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Minhas caras e meus caros,

Em primeiro lugar, queria vos dizer que é um prazer imenso ter a oportunidade de participar, ainda que à distância, ainda que lido e ouvido, neste vosso ciclo de conferências que hoje se inicia, sob o título « OUVIR E FALAR -- I Tertúlia pela Democracia e Cidadania».

Uma excelente iniciativa promovida pelo Blogue Pegada, de responsabilidade do meu amigo ‘simplexiano’ (e pessoa nada simples, posso acrescentar) Rogério da Costa Pereira, a quem desde já endereço um forte abraço, directamente de uma auto-estrada europeia, uma vez que por estas horas devo estar em transito para Budapeste... 

Acresço ao facto que participar em tais tertúlias é sempre um prazer, mesmo que a distância me impeça de convosco saborear um belo enchido acompanhado por um tinto de colheita decerto superiormente selecionada pelo senhor doutor que julgo estar a ler esta minha missiva, a ocorrência de me estar a dirigir a uma audiência reunida no Fundão, e não em Lisboa, Porto ou outra cidade de meia dimensão, como Coimbra, Leiria ou Faro.

E enfatizo este facto, e já entrando no tema geral das tertúlias, porque julgo muito importante, nos dias de hoje, capacitar a nossa ainda insipiente-mas-bem-mais-organizada-activa-e-politicamente-significativa sociedade civil portuguesa para a intervenção pública e política.

E neste sentido, entendo que é essencial que iniciativas desta natureza ocorreram não só com frequência, mas essencialmente que surjam de forma descentralizada, polvilhando o país urbano, rural, profundo e cosmopolita.

Somente desta forma poderemos construir o apoio social necessário para a consolidação em terras lusas de uma sociedade progressista, que não discrimine, que tolere, que desenvolva leituras críticas da sociedade e da informação que hoje enviesadamente nos é propagandeada.

Uma sociedade civil que se capacite para um engajamento social de elevada exigência cívica e política, e que clame pela sólida implementação em Portugal de uma sociedade justa, assente no mérito de cada um e forneça oportunidade para todos, onde nos seja permitida a busca do nosso modelo de vida e felicidade, conforme definido por casa uma ou um.

Dito isto, que adorava debater convosco, a minha proposta de intervenção passa pela leitura de um curto texto, publicado na semana passada no Diário Económico que, em versão revista e aumentada, julgo que se enquadra no âmbito do desafio deixado pelo Rogério. 

Chamei ao texto “Portugal à bastonada”, e como decerto já terão entendido, é uma curta reflexão sobre os infelizes eventos decorridos aquando da última manifestação, em Lisboa.

E julgo que este texto se enquadra no tema e no espaço em que nos encontramos, pois decidi – na sua escrita – mergulhar um pouco na história e memória colectiva do nosso Povo, da nossa Nação, para desmontar a excessiva mitificação em torno do carácter manso dos nossos genes políticos.

Esquecemos de todos os séculos de luta contra a imposição do Poder do Estado, na Antiguidade, na Idade Média e Moderna, durante o nosso Liberalismo, republicanismo e fascismo, e mesmo durante a nossa democracia.

Esquecemos não, foi-nos construída essa imagem dócil durante o período do Estado Novo, onde o regime utilizava – de forma bastante eficaz, diga-se – a censura para retirar da comunicação social toda e qualquer referência ao carácter mais ‘exaltado’, mais ‘apaixonado’ do nosso povo, cumprindo aliás uma velha máxima de Salazar “Politicamente só existe o que se sabe que existe, politicamente o que parece é”... 

Deixem-me vos dar alguns exemplos.

José Reis Santos

Durante o Estado Novo eram raros os crimes de sangue que ganhavam espaço ou destaque nos jornais, assim como a pedofilia, ou outros crimes com natureza ‘moral’.

