Quando abordamos um qualquer problema difícil, uma forma de começar consiste em verificar o que é que as autoridades nessa área dizem a tal respeito. Ora, o Livro do Génesis diz-nos que Adão foi feito a partir do barro e que Eva foi depois feita a partir duma costela de Adão.
Independentemente do que cada um pensar a este respeito, é claro neste ponto que estamos perante a descrição de processos de criação a partir de matéria pré-existente, ou seja, criação ex materia.
Então e o resto? O mundo, os céus infinitos e as estrelas do firmamento, foram feitos a partir de quê? Neste ponto, e para não descartarmos os benefícios do método adoptado, a única coisa que podemos afirmar é “. . . a fonte citada é omissa”.
O que, por sua vez, levanta imediatamente a questão . . . omissa porquê? Duas respostas razoáveis ocorrem quase imediatamente ao nosso espírito, a mais curta das quais é que, pura e simplesmente, o assunto não nos diz respeito. Não seria difícil imaginar Moisés, no cume do Sinai, fazendo tal pergunta, apenas para obter aquela resposta. Igualmente razoável, é que o espírito humano seja demasiado limitado para abarcar um tal assunto. Em ambos os casos, Moisés pegaria nas Tábuas da Lei e iria à sua vida.
Acontece que todas as religiões reveladas têm dogmas implícitos, mais importantes do que os explícitos, um deles sendo que a Revelação é completa. Completa, como, de forma mais literal ou de forma mais simbólica, é assunto que pode ser discutido ad aeternum. A completude da revelação não, pois levantaria imediatamente a dúvida sobre o que mais não teria sido revelado, o que imediatamente colocaria em causa o poder dos assistentes profissionais ou adventícios das diversas divindades, logo, aquela primeira resposta é completamente inaceitável.
Outro desses dogmas implícitos é o da inteligibilidade: a revelação é inteligível; de forma mais simbólica, ou de forma mais literal, de novo, pode sempre ser discutido. A inteligibilidade não, porque isso transformaria imediatamente a revelação em terapia ocupacional para atrasados mentais, inutilizando aquele poder profissional, já anteriormente referido.
Foi por tudo isto que os teológos chegaram a um consenso absolutamente inusitado (embora só ao fim de discussões furiosas, claro): o resto, o mundo, os céus infinitos e as estrelas do firmamento foram criados ex nihilo. Literalmente, a partir do nada. Mas se o consenso é inusitado, não é menos curioso que tal concordância tenha sido decidida ser de ocultar do comum dos mortais. No fim de contas, que ser humano, em seu perfeito juízo, iria aceitar que algo possa ser criado a partir de rigorosamente nada?
O facto simples, é que o senso comum está errado. Tudo o que é realmente importante no Universo, é criado ex nihilo. Como é criado o conhecimento? Resposta: a partir de informação. Mas estamos apenas a alongar o problema: como é criada a informação? Resposta: a partir de comunicação, e voltámos rigorosamente ao ponto de partida. Como é criado o dinheiro? Vamos quebrar o círculo vicioso: Como é criada a entropia? Resposta: ex nilhilo, é o resultado da própria textura do Universo e temos que concluir que este é um Universo interessante.
A resposta à pergunta “o que é o dinheiro e como é criado?” é que se trata apenas de entropia. E esta resposta mais não é do que trivial, interessante apenas para tentar responder à pergunta O que é a inflação? Lá iremos, a seu tempo. Para já, o facto simples é que estes assuntos nos colocam perante uma escolha essencial, escolha essa que ninguém irá fazer por nós e que nós fazemos, mesmo se ou quando escolhemos não escolher. P.W. Atkins, tal como citado em [12, Leff, 1999], chamou- lhe “Severidade e Flacidez”:
Tal é a severidade do critério que a ciência estabelece para si própria. Se formos honestos, temos que aceitar que a ciência só poderá reclamar sucesso completo, se conseguir aquilo que muitos considerarão impossível: explicar e emergência de tudo a partir de absolutamente nada. Não “quase-nada”, nem sequer de uma poeira sub-atómica, mas absolutamente nada. Nada de nada. Nem sequer espaço vazio.
Veja-se como isto difere da suave flacidez do argumento não-científico, o qual normalmente não possui qualquer critério externo de sucesso, para além do aplauso popular ou a resignação da aceitação não-pensante. Um argumento tipicamente adiposo, no seu arqui-antireducionismo, poderá ser que o mundo e as suas criaturas foram criadas por algo chamado Deus e que isso é tudo o que há para dizer. Veja-se que a afirmação pode ser verdadeira e não tenho como provar que não é. Contudo, não passa de uma paráfrase da afirmação ‘o universo existe’. Para além disto, se lermos naquela explicação um papel activo para o tal Deus, então é uma explicação excepcionalmente complexa, embora pareça simples, pois implica que tudo ou quase tudo (mesmo que o Deus não tenha fornecido mais do que electrões e quarks), teve que ser produzido inicialmente.
Por isso, caro leitor, faça a sua escolha: severidade ou flacidez?
O governo, pela boca dos dirigentes dos dois partidos, acompanhado pelo coro formado por quase toda a comunicação social, insiste que não é mais possível negar que as coisas estão a correr pelo melhor e que a partir de agora é injusto não falar do sucesso do "ajustamento" levado a cabo pelo governo PSD/CDS.
