Solicito ao Professor Doutor Emérito Relvas Miguel (já passaram uns dias e presumo a natural evolução académica) que não exija, em meu nome, desculpas a quem quer que seja. Não o tenho por homem de bem e não o mandatei para nada. Mais depressa me atiraria da varanda acima após uma injecção na testa. Agradeço ao Expresso o esclarecimento de mais um pedaço desta infâmia. E vão duas; vou agora sentar-me naquele sofá e esperar que a decência e a mágoa da culpa se apresentem nas paradas onde estão em falta. Cartoon: Benett http://benettblog.zip.net/
Não falta por aí comentador encartado que, pronunciando-se sobre o caso da licenciatura de Miguel Relvas, considere estarmos perante uma situação que, sendo embora escandalosa, é legal.
Parte-se de pressuposto de que, observadas e cumpridas (mal ou bem) as formalidades previstas na lei, qualquer resultado é legal. Ora, como bem sabe qualquer jurista, não é bem assim. Falta saber se nas formalidades observadas se procedeu com o rigor que a lei pressupõe para que, sem fraude, se alcance o desiderato legal. Dito doutra forma: para que um qualquer resultado seja legal não basta ter em conta o lado formal, há também e principalmente que ter em conta a substância da "coisa".
Em todo o caso, estranha-se que, perante o avolumar do escândalo e havendo precedente conhecido, o Ministério Público não se tenha ainda lembrado de abrir um inquérito para averiguar a legalidade do caso.
Enquanto se espera pelas respostas, aproveite-se para ler uma crónica (excelente e bem humorada) de Francisco Teixeira da Mota onde o autor, embora não olvide este caso, questiona, fundamentalmente, o conceito de legalidade que vai circulando por aí.
Sirva-se:
"Houve quem se preocupasse com a questão da licenciatura do ministro Miguel Relvas e se indignasse com o facto de ter tirado um curso de três anos num ano, mas afinal não havia razões para isso. (...)
Como o PÚBLICO explicou na passada quarta-feira, a lei permite-o e a autonomia universitária funcionou em pleno: o currículo profissional do ministro e a sua notável anterior carreira universitária foram creditados, tendo sido equiparados a dois anos da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais. Faltava-lhe, assim, a frequência de um ano do curso que, pelo que se sabe, cumpriu com brio. Como afirmou o ministro ao jornal i, revelando a sua formação universitária: "Fiz os exames que me foram exigidos". Dá gosto ouvir. Está tudo explicado e foi tudo legal. De resto, este ministro está a revelar um padrão de comportamentos legais, que nos faz esperar ainda muito dele.
E aqui tenho de confessar que, lamentavelmente, ontem não me portei bem. Estava a almoçar no restaurante da Gina no Parque Mayer, em Lisboa, quando na televisão estavam a falar destas legalidades e uma senhora, que passava ao meu lado, afirmou indignada: " É uma vergonha. Anda uma mãe a trabalhar uma vida toda para pagar os estudos aos filhos e este num ano tira o curso. Estamos entregues a...". Eu sei que devia ter interrompido a senhora, para lhe dizer que não tinha razão no seu lamento e impropérios e que era tudo legal. Talvez mesmo referir que as notícias não passavam de uma campanha contra o comportamento absolutamente legal do ministro e a autonomia da Universidade Lusófona, mas não consegui. Fiquei-me pela sardinha assada. Mea culpa.
Este meu comportamento é - para mim e penso que para qualquer português - preocupante, pelo que representa de demissão de um sentido cívico e interventivo na vida social portuguesa. Se não defendemos a legalidade em democracia, o que nos resta? A marginalidade, a bandidagem? Estarei eu - e, se calhar, muitos como eu - a ficar sem princípios? A afastar-me da legalidade? Onde iremos parar?
Esta minha preocupação com os meus desvios éticos e cívicos não resulta só deste caso. Infelizmente, há muitos outros. Ainda esta semana, quando vi na televisão um qualquer funcionário do Estado a defender que a contratação de enfermeiros nos termos que têm sido amplamente discutidos na comunicação social e não só, era boa já que, gastando-se menos, se defendiam os interesses do Estado, não consegui aderir de alma e coração a tão evidente verdade e legalidade. Levantaram-se-me dúvidas. Seria mesmo do interesse do Estado pagar o mais baixo valor possível pela aquisição do trabalho dos seus cidadãos? Será do interesse do Estado reduzir à mais ínfima expressão o valor do trabalho? Deverei ansiar e regozijar-me com o restabelecimento legal da escravatura? Que legalidade e Estado são estes que estão/estamos a construir?
