voltei de lá. belisquei-me com cuidado ao decidir reentrar - ainda me lembrava como tinha sido havia pouco mais de dez anos. o cheiro da morte. da espera da morte. agora já não. havia de estar toda a gente a rir. havia de ter sido só um sonho mau. dez anos. que seria feito do meu pai, fígado marinado, morto por certo. a minha mãe, agarrada ao caixão, sem vida própria, feliz por ser a escolhida pelo casamento, entre as teúdas e manteúdas, pobres delas, herança em vida, deserdadas na morte, não como ela. ela era. bati à porta. ao de leve. dez anos. morto e enterrado. já tinha passado tempo que chegasse para descerem aquela podridão às entranhas fecundas da terra. para que floresça em malmequeres. bati. nada. bati outra vez. passos. recuei. abriu-se a porta para a escuridão. OU PARA A LUZ. entra, minha filha, olha a vírgula, outra, entra. onde raios te meteste. temos mais que fazer. discurso directo, coisa difícil de ler, ainda para mais num blog, que se quer coisa leve e divertida. vírgulas que avisam que foram e que são.
ENTREI.
carpideiras em cada canto. as mesmas de há dez anos. choramos por dinheiros. xis cêntimos por lágrima. euros por gritos de pesar. o mesmo cheiro nauseabundo. a morte cheira sempre igual. o caixão. ao canto. branco de pesar. que quando o pesar é intenso o esquife quer-se branco e de meio metro. ou ao contrário. será melhor. reformulo. que quando o esquife é branco e de meio metro o pesar quer-se intenso.
olhei para o caixão.
ENTREI.
lá dentro, de onde tinha fugido, havia dez anos, estava eu. morta por enterrar. anã ou bebé. não sei precisar. mas pequena. demasiado pequena para morrer. percebi, enfim, que havia fugido da minha própria morte. e deixado aquelas pessoas paradas no tempo. à espera do seu morto.
POR CHORAR.
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Death in the sickroom, Edvard Munch
voltei de lá. belisquei-me com cuidado ao decidir reentrar - ainda me lembrava como tinha sido havia pouco mais de dez anos. o cheiro da morte. da espera da morte. agora já não. havia de estar toda a gente a rir. havia de ter sido só um sonho mau. dez anos. que seria feito do meu pai, fígado marinado, morto por certo. a minha mãe, agarrada ao caixão, sem vida própria, feliz por ser a escolhida pelo casamento, entre as teúdas e manteúdas, pobres delas, herança em vida, deserdadas na morte, não como ela. ela era. bati à porta. ao de leve. dez anos. morto e enterrado. já tinha passado tempo que chegasse para descerem aquela podridão às entranhas fecundas da terra. para que floresça em malmequeres. bati. nada. bati outra vez. passos. recuei. abriu-se a porta para a escuridão. OU PARA A LUZ. entra, minha filha, olha a vírgula, outra, entra. onde raios te meteste. temos mais que fazer. discurso directo, coisa difícil de ler, ainda para mais num blog, que se quer coisa leve e divertida. vírgulas que avisam que foram e que são.
ENTREI.
carpideiras em cada canto. as mesmas de há dez anos. choramos por dinheiros. xis cêntimos por lágrima. euros por gritos de pesar. o mesmo cheiro nauseabundo. a morte cheira sempre igual. o caixão. ao canto. branco de pesar. que quando o pesar é intenso o esquife quer-se branco e de meio metro. ou ao contrário. será melhor. reformulo. que quando o esquife é branco e de meio metro o pesar quer-se intenso.
olhei para o caixão.
ENTREI.
lá dentro, de onde tinha fugido, havia dez anos, estava eu. morta por enterrar. anã ou bebé. não sei precisar. mas pequena. demasiado pequena para morrer. percebi, enfim, que havia fugido da minha própria morte. e deixado aquelas pessoas paradas no tempo. à espera do seu morto.
POR CHORAR.
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Não olhes para mim assim.
Tenta não ocupar o meu campo de visão com essa tua gaifona de bezerro acabado de parir.
Reconheço que não é coisa assim tão complicada e que é tarefa ao teu alcance.
Mesmo tu serás capaz de a cumprir a contento.
Não, lamento, não te odeio.
Nada que merecesse sequer a pena ser escrito.