Não se pode negar, com efeito:
-Que os juros da dívida pública têm vindo a descer em paralelo com os juros da dívida de outros países intervencionados (Irlanda Grécia e Espanha designadamente) ainda que não por acção do governo português cujo poder, presumo, não chegará tão longe, mas devido à actuação do BCE, como tem sido sublinhado por entidades independentes;
-Que nos últimos trimestres, a economia portuguesa tem crescido, embora tenuamente, através da recuperação do consumo, não porque essa fosse a vontade e a política do governo, mas sim porque a política de cortes do governo foi travada pela decisão do Tribunal Constitucional permitindo, assim, um inesperado desafogo às famílias que estas converteram, em parte, em consumo;
-Que o desemprego tem descido algumas décimas nos últimos meses embora se desconheça a qualidade dos novos empregos entretanto criados e não se ignore o efeito pernicioso do surto de emigração dos melhores quadros entretanto ocorrido e estimulado por entidades governamentais.
Mas, se não se podem negar estes sinais que têm tanto de bons, como de ténues, como de equívocos, também não se pode negar:
-Que o desemprego continua em nível elevadíssimo e, para surpresa da troika, muito mais elevado do que o estimado aquando da celebração do memorando de entendimento;
-Que, apesar da economia estar, presumivelmente, a crescer nos últimos trimestres, o crescimento, no ano de 2013, no seu conjunto, ainda foi negativo, somando a economia portuguesa, ao fim de três anos sob esta governação, um decréscimo à volta dos 6 ou 7%, o que faz com que o PIB do país, graças à pandilha que tomou conta do "pote", se encontre actualmente ao nível de há 10 anos atrás;
- Que a meta do défice das contas públicas, desde que este governo entrou em funções, nunca foi alcançada, pese embora o facto de a troika, após cada avaliação, ter permitido que o défice fosse frequentemente revisto e aumentado, perante os sucessivos fracassos do governo, não obstante este ter recorrido sistematicamente ao expediente das receitas extraordinárias.
Aparentemente, a excepção terá sido o défice referente a 2013, visto que tem vindo a ser apregoado que, desta vez, o défice vai ficar abaixo ou em linha com os 5,5% previstos, depois de mais uma revisão em alta (de 4,5% para 5,5%). Admitindo-se que assim possa vir a ser, continua a não se poder negar que não estamos perante nenhum êxito, quando se sabe que a meta só foi atingida através dum vergonhoso perdão fiscal que é, simultaneamente, um insulto a todo e qualquer contribuinte cumpridor.
Lembrando que um tal défice é, mesmo assim, muito superior ao inicialmente previsto no memorando (3%), e recordando que o rácio da dívida pública era para, entretanto, baixar, que não para crescer, como se tem verificado, não há como negar que os proclamados êxitos deste governo não passam de rotundos fracassos.
Falar de sucesso, quando o que está à vista é o retrocesso, em particular no que respeita à ciência, à investigação, à inovação, à cultura, à riqueza produzida e à crescente desigualdade na sua distribuição, é algo que só está ao alcance de uns quantos desonestos intelectualmente.
Infelizmente, de um tal número não é possível excluir nem o governo, nem a presidência da República, nem a maioria parlamentar, nem os escribas, vendidos ou comprados. Todos, por uma razão ou outra, estão ao serviço da propaganda governamental. Razões que, seguramente, não são boas. Espero que não estejam à espera de absolvição.
Gostaria de convidar os leitores a deterem-se nas poucas páginas deste capítulo. Em toda a minha vida, é a primeira vez que encontro uma formulação matematicamente correcta daquela ideia a que, há milhares de anos, se calhar desde sempre, chamamos liberdade. A configuração dos "três produtores" é a mais simples que permite a sua existência; liberdade económica, mas feita esta precisão, não necessitamos de a repetir. Consideremos a configuração imediatamente anterior (com cardinalidade imediatamente inferior): é a proverbial condição de Robinson Crusoe e do Sexta-Feira, sozinhos na sua ilha isolada. Atente-se que é completamente irrelevante que vivam numa condição de igualdade absoluta ou que um escravize o outro. Para que qualquer troca económica possa ser levada a cabo, quer seja o acto de pescar, a recolha de frutos ou de água potável, ou a confecção das refeições, têm que estar sempre de acordo e de acordo quanto ao papel que cada um desempenha nessa troca mútua. É igualmente irrelevante que ambos existam num estado de satisfação psicológica com a sua própria condição. Nenhum deles tem realmente, de facto, qualquer alternativa (para além da míngua e do desespero, claro). A condição circular dos "três produtores" pode na realidade englobar todos os cidadãos da mesma zona económica (por conveniência de exposição, deixemos para já de lado os círculos que se fecham pela importação ou exportação, através de duas ou mais zonas económicas), mas esse facto não lhe adiciona qualquer complexidade extra. Esta complexidade ocorre «no tempo», com a substituição de gerações. É neste aspecto que a pergunta de Thomas Paine se torna essencial. Recordemo-la, pois:
Aqueles que já deixaram este mundo e aqueles que ainda não existem, estão à maior distância uns dos outros que a imaginação humana pode conceber: que possibilidade de obrigação poderá existir entre eles?
Que regra ou que princípio pode ser formulado para que de dois seres imaginários, sendo que um deixou de existir e o outro ainda não existe, e que nunca poderão encontrar-se neste mundo, um possa dominar o outro até à consumação dos séculos?