O regime ia tão longe na sua intervenção cirúrgica que, este é outro exemplo, para consolidar a imagem da neutralidade portuguesa na segunda guerra mundial – período que estudei e analisei com alguma profundidade – retirava dos periódicos as referencias aos combates aéreos que com frequência ocorriam no nosso território, ou aos combates navais sucediam na nossa costa. Mesmo que estes eventos fossem de visibilidade evidente, uma vez que amiúde encontrava-se dispersos pelos territórios do interior do País aviadores aliados ou alemães, escapados e muitas vezes recolhidos pelas populações locais.

Ou os abundantes destroços de navios e submarinos que regularmente davam á nossa costa. Ou – e este é o melhor exemplo com que me deparei – a passagem de uma esquadrilha de bombardeiros da RAF pela cidade do Porto, num espetáculo de tal ordem que deve ter encoberto o pouco sol já existente na Cidade Invicta.

Todos estes acontecimentos, nunca aconteceram. Daí muitos ‘dos antigos’ gostarem ainda de recordar, nomeadamente aos ‘novos’, que «no tempo do Salazar é que era... não havia roubos... não havia bandidagem.. não havia crime, violações, aborto... ».

Haver, havia. Só que só sabiam deles os senhores que com minúcia e atento se dedicavam ao corte & costura nos Serviços Centrais da Censura...

Esta ‘moda’ da intervenção sistematizada na memória é, a meu ver, um crime antropológico e social da mais alta gravidade. Um crime contra a Humanidade. Não tanto por nos obrigar a recalcar o assentamento colectivo partilhado em séculos de convivência comunitária e que, para o bem ou para o mal, nos fez «Portugueses».

Não tanto porque um Povo sem memória não pode se entender no presente – e muito menos se projectar no futuro.

Mas essencialmente porque a acção do bisturi desses ‘Mengeles’ da memória procura cirurgicamente a inoculação de novos enzimas ideologicamente carregados no espaço em vácuo deixado pela alienação da nossa memória.

E não se julgue que andamos hoje longe de vermos de novo senhores de batas escuras, armados das mais puras das boas intensões, ocuparem os nossos ecrãs de televisão ou assinando artigos em páginas pagas de jornais com intensões mansas de nos dizerem do que lembrar.

E de inocentemente sugerirem, por exemplo, para nos deixarmos de lembrar do 5 de Outubro», ou do «1 de Dezembro. Mas que não nos deixemos de lembrar dos dias X, Y ou Z», associados a certas efemeridades religiosas determinadas politicamente em convénios marcados  para o efeito. Denominação religiosa com implementação secular, é certo, mas que também soube substituir-se à memória de outras tradições religiosas bem vincadas no nosso quotidiano e vida social.

Em todo o caso, estamos perante uma invasão externa ao nosso padrão colectivo, à memória construída por gerações de Celtas, Iberos, Lusos, através de um paulatino acumular de vivências assimétricas, experiencias esdrúxulas, momentos traumáticos, glórias emocionadas.

Vivências em todo o caso nossas. De um Povo definido como tal. Não de um Governo ou de um Premier.

Vivências de uma colectividade construída na fina areia dos tempos. E não produto plastificado de ideologias baratas, datadas, de marca branca.  

Por isso, meus caros e caras, não se esqueçam donde viemos, do que já vivemos. E lembrem-se de que, antes, mas muito antes de nós cá termos estado, já muitos portugueses e portuguesas se batiam contra o que consideravam ser a injustiça social, o abuso pelo Estado, a intolerância, a carestia e o acesso privilegiado de pequenas elites prepotentes aos recursos da colectividade e ao seu usufruto indevido.

Hoje somos apenas a próxima geração de portugueses que vive, novamente e intensamente, os escritos e os ditos dos oráculos das contemporaneidades, das modernidades, das mediavilidades, das antiguidades. Os oráculos gastos que nos lembram e relembram que não há forma de nos conseguirmos nem governar, nem fazer governar. 