O problema põe-se também, por exemplo, quanto à reorganização do mapa dos tribunais no nosso pais. É evidente que há que mudar muita coisa e extinguir tribunais. Mas, como disse e bem o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, sendo a reforma essencial é necessário que seja feita com o máximo consenso possível. Será isso que vai acontecer?
As minhas dúvidas imensas mas, ao ler a entrevista do ex-secretário de Estado da Justiça, João Correia, descansei um pouco: felizmente nem tudo o que é mau, é lei.
Calcule-se que a troika pretendia retirar os juízes do processo executivo, numa absoluta privatização da acção executiva. Só quem não conheça o nosso país e não saiba a ineficácia e a miséria que caracterizam as execuções, é que pode admitir que os solicitadores/agentes de execução pudessem ficar sem, ao menos, o pontual ou eventual controlo de um juiz. Não quero, naturalmente, ser injusto, pois conheço solicitadores/ agentes de execução competentes e trabalhadores, mas se o processo executivo era uma tragédia quando estava integralmente entregue aos tribunais, a verdade é que a sua semiprivatização se revelou um desastre de todo o tamanho. No caso da sua total privatização, às, digamos assim, incapacidades dos agentes de execução, somar-se-iam as infindáveis espertezas e habilidades dos clientes. Um cenário dantesco. Mas parece que, contrariamente aos desejos da troika, a reforma do processo civil que se avizinha, vai reforçar os poderes do juiz na acção executiva.
Graças a Deus, dir-se-ia antigamente, independentemente de se ser crente ou não. Hoje em dia, quase nada tem a graça de Deus, muita coisa tem a mão da troika e muita outra tem a pata de não sei quem."
(Francisco Teixeira da Mota; Afinal é legal. Absolutamente legal!; in "Público", edição impressa de ontem)
(Nota: Na transcrição supra aproveitei o texto publicado no fb, por Anabela Melão, a quem, agradeço o contributo. O texto aqui publicado contém algumas modificações em relação àquele, por opção minha. A transcrição foi, no entanto, confrontada com o original e está conforme com ele na parte transcrita.)
"El mundo habrá acabado de joderse el día en que los hombres viajen en primera clase y la literatura en el vagón de carga."
No dia em que perder Melquíades também eu irei por esse caminho que hoje me dizem ser o teu. Por enquanto, e porque esse dia vem longe, cá continuarei de mãos agarradas à magia do nosso eterno cigano. O teu irmão que te leia "Cem Anos de Solidão". Vais gostar. E sabes? Foste tu que escreveste... Claro que sabes! Sinto daqui o teu piscar de olho. Só tu para (te lembrares de) te esqueceres. E agora? Prendemos-te à árvore, como fizeste ao outro? Conheço essa árvore (foste tu que ma ensinaste) e sei que não a largarás mais. Respeito e compreendo e aceito, mas não me peças mais. Bem-haja, irmão. Vou dar-te a ler ao meu filho. Lamento, mas não te esquecerei! A culpa é tua: Úrsula, Melquíades, José(s) Arcadio(s), Aureliano(s)... Graças a ti a frase lá de cima nunca acontecerá.
No dia 7 de Julho de 1911 nasceu, em Cadegliano, Giancarlo Menotti, um compositor italiano, naturalizado norte-americano e fundador do Festival de Spoleto, em Charleston, na Carolina do Sul. Começou a escrever canções quando tinha 7 anos de idade e, aos 11, escreveu o libreto e a música para a sua primeira ópera, “A morte de Pierrot”. Começou a sua aprendizagem formal em Milão, no Conservatório Verdi, em 1923. Em 1958 fundou o "Festival dos Dois Mundos" que serviria de modelo para o festival de Spoleto, fundado em 1977, nos Estados Unidos. Depois da morte do pai, Menotti foi, com a mãe, para os Estados Unidos e matriculou-se no Curtis Institute of Music de Filadélfia. Nesse instituto teve vários colegas célebres tais como, Leonard Bernstein e Samuel Barber, que se tornou um companheiro para a vida e para o trabalho, sendo Menotti o libretista da mais famosa ópera de Barber, “Vanessa”, premiada, em 1958, no Metropolitan Opera. Foi no Curtis Institute of Music que Menotti escreveu a sua primeira ópera, “Amelia al Ballo”, com texto da sua autoria, em italiano. Menotti escreveu o libreto de todas as suas óperas e só escreveu mais duas em italiano. Em todas as outras usou a língua inglesa. Os seus trabalhos de maior sucesso foram escritos nas décadas de 1940 e 1950. Faleceu em Montecarlo, no dia 1 de Fevereiro de 2007.
3º andamento do Concerto para violino, de Giancarlo Menotti Violino: Ruggiero Ricci Pacific Symphony Orchestra Maestro: Keith Clark