«Os Direitos do Homem» 1791 Thomas Paine (1737–1809)
Uma vez que uma qualquer comunidade tenha sido capaz de estabelecer a necessidade de uma moeda comum, apesar dos seus desacordos fundamentais quanto àquilo a que os seus membros atribuem valor ou não, fica por resolver um problema fundamental para a definição dessa moeda. Reduz-se à resolução do problema espácio-temporal dos três produtores que se enuncia da seguinte forma:
X, Y , e Z, produzem respectivamente os valores Vx, Vy e Vz. X pretende obter Vy, Y pretende obter Vz, e Z pretende obter Vx.
Constatamos de imediato que as trocas não podem ser feitas bilateralmente, mas apenas de forma circular. Como, aliás, é perfeitamente possível que X não atribua qualquer valor a Vz, Y a Vx, e Z a Vy (princípio de relatividade), nenhum dos bens ou serviços produzidos pode servir como medida comum. Este é o ponto fundamental, que implica que a moeda tenha que ser definida numa base independente dos valores produzidos por cada um deles.
O problema existe também no domínio do tempo, no qual os indivíduos, os seus produtos e as suas necessidades evoluirão ou mudarão de natureza, e serão progressivamente levados a desaparecer ou a serem substituídos por outros. Continua a ser indispensável manter, em todas as circunstâncias, a possibilidade de trocar de forma conveniente, a produção duns e doutros, a fim de satisfazer as suas necessidades, elas próprias em evolução.
Portanto, «ao longo do espaço» (para um tempo de evolução curto « dt»), os valores não são reconhecidos ou aceites pelos seus produtores de forma bilateral, e impõem a necessidade de trocas circulares, mas igualmente, «ao longo do tempo», os indivíduos e os valores que eles produzem alteram-se por completo.*
Verifica-se que, para um período de tempo suficientemente curto, podemos constatar uma certa estabilidade. Existe, contudo, uma evolução contínua dos parâmetros económicos, logo da moeda que pretendemos definir, o que permite aos produtores, presentes em cada instante e pelo menos durante esse período de tempo curto, estarem de acordo a respeito do seu instrumento de troca circular.
Igualmente, e como iremos demonstrar de seguida, por forma a sermos coerentes com os fundamentos propostos, apenas uma quantificação puramente matemática das trocas, independente de todo e qualquer bem ou serviço de referência, é aceitável para os actores do problema dos três produtores.
Este resultado não diminui em nada o valor da moeda, pois, embora de natureza puramente matemática, a sua quantidade total continua limitada em cada instante. O poder de compra que representa, continua assim limitado pelo preço para além do qual os produtores não poderiam trocar os seus produtos, por falta de dinheiro em circulação.
Uma vez o problema formulado, iremos agora analisar as soluções convencionais e os problemas que essas soluções geram, antes de abordarmos a solução relativista propriamente dita.
*Recordemos que espaço designa o conjunto dos cidadãos duma zona económica, activos durante o respectivo período de vida, e tempo designa a sucessão das gerações.
onde entre o mar e a guerra vivia o mais infeliz dos povos à beira-terra. Onde entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo se debruçava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza.
Era uma vez um país onde o pão era contado onde quem tinha a raiz tinha o fruto arrecadado onde quem tinha o dinheiro tinha o operário algemado onde suava o ceifeiro que dormia com o gado onde tossia o mineiro em Aljustrel ajustado onde morria primeiro quem nascia desgraçado.
Era uma vez um país de tal maneira explorado pelos consórcios fabris pelo mando acumulado pelas ideias nazis pelo dinheiro estragado pelo dobrar da cerviz pelo trabalho amarrado que até hoje já se diz que nos tempos do passado se chamava esse país Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras vivia um povo tão pobre que partia para a guerra para encher quem estava podre de comer a sua terra.
Um povo que era levado para Angola nos porões um povo que era tratado como a arma dos patrões um povo que era obrigado a matar por suas mãos sem saber que um bom soldado nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém que dentro de um povo escravo alguém que lhe queria bem um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança feita de força e vontade era ainda uma criança mas já era a liberdade.
Era já uma promessa era a força da razão do coração à cabeça da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado a defender um irmão esses que tinham passado o horror da solidão esses que tinham jurado sobre uma côdea de pão ver o povo libertado do terror da opressão.
Não tinham armas é certo mas tinham toda a razão quando um homem morre perto tem de haver distanciação
Uma pistola guardada nas dobras da sua opção uma bala disparada contra a sua própria mão e uma força perseguida que na escolha do mais forte faz com que a força da vida seja maior do que a morte.
Quem o fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo começou a floração do capitão ao soldado do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado percebeu qual a razão porque o povo despojado lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado em sua própria grandeza era soldado forçado contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado e no seu próprio país muitas vezes estrangulado pelos generais senis.
Capitão que não comanda não pode ficar calado é o povo que lhe manda ser capitão revoltado é o povo que lhe diz que não ceda e não hesite – pode nascer um país do ventre duma chaimite.
Porque a força bem empregue contra a posição contrária nunca oprime nem persegue – é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu as portas da claridade e a nossa gente invadiu a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra na madrugada serena um poeta que cantava o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras desceram homens sem medo marujos soldados «páras» que não queriam o degredo dum povo que se separa.
E chegaram à cidade onde os monstros se acoitavam era a hora da verdade para as hienas que mandavam a hora da claridade para os sóis que despontavam e a hora da vontade para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas encontros esquinas e praças não se pouparam as feras arrancaram-se as mordaças e o povo saiu à rua com sete pedras na mão e uma pedra de lua no lugar do coração.
