Em qualquer transformação, ocorre sempre um ponto em que nada parece acontecer e em que tudo muda. Os anglo-saxónicos chamam-lhe
"tipping point". A minha tradução fica aquém do sentido original, e por isso fui à procura duma imagem que encerrasse as 998 palavras que me faltam. Estamos, em Portugal e na Europa, a atingir aquele ponto. Estou certo que o emulo de Sísifo que, na imagem, empurra a pedra pela encosta acima, não o consegue antever.
Albert Camus adiantou-se à resposta por uns meros dois anos. Não temos hoje qualquer desculpa para a ignorar e para eleger a revolta como única resposta ao absurdo aparente da condição humana: o ponto de viragem (de inflexão, de min-max, de max-min, etc., etc.) é
o ponto em que tudo de essencial se define. Há quem pense que este foi o livro mais importante do século XX; há quem pense que chegámos ao dia de hoje porque os líderes das duas super-potências foram educados nas suas conclusões. O que ainda ninguém nos ensinou, foi como lidar com
o impulso suicidário das elites de baixa qualidade que, por acidente histórico, estejam no poder quando aqueles pontos se aproximam. Isto apenas faz com que a responsabilidade recaia sobre nós todos, os soberanos. O Povo.
As declarações do Borges que temos, são apenas o episódio mais recente dum facto impensável ainda pelos finais de Agosto: está criado uma unanimidade quase total contra o actual governo. Não nos iludamos, muitos querem apenas que algo mude para que tudo fique na mesma. Entre os adeptos do "refrescar a coligação" e
o "[...]gerar riqueza, para pagar dívidas[...]" (sic), do TóZé Seguro, a única diferença são as caras dos protagonistas. Para os restantes, a vasta maioria, este é o ponto de viragem, que define se algo de essencial muda ou se tudo permanece como está. O tempo do NÃO! está rapidamente a esgotar-se, e pelo seu próprio sucesso. A superação faz-se sempre pela afirmativa. Ou então não se faz. De forma claramente Bórgica, mesmo que indubitavelmente mais polida,
Bernard-Henri Lévy fez o diagnóstico certeiro da situação. O mais importante — prova provada de que os mestres do pensamento servem sempre para alguma coisa — é que Bernard-Henri Lévy traçou o próprio quadro para a superação dialéctica do dilema que enuncia.
O filósofo francês estabelece a
federalização da dívida dos Estados-membros como algo semelhante à Ilha dos Amores, de Camões. A recompensa pelos trabalhos e perigos atravessados; tem razão. Está redondamente enganado. No âmbito da sua própria narrativa, é apenas um Borges letrado. Nunca os Povos da Europa irão aceitar a sua narrativa, sua, da sra. Merkel, de todos os neo-liberais austeritários que o Inferno pariu, ou há-de parir. Continua a ter razão: ou a Europa é capaz de federalizar as dívidas públicas dos seus Estados-membros, ou não tem futuro. Não poderia estar mais errado: esta é uma condição de partida, nunca um ponto de chegada, num futuro mais ou menos vago.
Aquilo que o sr. Lévy não é capaz de fazer, pelo menos não mais do que o nosso inefável e (in)Seguro TóZé, é reconhecer — e dizê-lo — que é impossível pagar a dívida; nem mais nem menos do que
satisfazer o pedido do Grão-Vizir. Toda a dívida, num quadro de reservas fraccionárias e de criação monetária pelo crédito, é impossível de ser paga: cresce sempre, exponencialmente. Até a alemã; especialmente a alemã, com os enormes
Core Tier I ratios dos seus bancos (barbarismo infame que designa o número de vezes que o montante total dos depósitos dos seus clientes é multiplicado, para atingir o total de créditos concedidos, e sobre o qual são cobrados juros).
O ponto de viragem será atingido quando um Povo da Europa conseguir a coragem ingénua da criança que foi capaz de exclamar
"Mamã, o Rei vai nú...", enquanto os (i)(r)responsáveis adultos gabavam as plumagens do manto que não existia. Vejamos as consequências.
Um montante muito apreciável da dívida pública total, dos países da Europa, é detida por credores institucionais. Em boa medida, por outros Estados-membros; Portugal detém parte da dívida grega, como até os gregos detêm parte da dívida irlandesa. É por tudo isto que é incontornável declarar uma
moratória a todo o serviço da dívida; e por maioria de razão, essa moratória irá funcionar para o sr. Bernard-Henri Lévi e para todos os loucos suicidários deste continente como na velha maldição chinesa
"Que todas as tuas preces sejam atendidas": a dívida pública europeia vai ser federalizada, duma forma ou doutra.
Depois, é preciso que estejamos preparados para lidar com aquele impulso auto-destrutivo para o qual Jared Diamond nos avisou; para a repetição das chantagens execráveis a que os gregos foram sujeitos no início do Verão, e ainda mais. Nunca gostei muito do escudo, mas se tiver que ser, que se dane. Não faço ideia que nome é que os catalães vão dar à sua nova moeda.
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