Não te coles à parede quando passo, nem me peças desculpa por a tua massa ocupar espaço. Em cada palavra, até nos bons dias. Evita, isso sim, olhar para mim.
Continuemos a respirar o mesmo ar contaminado.
A partilhar os mesmos cheiros fétidos.
Os mesmos sabores acres.
A visão das mesmas pessoas. As que eu suporto e as que tu detestas. Porque eu as suporto.
Não digas nada.
Não te atrevas a dizer nada.
Está tudo dito. E desde que a tua mísera figura se interpôs entre o destino do meu olhar.
Simplesmente estava tudo errado. Mexias-te de maneira inconveniente. Vestias-te de forma descortês. O que noutra pessoa ficaria bem, em ti é uma chapada nas trombas. Andas a querer provocar-me. Está-se mesmo a ver. Nasceste para isso.
Qualquer dia, levanto-me 5 minutos mais cedo e mato-te.
Assim eu arranje dia para ser estragado com rotinas quebradas, não é meu costume matar.
Arranco-te a vida do corpo.
E tu hás-de ser condenado por teres aparecido morto dessa forma desacostumada.
E isso dá trabalho, tenho de perder alguns minutos a pensar na coisa. Se forem 10, serão já 15 os minutos que te dedico.
E tu, perdido, está-se mesmo a ver que acabas por morrer feliz. Perceberás, no último estertor, que te dediquei 15 minutos do meu dia.
Os teus melhores, que nos outros se querem de fama.
E isso está completamente errado, meu pequeno tumor reverencial.
Há que reflectir.
Até lá, evita apenas olhar para mim.
Fecha os olhos.
Havemos de pensar em algo melhor.
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É hora de abrir o jogo. Este blog[ue] tem instalado um sistema que censura comentários que pretendem, de forma séria e sempre a propósito dos posts onde se inserem, cheiricar sobre temas como os que vão referenciados em título. Desta forma, está-me, está-nos a todos, vedada a discussão, com estes senhores, ingleses, ainda por cima, e queira Deus que não sejam americanos, de temas como “o ponto mais alto da excitação fisiológica e, particularmente, da excitação genésica das gatinhas e dos gatinhos”, “as características estruturais e funcionais que permitem distinguir os gatinhos das gatinhas” e “a bela da vagina”. Para que saibam!
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É hora de abrir o jogo.
Este blog[ue] tem instalado um sistema que censura comentários que pretendem, de forma séria e sempre a propósito dos posts onde se inserem, cheiricar sobre temas como os que vão referenciados em título.
Desta forma, está-me, está-nos a todos, vedada a discussão, com estes senhores, ingleses, ainda por cima, e queira Deus que não sejam americanos, de temas como
"o ponto mais alto da excitação fisiológica e, particularmente, da excitação genésica das gatinhas e dos gatinhos",
"as características estruturais e funcionais que permitem distinguir os gatinhos das gatinhas" e
"a bela da vagina".
Para que saibam!
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Era algo de irreprimível. Desde a primeira pratada sob a hóstia, a coisa apanhou-me. Um dia, tinha eu seis anos, no restaurante do Edmundo, onde ia aos almoços de Domingo com os meus pais, não resisti a colocar o prato do pão debaixo do queixo lambuzado do senhor Eleutério, presidente da junta. Corpus Christi. Levei tantas no focinho, do senhor meu pai, secretário da junta, que ainda hoje me sobram alvéolos dentários vazios. Não só mos arrancou, a murro, aos dentes, e ainda eram de leite, como me há-de, por certo, ter rogado a praga dos braços da Vénus de Milo - nunca mais os caninos floresceram. O tempo passou. Ao meu pai, o diabo o carregue, que a pá da vaca, o dinheiro nunca deu para mais, exige dentição sólida, ao meu pai, dizia, deu-lhe um tremoço, hoje trombose, e ficou incapaz de me ir aos molares e incisivos, bênçãos do meu estômago. E pude dar largas ao vício. Acolitei por onde pude. Acolitei, acolitei, acolitei. Até na capela dos lampiões, ao tempo da senhora Prieto. Tenho no meu curriculum vitae a baba do Eusébio na manga da minha