Dizia soldado amigo meu camarada e irmão este povo está contigo nascemos do mesmo chão trazemos a mesma chama temos a mesma ração dormimos na mesma cama comendo do mesmo pão. Camarada e meu amigo soldadinho ou capitão este povo está contigo a malta dá-te razão.
Foi esta força sem tiros de antes quebrar que torcer esta ausência de suspiros esta fúria de viver este mar de vozes livres sempre a crescer a crescer que das espingardas fez livros para aprendermos a ler que dos canhões fez enxadas para lavrarmos a terra e das balas disparadas apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril de antes quebrar que torcer que em vinte e cinco de Abril fez Portugal renascer.
E em Lisboa capital dos novos mestres de Aviz o povo de Portugal deu o poder a quem quis.
Mesmo que tenha passado às vezes por mãos estranhas o poder que ali foi dado saiu das nossas entranhas. Saiu das vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras onde um povo se curvava como um vime de tristeza sobre um rio onde mirava a sua própria pobreza.
E se esse poder um dia o quiser roubar alguém não fica na burguesia volta à barriga da mãe. Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu.
Essas portas que em Caxias se escancararam de vez essas janelas vazias que se encheram outra vez e essas celas tão frias tão cheias de sordidez que espreitavam como espias todo o povo português. Agora que já floriu a esperança na nossa terra as portas que Abril abriu nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho levantado como um punho em Maio surgiu vermelho o cravo do mês de Junho.
Quando o povo desfilou nas ruas em procissão de novo se processou a própria revolução.
Mas eram olhos as balas abraços punhais e lanças enamoradas as alas dos soldados e crianças.
E o grito que foi ouvido tantas vezes repetido dizia que o povo unido jamais seria vencido.
Contra tudo o que era velho levantado como um punho em Maio surgiu vermelho o cravo do mês de Junho.
E então operários mineiros pescadores e ganhões marçanos e carpinteiros empregados dos balcões mulheres a dias pedreiros reformados sem pensões dactilógrafos carteiros e outras muitas profissões souberam que o seu dinheiro era presa dos patrões.
A seu lado também estavam jornalistas que escreviam actores que se desdobravam cientistas que aprendiam poetas que estrebuchavam cantores que não se vendiam mas enquanto estes lutavam é certo que não sentiam a fome com que apertavam os cintos dos que os ouviam.
Porém cantar é ternura escrever constrói liberdade e não há coisa mais pura do que dizer a verdade.
E uns e outros irmanados na mesma luta de ideais ambos sectores explorados ficaram partes iguais.
Entanto não descansavam entre pragas e perjúrios agulhas que se espetavam silêncios boatos murmúrios risinhos que se calavam palácios contra tugúrios fortunas que levantavam promessas de maus augúrios os que em vida se enterravam por serem falsos e espúrios maiorais da minoria que diziam silenciosa e que em silêncio fazia a coisa mais horrorosa: minar como um sinapismo e com ordenados régios o alvor do socialismo e o fim dos privilégios.
Foi então se bem vos lembro que sucedeu a vindima quando pisámos Setembro a verdade veio acima.
E foi um mosto tão forte que sabia tanto a Abril que nem o medo da morte nos fez voltar ao redil.
Ali ficámos de pé juntos soldados e povo para mostrarmos como é que se faz um país novo.
Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça odeia a quem desgraçou.
Foi a força do Outono mais forte que a Primavera que trouxe os homens sem dono de que o povo estava à espera.
Foi a força dos mineiros pescadores e ganhões operários e carpinteiros empregados dos balcões mulheres a dias pedreiros reformados sem pensões dactilógrafos carteiros e outras muitas profissões que deu o poder cimeiro a quem não queria patrões.
Desde esse dia em que todos nós repartimos o pão é que acabaram os bodos — cumpriu-se a revolução.
Porém em quintas vivendas palácios e palacetes os generais com prebendas caciques e cacetetes os que montavam cavalos para caçarem veados os que davam dois estalos na cara dos empregados os que tinham bons amigos no consórcio dos sabões e coçavam os umbigos como quem coça os galões os generais subalternos que aceitavam os patrões os generais inimigos os generais garanhões teciam teias de aranha e eram mais camaleões que a lombriga que se amanha com os próprios cagalhões. Com generais desta apanha já não há revoluções.
Por isso o onze de Março foi um baile de Tartufos uma alternância de terços entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar com o sangue de um soldado o preço de já não estar Portugal suicidado.
Fugiram como cobardes e para terras de Espanha os que faziam alardes dos combates em campanha.
E aqui ficaram de pé capitães de pedra e cal os homens que na Guiné aprenderam Portugal.
Os tais homens que sentiram que um animal racional opõe àqueles que o firam consciência nacional.
Os tais homens que souberam fazer a revolução porque na guerra entenderam o que era a libertação.
Os que viram claramente e com os cinco sentidos morrer tanta tanta gente que todos ficaram vivos.
Os tais homens feitos de aço temperado com a tristeza que envolveram num abraço toda a história portuguesa.
Essa história tão bonita e depois tão maltratada por quem herdou a desdita da história colonizada.
Dai ao povo o que é do povo pois o mar não tem patrões. – Não havia estado novo nos poemas de Camões!
Havia sim a lonjura e uma vela desfraldada para levar a ternura à distância imaginada.
Foi este lado da história que os capitães descobriram que ficará na memória das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram o nosso abraço profundo aos povos que agora deram novos países ao mundo.
Por saberem como é ficaram de pedra e cal capitães que na Guiné descobriram Portugal.
