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O caso Miguel Relvas/ Jornal Público colocou, de novo, em evidência uma das questões tradicionais dos estudos em Jornalismo Político: as pressões dos actores da política sobre os jornalistas. Que o sistema político procura influir no sistema mediático não é, propriamente, uma ideia nova. De facto, a comunicação política tende a ser manufacturada ao detalhe para influir no sistema dos media e garantir a visibilidade e o assentimento necessários para que a lógica dramatúrgica dos sistema político funcione. Como os media são o espaço privilegiado de encenação da política, sobretudo do seu carácter agonístico, é natural que os actores políticos se preocupem com a retórica dos meios de comunicação, pois é a projecção da sua imagem perante o "tribunal da opinião pública" que está em causa. Reflicto, em pormenor, sobre estas questões aqui.
Por outro lado, os próprios jornalistas tendem a adoptar uma relação de cooperação e proximidade com os agentes políticos, facilmente explicável e que, de resto, tende a revelar-se bastante vantajosa, especificamente no que diz respeito à publicação de "exclusivos" e de informação privilegiada. Com efeito, é notório que as organizações mediáticas têm algo a ganhar se adoptarem uma atitude conciliadora, mas é, precisamente, neste ponto que reside a promiscuidade, a troca de favores, a cobrança de "publicidade favorável", as pressões, enfim, as tentativas de condicionamento daquilo que é dito e de como é dito.
Com efeito, o próprio Público reconheceu, à semelhança do que já havia acontecido na Comissão de Inquerito Parlamentar referente à actuação do Governo de José Sócrates na tentativa de compra da TVI pela PT, que as pressões e as ameaças costumam ser frequentes. Porém, as pressões de Miguel Relvas são ainda mais preocupantes por duas questões fundamentais: em primeiro lugar, Miguel Relvas tem a tutela da Comunicação Social e revelou um total desrespeito por princípios que, enquanto governante, está obrigado a cumprir; em segundo lugar, Miguel Relvas socorreu-se da instrumentalização dos serviços de informação e segurança para "chafurdar" a vida privada de jornalistas. Ficámos a saber que, em Portugal, os dirigentes políticos se preocupam mais em espiar jornalistas, à conta do contribuinte, do que em resolver os verdadeiros problemas do povo. As secretas, que têm como missão "adivinhar os perigos e evitá-los" (canto VIII de Os Lusíadas que consta do brasão do SIED), são instrumentalizadas pelos dirigentes políticos ao mais baixo nível. Ao ameaçar divulgar factos da vida privada da jornalista do Público, Miguel Relvas foi, em primeiro lugar, mesquinho, e, em segundo lugar, imprudente e pouco astuto. Efectivamente, as questões entre o jornalismo e a política pautam-se por uma máxima muito simples: sempre que a cobertura jornalística não for favorável a determinado actor político é previsível que a imprensa seja acusada de perseguição política e publicidade negativa; de outro modo, sempre que os órgãos de informação se sintam pressionados pelos agentes da política, é previsível que acusem o sistema político de tentar condicionar o pluralismo informativo e a liberdade de imprensa. Nada mais simples, e Miguel Relvas já o deveria saber.
Contudo, este caso reveste-se de outro elemento curioso. Há muito tempo que a vida privada dos actores políticos se converteu, para os media, numa mercadoria. As pequenas aventuras dos dirigentes políticos, obtidas através de escutas telefónicas (como no caso News of the World), ou mediante relações de cooperação com o sistema da judicatura, converteram-se em produtos simbólicos aos quais os media não hesitam em recorrer, inclusivamente os media portugueses. Ao que parece, a privacidade, enquanto artefacto mediático, virou-se contra o sistema dos meios de comunicação, um sistema que, normalmente, não hesita em divulgar elementos da vida privada dos actores da política, à maneira de um streap tease integral e generalizado, e sem que o tão propalado interesse público se cumpra. Abordei o tema no último congresso da Associação Portuguesa de Comunicação. Em resumo, e para terminar, ao preocupar-se em demasiado com a gestão da sua imagem, a estratégia de Relvas virou-se contra si próprio. Ao não se demitir, resta-lhe o caminho da "erosão mediática", e esse será inevitável.
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