"Sabíamos desde o princípio: era tudo ou nada. As probabilidades estavam contra, mas havia uma certa atracção naquela convicção vítrea de Gaspar. Mas a passarola não voou. Não é justo, mas não voou. As contas públicas descontrolaram-se. O Governo age desvairado. E a troika esconde-se atrás da sua própria desilusão.
Vítor Gaspar é o elo de credibilidade do Governo com a troika. Já não o é com o eleitorado. Não pode queixar-se: mesmo protestando, o país foi suportando a austeridade. Houve um acto de fé generalizado, cheio de dúvidas e reservas, mas com o endosso da confiança. Até que a medida da TSU rompeu o lacre; até que a execução orçamental veio provar a desdita. Mesmo aqui, neste espaço, deu-se largamente o benefício da dúvida. Em Fevereiro, aqui escrevemos sobre essa credulidade ingénua, em "As verdades que nunca nos dirão". Hoje enunciamo-las: o crescimento, o número de anos e a sustentabilidade da dívida.
A credibilidade da política da austeridade deixou de ser uma divergência ideológica, é hoje um problema matemático. Não está a resultar. Como se confia em quem estimava um crescimento de receitas do IVA de 11,6% quando ele afinal cai 2,2%? Que credibilidade técnica tem quem em Março anunciava um aumento dos encargos com subsídio do desemprego de 3,8% quando eles em Agosto crescem quase 23%? Como se confiará nas previsões para 2013 depois do fracasso em 2012?
A troika devia olhar olhos nos olhos dos portugueses e responder a três perguntas: acredita mesmo que, com mais austeridade generalizada, a economia vai começar a crescer no segundo trimestre do próximo ano? Acredita mesmo que Portugal vai conseguir a redução brutal do défice em cada um dos próximos dois anos depois de ter falhado o deste ano? Acredita mesmo que Portugal conseguirá pagar a sua dívida pública já superior aos fatídicos 120% do PIB?
São perguntas simples, mas entristecidas. As contas não quadram. Não batem. Assim não vamos lá.
Comecemos pelo défice: este ano, os portugueses fizeram um esforço brutal, suportaram austeridade como nunca imaginaram e ajustaram-se mais do que o Governo desejou, consumindo menos e exportando mais, o que ajudou as contas externas. Mesmo assim, depois de tudo, o défice orçamental (sem receitas extraordinárias) só se reduzirá em dois pontos percentuais em vez dos 3,5 pontos percentuais previstos. E isso se o último quadrimestre não piorar o cenário, coisa que a desastrosa comunicação do Governo com a TSU pode ter estragado, antecipando comportamentos recessivos. Pois mesmo assim chegaremos a um défice de pelo menos 6,1 a 6,2%, o que com receitas extraordinárias (sempre, sempre elas) baixará para 5%. Reduzir de 6,2% para 4,5% em 2013 e 2,5% em 2014? Como? Ou as reformas estruturais estavam todas certas, as empresas desatam a exportar e a economia cresce, ou teremos de manter todas as medidas de austeridade e encontrar mais dois pontos percentuais por ano de novas medidas. Alguém acredita?
Vamos à dívida. 120% é o nível de alerta vermelho, além do qual o BCE considera a dívida insustentável, isto é, que não pode ser paga. Ora, a previsão para Portugal saltou para os 124% do PIB, valor que ainda não inclui todas as empresas públicas e PPP falidas que venham a ser devolvidas ao Estado (há cinco nessa iminência). Será mesmo possível pagar essa dívida?
Estas perguntas são para a troika. Ao Governo o que se pede é que tome um banho gelado e volte a encaixar a cabeça. Porque o que está a demonstrar já não é falta de capacidade política, é pânico. O recuo na TSU foi uma vitória da sociedade civil sobre um Governo que se julgava ungido por ela, mas mostrou capacidade de recuo. Agora é preciso andar para a frente, não em círculos. O anúncio, ontem, de mais impostos foi vago e ambíguo. O IRS subirá através dos escalões (pelo menos quatro pontos percentuais a cada português) ou haverá um imposto extraordinário? De quanto? E os funcionários públicos, o que lhes acontece? E os pensionistas? E a despesa, senhores, a despesa do Estado? Semear incerteza revela mais que amadorismo, revela insegurança, revela falta de estratégia, revela incapacidade para liderar um povo que se desfaz em contas.
(...)
Não parece ser crível que 2012 seja o pior ano da crise. O pior está para vir. O Governo andou a dizer-nos que estava tudo bem, mas está tudo mal. (...)"