E em sua pátria fizeram o que deviam fazer: ao seu povo devolveram o que o povo tinha a haver: Bancos seguros petróleos que ficarão a render ao invés dos monopólios para o trabalho crescer. Guindastes portos navios e outras coisas para erguer antenas centrais e fios dum país que vai nascer.
Mesmo que seja com frio é preciso é aquecer pensar que somos um rio que vai dar onde quiser
pensar que somos um mar que nunca mais tem fronteiras e havemos de navegar de muitíssimas maneiras.
No Minho com pés de linho no Alentejo com pão no Ribatejo com vinho na Beira com requeijão e trocando agora as voltas ao vira da produção no Alentejo bolotas no Algarve maçapão vindimas no Alto Douro tomates em Azeitão azeite da cor do ouro que é verde ao pé do Fundão e fica amarelo puro nos campos do Baleizão. Quando a terra for do povo o povo deita-lhe a mão!
É isto a reforma agrária em sua própria expressão: a maneira mais primária de que nós temos um quinhão da semente proletária da nossa revolução.
Quem a fez era soldado homem novo capitão mas também tinha a seu lado muitos homens na prisão.
De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse um menino que sorriu uma porta que se abrisse um fruto que se expandiu um pão que se repartisse um capitão que seguiu o que a história lhe predisse e entre vinhas sobredos vales socalcos searas serras atalhos veredas lezírias e praias claras um povo que levantava sobre um rio de pobreza a bandeira em que ondulava a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu ainda pouco se disse e só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães viessem ferrar o dente na carne dos capitães que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós povo soberano e total que ao mesmo tempo é a voz e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas agiotas do lazer latifundiários machistas balofos verbos de encher e outras coisas em istas que não cabe dizer aqui que aos capitães progressistas o povo deu o poder! E se esse poder um dia o quiser roubar alguém não fica na burguesia volta à barriga da mãe! Volta à barriga da terra que em boa hora o pariu agora ninguém mais cerra as portas que Abril abriu!
Não se pode estudar seriamente a economia, sem fazer apelo a um referencial e a uma medida de referência das trocas, da mesma forma que em qualquer ciência, o referencial considerado e as unidades de medida adoptadas devem ser definidas antes de iniciar o estudo.
Tal como um referencial e as unidades de tempo e distância são necessárias à formulação das leis físicas, nenhum estudo pode ser levado a cabo sem que sejam previamente definidos o quadro de referência da economia e a unidade de medida que lhe está associada.
Referencial : a zona monetária
Uma zona económica ou zona monetária constitui o referencial de base do estudo económico. O que é que a caracteriza?
O espaço no qual o acordo monetário se manifesta.
O tempo, ou seja, a esperança de vida média dos indivíduos que aí vivem e aí morrem.
A produção individual ou colectiva(empresarial) de bens e serviços.
A troca de bens e de serviços entre indivíduos ou grupos de indivíduos.
Os indivíduos ou grupos de indivíduos são inevitavelmente levados a efectuar trocas, que mais não fosse, de informação, de educação, ou em termos ainda mais gerais, de vínculos inter-pessoais. Assim, aquilo que caracteriza a zona económica é o conjunto dos indivíduos que a compõem. A economia existe em todos os lugares e sempre que os indivíduos produzam e troquem bens e serviços. Por contraposição, não é possível definir uma zona económica desprovida de indivíduos. É assim o indivíduo que constitui o único valor comum e fundamental de todos os referencias económicos válidos.
Mas para irmos além destas considerações, temos que notar que este conjunto de indivíduos evolui no tempo, com nascimentos e mortes, emigração e imigração. A zona económica pode assim ser representada como um espaço-tempo discreto em constante criação / destruição, em que cada ponto temporal representa um indivíduo com uma duração de vida limitada. Trata-se assim duma trama espacio-temporal em transformação contínua, não estática, discreta, onde cada ponto do espaço-tempo é criado numa data precisa (nascimento dum indivíduo) e com uma duração de vida limitada, a qual, em média, corresponde à esperança de vida, que denotaremos por «ev» da zona económica considerada.
Além disso, e é a definição fundamental da Relatividade na economia, todos os indivíduos têm uma visão pessoal e única do valor de todas as coisas e nenhum dos indivíduos ou grupos de indivíduos duma qualquer zona económica, tem como impor aos outros uma visão particular do que tem valor e do que não tem.*
Zona económica pseudo-isolada
Uma zona económica é dita ser pseudo-isolada quando, para um certo período de tempo, pode ser assumido que vive de forma autónoma ou quase autónoma em relação ao exterior. Este pode ser o caso das economias de algumas ilhas ainda autónomas, em que a subsistência dos indivíduos é assegurada por uma produção alimentar suficiente (o que é bastante relativo, mas podemos também estudar o caso de certos ascetas), mas também o caso dum grupo topológicamente complexo de indivíduos, repartidos por um espaço não conectado, transnacional, eventualmente transcontinental. A partir do momento em que este grupo exiba autonomia, podemos considerá-lo como uma zona económica pseudo-isolada, capaz de auto-gerir o seu fluxo de produção e de trocas, pelo menos durante um pequeno período de tempo.
Medida de valor: as trocas monetizadas
Quando ocorre troca de bens e ou serviços, falamos de trocas de valor. X troca com Y um valor Vx = Vy = PxCx = PyCy, em que «Px» representa o preço na unidade de medida comum (designada por moeda comum) da produção de X, "Cx".