t-shirt dos Scorpions - não havia por ali nada que se assemelhasse a uma bandeja, despi a t-shirt e não fui de modas. Acolitei de pano. Nos dias do Senhor e nos de belzebu. Acolitar. Acolitar sempre. Era o meu lema. Desgraçado, fui arrumar carros para o Bairro. Destroce, destroce. Quando vinha a moeda, sacava do cesto do ofertório. Aos bêbados arriscava um ego te absolvo. Em claro desafio à lei do “se acolitar, não conduza”, acolitei e conduzi. Acolitei em hospitais, perante os olhares de recriminação dos doentes, os de profissão e os mesmo. Acolitei em espaços fechados. Acolitei contra legem. Um dia, Deus me perdoe, a minha mãe apanhou-me a acolitar-me. Mesmo na altura do “ai jesus que me acolito todo”. Ainda assim acolitei até ao fim. É difícil acolitar a pilinha com a direita, enquanto ostento a vela acesa na esquerda. E o cilício a doer, tão bom - não dava para parar. E o acolitus interruptus dói de ir aos infernos. Nunca mais olhou para mim da mesma forma. Um primo meu, médico de ofício, falou-me nos A.A., associação recém-criada nas imediações da Sé de Braga. Mudei-me de armas e bagagens para a cidade da Bragaparques, deixando para trás toda uma vida de pão sem fermento. Hoje, 20 de Março de 2008, ergo-me entre os meus iguais, companheiros de ex-sacristia, e com orgulho proclamo: - Chamo-me RP, sou Acólito Anónimo, e não acolito há quarenta dias e quarenta noites.
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Era algo de irreprimível.
Desde a primeira pratada sob a hóstia, a coisa apanhou-me.
Um dia, tinha eu seis anos, no restaurante do Edmundo, onde ia aos almoços de Domingo com os meus pais, não resisti a colocar o prato do pão debaixo do queixo lambuzado do senhor Eleutério, presidente da junta.
Corpus Christi. Levei tantas no focinho, do senhor meu pai, secretário da junta, que ainda hoje me sobram alvéolos dentários vazios. Não só mos arrancou, a murro, aos dentes, e ainda eram de leite, como me há-de, por certo, ter rogado a praga dos braços da Vénus de Milo - nunca mais os caninos floresceram.
O tempo passou. Ao meu pai, o diabo o carregue, que a pá da vaca, o dinheiro nunca deu para mais, exige dentição sólida, ao meu pai, dizia, deu-lhe um
tremoço, hoje trombose, e ficou incapaz de me ir aos molares e incisivos, bênçãos do meu estômago.
E pude dar largas ao vício.
Acolitei por onde pude. Acolitei, acolitei, acolitei. Até na capela dos lampiões, ao tempo da senhora Prieto. Tenho no meu
curriculum vitae a baba do Eusébio na manga da minha t-shirt dos
Scorpions - não havia por ali nada que se assemelhasse a uma bandeja, despi a t-shirt e não fui de modas. Acolitei de pano.
Nos dias do Senhor e nos de belzebu. Acolitar. Acolitar sempre. Era o meu lema.
Desgraçado, fui arrumar carros para o Bairro.
Destroce, destroce. Quando vinha a moeda, sacava do cesto do ofertório. Aos bêbados arriscava um
ego te absolvo.
Em claro desafio à lei do
“se acolitar, não conduza”, acolitei e conduzi. Acolitei em hospitais, perante os olhares de recriminação dos doentes, os de profissão e os mesmo. Acolitei em espaços fechados. Acolitei
contra legem.Um dia, Deus me perdoe, a minha mãe apanhou-me a acolitar
-me. Mesmo na altura do
“ai jesus que me acolito todo”. Ainda assim acolitei até ao fim. É difícil acolitar a pilinha com a direita, enquanto ostento a vela acesa na esquerda. E o cilício a doer, tão bom - não dava para parar. E o
acolitus interruptus dói de ir aos infernos. Nunca mais olhou para mim da mesma forma.
Um primo meu, médico de ofício, falou-me nos A.A., associação recém-criada nas imediações da Sé de Braga. Mudei-me de armas e bagagens para a cidade da Bragaparques, deixando para trás toda uma vida de pão sem fermento.
Hoje, 20 de Março de 2008, ergo-me entre os meus iguais, companheiros de ex-sacristia, e com orgulho proclamo:
- Chamo-me RP, sou Acólito Anónimo, e não acolito há
quarenta dias e quarenta noites.
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