acabasse no tresloucado resultado que daquela idioteira sai sempre e invariavelmente. Em suma, é tão exato o mundo acabar nesta data como a luso-sociedade Aníbal-Loureiro-Olivcosta ter sacado apenas 4 mil milhões dos patos à beira-mar plantados.
Mas os galfarros do freak-infanto-manicómio instalado ali para os lados do Arco da Rua Augusta, fiéis à ordem de acabarem com tudo o que mexa, não desistiram de substituir o fim do mundo pelo fim de qualquer outra coisa que lhes fosse tão cara como o próprio mundo (o deles, claro). E resolveram, com aquela determinação com que o Coelho vem sempre dizer que descobriu a pólvora três dias antes de reaparecer com o mesmo ar apatetado declarar que somos todos uns atrasados mentais pois está visto que a pólvora nunca existiu – resolveram que por estes dias tinha que acabar qualquer coisa.
E escolheram o emissário, ou melhor, a emissária da trágica notícia. Mandaram a dòtôra da Cruz, a mais loira da ganapagem, com a inteligência, a honestidade e a competência que lhe conhecem. Porque conhecem mesmo – essa é mais uma matéria em que somos todos atrasados mentais, que eles é que sabem. Com a sapiência que espanta pelo menos os advogados, juízes, professores e demais estudiosos do Direito (espanta mesmo, já que quando ela fala de Justiça toda essa classe esbarra em conceitos e ideias que nunca viu nos códigos, na jurisprudência ou na doutrina) veio então a charmosa namorada do Assessor Principal da Ministra da Justiça proferir o revolucionário decreto: Vai acabar a impunidade.
Não sei se foi maior o riso do entrevistador da RTP, se o engasganço dos cinco milhões de futuros pagantes das luvas do Relvas. Mas a dòtôra loira falou e disse.
Vai acabar a impunidade. Podem escrever. É como se já tivesse acabado.
Fui logo à procura dos artigos que a água oxigenada vai limpar do Código Penal. Ansiava ver o finar de impunidade da loira - e desejar paz à sua alma.
Mas num ápice despertei. Ainda não é desta que o Diabo foge da Cruz.
Código Penal
Artigo 308º
Traição à Pátria
Aquele que, por meio de abuso de funções de soberania, entregar a país estrangeiro ou submter à soberania estrangeira todo o território português ou parte dele; ou ofender ou puser em perigo a independência do país
é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.
Artigo 335º
Tráfico de InfluênciaQuem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, para abusar da sua influência junto de qualquer entidade pública,
é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
Autoria e outros dados (tags, etc)