Now I am become Debt The destructor of worlds Bhagavad Gita — Paráfrase da citação de J. Robert Oppenheimer
Este é um livro publicado ao abrigo de uma licença de código Aberto, GNU V3 (cf. 19). À partida parece uma ideia absurda (“. . . código aberto tem a ver com software de computadores. . . ”) e foi assim que a encarei inicialmente.
Acontece que são as ideias absurdas, uma vez levadas à prática, que criam novas realidades. Foi isso que o Stéphane Laborde fez e a afirmação anterior dispensa qualquer demonstração: doutra forma, eu não estaria a escrever estas linhas. De qualquer forma, esta é uma experiência nova para mim e no sentido de orientar o leitor, adoptei como método, restringir as minhas contribuições a este capítulo e à Nota Final, bem como às notas de pé-de-página e finais, visto que o autor original não faz uso das mesmas.
Esta nota prévia tem dois propósitos. O primeiro é o de detalhar o conceito de agregados monetários, assunto que é apresentado de forma algo violenta, logo nas primeiras páginas. O Banco Central Europeu define os agregados M1, M2 e M3, tal como consta da tabela seguinte...(ver Agregados Monetários BCE).
O segundo propósito é o de esclarecer o tema central de todo o livro, isto é, o conceito de valor. Ora, assuntos como este, são propensos a criar uma grande confusão. No fim de contas, a confusão centra-se numa única palavra: lei.
É que existem dois tipos de leis. O primeiro diz respeito às regularidades que podemos observar – ou deduzir – à nossa volta (incluindo em nós próprios). Não dependem da nossa opinião, nem sequer do nosso conhecimento a seu respeito, pois não é pelo facto de alguém desconhecer, e.g., as leis do movimento de Newton, ou as leis do electromagnetismo de Maxwell, que está menos sujeito a elas.
O segundo tipo de leis diz respeito ao conjunto de normativas, formais ou informais (hábitos, tabus sociais) que regulam o funcionamento das nossas sociedades. A diferença essencial, é que as leis do primeiro tipo não dependem de nós, enquanto que as do segundo tipo só dependem de nós.
Karl Popper, [17, capítulo 5 e notas], chamou a esta distinção, a transição dum estado de monismo mágico – característico das sociedades fechadas ou tribais, em que as leis naturais são confundidas com as normativas sociais – para um estado de dualismo ou convencionalismo crítico.
Ao contrário das “leis naturais”, as normativas formais e informais, são apenas decisões, e nenhuma decisão pode ser deduzida a partir de um qualquer facto, ou conjunto de factos. Popper acabou por adoptar a formulação dualista de proposições e propostas. As primeiras podem ser afirmadas (ou declaradas); podem ser verdadeiras ou falsas, e só os terminalmente tolos as confundirão com o facto da sua declaração. As propostas são adoptáveis e, como resultado duma decisão individual ou colectiva, podem ser adoptadas; de novo, o facto da sua adopção não pode ser confundido com o facto que a proposta é. Concluindo: “. . . as propostas não são redutíveis a factos . . . embora lhes digam respeito”.
Esta distinção é essencial. Confronta-nos com a nossa própria liberdade, mas também com a nossa responsabilidade. Hoje em dia, neste continente mais uma vez mártir, e, por maioria de razão nos países como o meu, que se encontram na linha da frente da mais recente ofensiva contra a liberdade, os adoradores de Shiva dizem-nos que não existem alternativas àquilo que apenas são as suas próprias propostas*. Esquecem que, em última análise, existe sempre pelo menos mais uma: a alternativa de Oppenheimer. Pela sua insistência no que, por vezes, parece genuinamente ser apenas a ausência da faculdade de pensamento competente, o tribalismo mágico dos dívidocratas está apenas a tornar a violência mais provável.
Penso que é muito difícil elaborar uma ideia mais antropomórfica do que a contida na palavra “valor”. Mas também será difícil encontrar alguma outra ideia que, com tanta frequência, tenha sido sujeita a distorções monistas. Iremos apenas – e de forma muito breve – analisar duas, que designarei por “naturalismo mágico” e “positivismo totalitário”.
A “teoria do valor” de Marx (ou talvez, pelo testemunho de Engels, de David Ricardo), afirma o carácter objectivo do valor, definido como o número de horas de trabalho, socialmente necessárias, para produzir uma unidade de um qualquer bem ou serviço. O núcleo da afirmação, de que apenas a actividade humana gera valor é verdadeiro. Trivial e banalmente verdadeiro, pelo seu carácter antropocêntrico. Acontece apenas que Marx (e os outros naturalistas) esqueceram que trabalho é, em última análise trabalho físico e que este tem dimensões de energia. Logo, o “valor de troca” de Marx teria as dimensões [W] = ML2T-1, em vez das habituais [W] = ML2T-2. †
Pode-se objectar à minha crítica, afirmando que o assunto não tem a dignidade suficiente para uma análise detalhada. Veja-se que, se aceitássemos aquela noção de “valor de troca”, teríamos que concluir que, sendo o trabalho socialmente necessário para produzir uma tonelada de ouro de lei e uma tonelada de ouro dos tolos igual, então o seu valor seria igual. Creio que foi A.J. Toynbee quem afirmou que “. . . a liberdade foi muitas vezes vítima de ataques directos, mas com mais frequência ainda, vítima de falsas ideias”. E de falsos profetas, acrescentaria eu.
A postura dos positivistas (em boa medida, a posição hoje dominante) é ainda mais brutal, pois sendo que só os factos têm significado, apenas a situação real tem significado, sendo todas as alternativas meras “construções verbais”. Creio ser óbvio que se trata apenas da defesa, pretensamente erudita, do status quo, nada mais necessitando ser dito.