E se no passado tocávamos sinos e badalos; se dependíamos de padeiras e ceifeiras, de tanoeiros e pescadores; hoje dependemos de pessoas como vocês, que agora me escutam. Gente que se deslocou a esta sessão porque quer mais. Mais exigência para com o País. Em especial o País Político e Partidário. Mais tolerância e respeito pelos seus concidadãos. Mais qualidade no trato da Res Publica. Mais capacidade interventiva no quotidiano da Polis.

Resta saber, então, o que fazer... como o fazer... em prol do quê o fazer...

Bom... já vai longa esta introdução à guisa de ensaio. Pretendia apenas deixar-vos algumas propostas de reflexão e debate, estimular o debate, enquanto preparava o cenário para a leitura do artigo, também ele provocador o suficiente para vos deixar algumas interrogações.

Ou assim o espero...

Resta-me apenas agradecer-vos a paciência de me terem escutado. Na ausência...

Este o texto.

Recentemente, um colega – Diego Palacios Cerezales – defendeu e publicou uma interessantíssima tese de doutoramento sobre as relações da população portuguesa com o Estado, através da análise da História das políticas de ordem pública do Liberalismo à Democracia.

No livro em causa (Portugal à Coronhada. Protesto popular e ordem pública nos séculos XIX e XX, Tinta da China, 2011) são desmistificados os brandos costumes do povo português que, contrariamente à percepção construída - nomeadamente durante o Estado Novo - tradicionalmente sempre se indignou contra o que entendia ser o abuso do Estado.

Contrariamente ao ocorrido em países de elevada prosperidade, onde muitas das causas da indignação popular assentavam em demandas de cidadania (acesso ao voto e às decisões políticas por parte de franjas da população), boa parte da conflictualidade popular portuguesa assentava em razões ligadas à carestia, à fome e à imposição da administração do Estado (cobrança de impostos). E é estimulante verificar que desde o nosso liberalismo assistimos à aliança de formas tradicionais e modernas de expressão dessa mesma indignação. Assim, às "Marias da Fonte" convocadas a rebate dos sinos, às interpelações junto das elites locais para intercederem junto do poder central, ao saque de edifícios e arquivos públicos adicionaram-se ao longo do século XIX novas formas de mobilização popular, como recolha de assinaturas e organização de petições, comícios, concentrações, e mais tarde, a promoção de greves.

Recordei-me deste nosso historial quando, deparado com os brutais eventos da última semana, verifiquei que a nossa polícia de segurança pública havia regressado ao uso de tácticas de dispersão coercivas totalmente desadaptadas às características dos modernos Estados de Direito só explicadas por se sentir resguardada - directa e indirectamente - pelo actual governo, que assim tacitamente apoiou a brutalidade aplicada a manifestantes anónimos, jornalistas e transeuntes, em pleno centro da cidade de Lisboa. E felizmente que há muito trocaram as espingardas pelo bastões, senão tal mole teria sido corrida à coronhada, e não à bastonada. O País (e o mundo) tiveram assim a oportunidade de assistir a um retrocesso inaceitável a formas de violência policial mais condizentes com outras fórmulas de poder político, que não a Democracia.

Mas não se julgue que o monopólio do uso gratuito da violência tem sido exclusivo da polícia púbica. Segundo muitos relatos, também os homens fardados da CGTP aplicaram força bruta para controlar alguns manifestantes que consideraram desalinhados, o que nos remete para uma reflexão acerca do papel dos sindicatos no actual panorama político-social, a sua percepção de domínio e controlo totalizante da indignação popular e dos movimentos sociais e, pior, a sua intolerância perante quem não alinhe com a sua linha de conduta.

E estávamos perante uma manifestação de pequenas dimensões, pacífica. O que acontecerá, questiono-me, quando o povo português se recordar de tocar os sinos a rebate? Regressará a coronhada?

José Reis Santos

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publicado às 17:50



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