(Pedro Santos Guerreiro; "As verdades que agora nos dirão". Na íntegra: aqui.)
E ainda que mal pergunte, pergunto eu: será avisado permitir que a governação do país continue entregue nas mãos de um "Governo desvairado"?
Sempre tive problemas com a memória. Nunca consegui decorar nada sem um esforço sobre-humano. Por outro lado, nunca esqueci nada que tenha compreendido. Uma vez percebido o mecanismo, nunca mais o esqueço. Este pequeno texto serve para desmontar a mais porca mentira, dita pelos mais porcos deste miserável País. A mentira é esta:
--- É saudável que muitas empresas vão à falência, porque isso retira de cena os menos competitivos e deixa espaço aos mais capazes.
Recordo-me de ouvir e ver estas palavras saírem a par de inúmeros gafanhotos da boca de um porco, que na altura era uma sumidade ministerial.
Depois de lançada a alarvidade para justificar a miséria causada pela perda de competitividade oriunda das privatizações energéticas e de outros crimes lesa-pátria, muitos foram os que a repetiram.
E aumentaram impostos, e as empresas faliram E era bom! E liberalizaram os combustíveis e as empresas faliram ainda mais. Era bom! E aumentaram ainda mais os impostos… Faliram? Que bom que é!!! E veio a tanga do Durão! E elas faliram!!! Espectáculo! E depois o rigor e os PECs do Sócrates! Faliram mais? Óptimo! E agora a austeridade troikiana do Passos. E vai falir o resto! Maravilha!!!
É MENTIRA!
Quem faliu primeiro foram os honestos. Os que não esfolavam os clientes. Os que pagavam os impostos todos. Os que não tinham contratos de renda garantida. Os que não lavavam as mãos dos políticos com tachos e panelas. Foram ficando os que fugiam, os que não pagavam impostos, os que estavam em monopólio, etc. E agora que faliram entre 40 e 60 mil empresas por ano durante 15 anos, quem vai pagar impostos???
Não é preciso impostos. É preciso expropriar o fanhoso mentiroso que inventou a mentira. É preciso ir buscar o saque. É preciso responsabilizar quem fez isto. Quantificar o saque e ir buscar à propriedade privada dos ladrões. Porque o dinheiro e os bens estão cá!!! Porque Portugal é um paraíso para lavar dinheiro! Para ter mansões, palácios e para passear os Bentleys.
Gostava que tudo isto fosse uma tabuada para esquecer. Mas não é. É demasiado fácil de perceber e impossível de esquecer.
No dia 25 de Setembro de 1932 nasceu, em Toronto, o pianista Glenn Gould. Nasceu com o nome de Glenn Herbert Gold, mas este último apelido de família foi mudado logo após o nascimento: a família, que era protestante, receou que o apelido suscitasse a confusão de que ele fosse judeu – e o Canadá vivia então uma intolerante onda de anti-semitismo. Gold passou a ser Gould. À parte isso, as referências de família eram, musicalmente falando, as melhores: a mãe era sobrinha-neta de Edvard Grieg – e, por questão genética ou não, uma razoável pianista. Foi ela que ensinou as primeiras notas ao filho e o levou até ao Conservatório quando ele tinha apenas 10 anos. Soube-se que desde a infância Glenn Gould padecia de uma forma ténue de autismo – o que explica algumas das excentricidades que se lhe conheceram como músico, muito mais do que aquela pequena cadeira em que se sentou ao piano a vida inteira e o trautear da voz que sempre acompanhava as notas tocadas no piano… Talvez essa tenha sido a razão de tão pouca gente ter tido o privilégio de ver Glenn Gould em concerto. A partir de 1964 dedicou-se a gravar em estúdio e em televisão, praticamente em exclusividade (só uma por outra vez, em ocasiões especiais, deu concertos em público). Mesmo assim, teve actividade intensa em estúdio, na televisão, na escrita, em documentários e na composição (embora a sua obra de compositor seja limitada). Morreu no dia 4 de Outubro de 1982, em Toronto, com apenas 50 anos. Ficou como uma lenda da música do séc.XX, especialmente pelas suas gravações de Johann Sebastian Bach.
*Texto de António Leal Salvado
2º e 3º andamentos do Concerto nº 5, para piano e orquestra, de Johann Sebastian Bach Piano: Glenn Gould Orquestra de Vancouver Maestro: Nicholas Goldschmidt