A Teoria Relativista do Dinheiro afirma a condição do indivíduo como único decisor válido do valor. Pelo que atrás ficou dito, penso ser claro que podemos defender esta afirmação como quisermos, mas em última análise nunca a poderemos deduzir de um qualquer conjunto de factos ou proposições, temos que a propor. E pugnar pela sua adopção:‡
Princípio do Valor 0.1 O indivíduo é o único decisor válido do valor e a sua liberdade só pode ser restringida na medida em que conflitue com a liberdade de outros indivíduos, incluindo os que ainda não nasceram.
É razoável pensar que a paráfrase inicial é excessiva, no fim de contas, Oppenheimer estava a falar da arma atómica, a arma final. A História, aqui no sentido preciso de “história registada”, mostra-nos que, pelo contrário, talvez a citação original fosse exagerada. No fim de contas, podemos afirmar com uma certeza razoável que a ameaça nuclear é controlável. A destruição pela dívida não. Isto porque a criação monetária por privados, implica sempre uma dívida: o dinheiro tem que ser «. . . borrowed into existence . . . ».§
O resultado são os ciclos periódicos de “abundância de dinheiro barato”, seguidos de ciclos de destruição (!) monetária, sempre acompanhados pela devastação do tecido económico e social. Pelo sofrimento. Foi por isso, [6, por exemplo], que todas as sociedades e todas as religiões do Levante instituíram jubileus periódicos da dívida; um novo começo, uma nova oportunidade, como uma tela em branco. No presente, a única dúvida é até quando iremos tolerar a repetição ad nauseam das transfigurações de Shiva. Porque, metáfora à parte, dependem apenas de nós.
“Assim, resta-nos enfrentar lucidamente a questão, por muito difícil que nos pareça. Se sonharmos com um regresso à infância, se nos deixarmos cair na tentação de delegar nos outros aquilo que nos compete para encontrar a felicidade, se nos furtarmos à incumbência de carregar a cruz que nos pertence, a cruz da humanidade, se nos falhar a coragem e abandonarmos a luta, então teremos que tentar fortalecer-nos na compreensão clara e simples da decisão tomada: o regresso à bestialidade. Pois o caminho da humanidade é só um, o da sociedade aberta, e implica um salto no desconhecido, na incerteza, na insegurança, implica recorrer à razão como meio de planear, o melhor que soubermos, a nossa segurança e a nossa liberdade.”[17, Popper, op. cit.].
*TINA – There Is No Alternative. †A forma mais rápida de abordar este assunto, consiste em recordar a equação da relatividade restrita de Einstein: E = mc2. Ou seja, estamos a afirmar que energia (logo, também trabalho) é massa, a multiplicar duas vezes por distância e a dividir duas vezes pelo tempo, ou em notação dimensional, [W] = [E] = ML2T-2. O “tempo em falta” na definição de Marx é apenas o exemplo recorrente de como a análise dimensional é uma ferramenta excelente para detectar asneiras toscas. Atente-se que Marx foi contemporâneo de James Clerk Maxwell que formulou a teoria nas sua forma (quase) moderna, pelo que é admissível que não tivesse conhecimento destes resultados. Mas o assunto torna-se ainda pior, se recordarmos que Marx afirmou existir “um outro valor”, a que chamou “. . . de uso” e que o resultado final (o valor final) seria a soma dos dois termos. Marx tinha a obrigação de conhecer aquilo que, de forma algo grandiloquente, Newton designou por Grande Princípio da Similitude: podemos multiplicar ou dividir o que quisermos, depois, extrair sentido do resultado é problema nosso (aquele “trabalho” com um factor de tempo em falta poderia ser qualquer coisa, trabalho é que não). No entanto, só podemos somar ou subtrair o que for comensurável (ou literalmente, como Newton o escreveu, ‘co-mensurável’). Este não é um assunto de correcção formal. Atente-se num exemplo prático: quando dizemos que a quantidade A tem dimensões de distância, [A] = L, estamos a afirmar que se o sistema de unidades em que A é enunciado for alterado por um factor n, o valor numérico de A será afectado por um factor n-1. Se a definição de metro do Sistema Internacional fosse aumentada por um factor de 2, o valor numérico da distância A seria reduzido por um factor de 1/2; se inicialmente A fosse igual a 8 metros, depois daquela re-definição, seria igual a 4 (novos) metros. Se tivéssemos somado a A a quantidade de 5 Kg, o resultado não faria qualquer sentido. ‡Esta formulação não pretende substituir a estrutura axiomática proposta em 6. Pelo contrário, decorre da discussão anterior e pretende libertar aquela estrutura de qualquer necessidade de justificação. A matemática foi, muito provavelmente, a primeira área do conhecimento a realizar plenamente aquela transição para o convencionalismo crítico, mas apenas como resultado daquilo a que B.B. Mandelbrot chamou [12, “. . . a grande crise da matemática. . . ”]. Poucos terão dado por tal crise, para além dos próprios matemáticos, mas aquilo que hoje se designa por Axiomática de Hilbert (estrutura) terá ficado razoavelmente completa apenas pelo fim do primeiro quartel do século vinte. Pode ser resumida dizendo que resulta da constatação de que, em algum ponto, a regressão infinita de conceitos e definições (“o problema do ovo e da galinha”) tem que ser interrompida, aceitando um pequeno conjunto de primitivas lógicas, ou axiomas, a partir das quais tudo o resto é deduzido. Mas a axiomática de Hilbert produz também uma estrutura hierárquica, em árvore, em que (idealmente) os axiomas duma teoria – dum ramo – são teoremas do tronco a que estão ligados, pelo que as únicas proposições realmente aceites sem demonstração ocorrem e em muito pequeno número, nos troncos fundamentais. §Esta expressão intraduzível (para mim, pelo menos) encerra o essencial do assunto. Num sistema de criação monetária por privados, (quase) todo o dinheiro resulta duma dívida e não existe senão no âmbito dessa dívida.
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Podereis roubar-me tudo: As ideias, as palavras, as imagens, E também as metáforas, os temas, os motivos, Os símbolos, e a primazia Nas dores sofridas de uma língua nova, No entendimento de outros, na coragem De combater, julgar, de penetrar Em recessos de amor para que sois castrados. E podereis depois não me citar, Suprimir-me, ignorar-me, aclamar até Outros ladrões mais felizes. Não importa nada: que o castigo Será terrível. Não só quando Vossos netos não souberem já quem sois Terão de me saber melhor ainda Do que fingis que não sabeis, Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais, Reverterá para o meu nome. E mesmo será meu, Tido por meu, contado como meu, Até mesmo aquele pouco e miserável Que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito. Nada tereis, mas nada: nem os ossos, Que um vosso esqueleto há-de ser buscado, para passar por meu, E para outros ladrões, iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Jorge de Sena — in Metamorfoses: Camões dirige-se aos seus contemporâneos
Excelência,
Graças ao Observatório Naval da Armada Americana, consegui em dois ou três minutos calcular o tempo decorrido desde a última vez em que tinha tido vergonha de ser português, até à mais recente, desencadeada pela televisiva emoção de V. Exa. na tarde do passado domingo, 5 de Janeiro de 2014. Foram muito aproximadamente 14500,541667 dias, desde "...aquela madrugada clara e límpida" de Abril; nem todos bons, mas durante os quais eu me podia afirmar cidadão deste país sem sem que a vergonha me fizesse corar.
Neste momento, enquanto dura o sortilégio daqueles cerca de metade de um por cento de portugueses que encheram todos os ecrans de todas as televisões (mais ou menos a mesma percentagem de alemães que inundaram as Noites Mágicas de Nuremberga) e as primeiras páginas de todos os jornais que dentro em breve irão embrulhar postas de bacalhau (obrigado, Rui), lido com o meu nojo à minha maneira, mas não quero maçar V. Excelência com assunto tão pessoal, porque a verdade, talvez incómoda para si, é que ainda existem pessoas de bem neste país.
O propósito desta Petição é directo e explícito. Parece que o fulano do pontapé na bola irá ser transladado para o Panteão. Irá fazer companhia àquele esqueleto falso de que falou Jorge de Sena, sem com isso incomodar minimamente o falsificado, que toda a vida conviveu com ralé. Por isso, solicito a V. Exa duas coisas: a primeira é que, com a brevidade possível, diligencie para que o esqueleto, esse bem real, do patrono mais recente de todos aqueles ladrões seja também transladado para o Panteão. Sem a companhia do emérito Prof. Dr., o de Santa Comba, nem o Futebol nem o Fado poderão descansar em paz, sendo que o 'F'-em-falta se consagra a si próprio.
O segundo pedido é no sentido de V. Exa. envidar todos os esforços para lhes ir fazer companhia com a maior brevidade possível. Tendo sido informado pela loiríssima Figura do Estado que lhe sucede na Ordem da República, de que estas coisas têm custos, desde já me comprometo publicamente a contribuir para esse peditório. E aqui deixo a evocação de dois outros Portugueses, cuja simples memória poderá contribuir para acelerar tão fausto desenlace.
Eta, povinho besta. "E agora o Benfica só fica contente se o Benfica for campeão nacional". Como raio vou aguentar esta semana de dizeres tamanhos? E amanhã [hoje] o caixão vai dar uma volta ao estádio? Uma volta ao estádio? O caixão? Ó fraca gente que vomita fracos líderes que governa fraca gente que vomita fracos líderes. A sério, não é assim. Não é assim. Não é desta forma. Não é assim que se presta homenagem a alguém. Não é assim que nos governamos. Está tudo do avesso. Tenho perfeita noção da importância de Eusébio, de como ele e a Amália -- ainda que também instrumentalizados, em ditadura e Democracia --, levaram além o nome de Portugal. De como abriram sorrisos de portugueses obrigados a emigrar, para fugir à guerra e à fome. Portugueses que sorriam quando os reconheciam por serem do país do Eusébio. E de Amália. De como ambos eram sinónimos de um país que nada mais tinha. Nada mais tem. Eusébio tem um lugar de destaque na história do desporto mundial. E na medida em que o desporto faz parte da história de um povo, também aqui. Mas vamos lá colocar as coisas certas nos lugares certos. A começar pelas nossas cabeças. Em cima dos pescoços. Podem dizer-me para que comece eu. Seja. Às tantas sou eu que estou do avesso, que vejo tudo de forma errada. Serei eu quem chora pelas pessoas erradas. Pelos motivos errados. E tantas pessoas "erradas" que partiram nos últimos dois anos. Enquanto os "certos" que este povo escolheu continuam a tirar-nos o pão da boca. Para isso todos os motivos são também certos. Contra isso nada, para além de um eterno encolher de ombros. Talvez este povo não passe disso. De um encolher de ombros.