O Tribunal de Contas chumbou o contrato e o governo aproveitou para dar a estocada final. Quem também dá uma estocada é a Soares da Costa que quer ser ressarcida dos custos que teve com o projecto, mais ou menos 250 Milhões de euros...
Vamos ter um "alta velocidade" para servir passageiros e mercadorias e o Porto de Sines com bitola europeia. Ganham as exportações e o país.
Felizmente que foi possível voltar atrás com essa megalomania que seria mais um "elefante branco" e que custaria muito dinheiro a todos nós. Não temos "massa crítica" para ter um TGV, nem de passageiros nem de largura territorial.
Lembre-se para quem ainda tem dúvidas que estes políticos não sabiam o que andavam a fazer, que Durão Barroso na primeira proposta queria construir cinco linhas e só depois veio o "L" deitado e mais tarde uma só linha. Enfim, a sociedade civil nunca esteve convencida e ajudou a travar o desastre.
Há ainda muita ignorância e desinformação sobre aquilo que os políticos apelidaram de TGV. Em parte esta asneira deve-se ao espírito pacóvio de alguns governantes, que os levaram a tentar convencer a opinião pública em aceitar um investimento público milionário com base na premissa falsa de uma falsa noção de futurismo e progresso, juntamente com uma equiparação a outros povos como os franceses.
O primeiro engano é que isso que apelidam de "TGV" não é absolutamente nada de especial. Aquilo que apelidam de "TGV" não é mais do que uma ligação ferroviária perfeitamente normalíssima cujo material circulante é capaz de circular a velocidades acima dos 220km/h. Ora, para isso o único critério que basta cumprir é que as vias tenham declives e raios de curvatura um pouco mais reduzidos. Nada mais, nada menos. Ainda há o critério das pontes terem de ser desenvolvidas para aguentar acções dinâmicas associadas à circulação a velocidades elevadas, mas esse problema não só é simples de se tratar como também, como tratam-se apenas de troços com umas centenas de metros, podem muito bem ser desprezados.
Outro engano é que Portugal já tem "TGV"s há longos anos. Falo, claro, nos célebres comboios alfa pendular. Esses comboios são comboios capazes de circular a alta velocidade (logo, são "TGV"s) e são até a coluna vertebral das ligações ferroviárias de alta velocidade em países como a Itália. O único motivo que os nossos alfa pendulares não circulam a altas velocidades é o facto de serem postos a circular em ligações ferroviárias já centenárias, que devido aos raios de curvatura e declives mais acentuados não permitem a circulação a velocidades muito acima dos 80km/h.
Outro engano, talvez o mais grave, é que o "TGV" não é mais do que a reforma desesperadamente necessária da nossa rede ferroviária nacional. A ligação Lisboa-Madrid e Sines-Madrid é talvez o primeiro grande investimento publico na rede ferroviária nacional do século. É a criação de uma linha ferroviária que finalmente liga centros logísticos nacionais ao resto do mundo. Actualmente para se ir de comboio para Espanha e o resto do mundo, os comboios são forçados a seguir um percurso que leva cerca de um dia a sair do território nacional para ir para Espanha, sendo forçado a passar através do Entroncamento, Pampilhosa, Guarda e Vilar Formoso, e dai a seguir para Salamanca. O "TGV" Lisboa-Madrid elimina esse disparate, criando finalmente uma ligação directa entre Lisboa-Poceirão-Évora-Caia- e por a espanha a fora.
Outro engano é que hoje em dia ninguém faz traçados ferroviários de passageiros para circular a 80km/h. Nem a 120. Nem a 180. E não o fazem pois hoje em dia o mercado está dominado por material circulante desenvolvido para circular a alta velocidade.
Outro engano é que a ligação a Portugal por rede de alta velocidade não foi um vaipe que se meteu na cabeça dos nossos governantes. É sim um projecto da união europeia com décadas de idade sobre a construção da rede trans-europeia de transportes.
Dito isso, o projecto é sem dúvida caro. Mas não é um desaire faraónico de um pacóvio do governo. É sim um projecto há muito necessário e desesperadamente necessário. Hoje em dia não existe qualquer justificação para depender de transporte rodoviário para sustentar as trocas comerciais nacionais, e o único motivo que força Portugal a depender do transporte rodoviário é a inexistência de uma rede ferroviária adequada e funcional. Por isso, há que finalmente acabar com esta ignorância e desinformação, pois ninguém ganha com isto.
Mas cuidado, que tem erros técnicos. A bitola do TGV é diferente da ibérica, o material circulante é forçosamente diferente, e há mais implicações do que o raio das curvas e a integridade estrutural das pontes (logo a começar pela construção dos taludes em toda a extensão da linha).
E os pendulares não pertencem à classe do TGV, nem de perto, nem de longe. TGV há só um (produzido pela Alstrom), tudo o resto é abaixo disso. Incluindo o sistema pendular, que até é mais recente, mas mais lento.
De Sou o autor do comentário a 22.03.2012 às 15:58
Caro "Também sou anónimo"
Sou engenheiro civil.
Tenho formação específica e alguma experiência em projectos de vias de comunicação e de pontes.
Eu não refiro a bitola por um motivo: é irrelevante. Até podiamos meter uma rede de alta velocidade em bitola do sistema Decauville e não seria por isso que os comboios não seriam de alta velocidade. O único impacto da diferença de bitolas reside apenas na incompatibilidade entre elas, que não só não é um problema como também deixará de o ser, com a reforma do resto da rede ferroviária.
A acusação da "integridade estrutural das pontes" é absurdo e revela um profundo desconhecimento do tema. O único detalhe onde aquilo que se refere a "construção dos taludes", que presumo que pretende referir-se às operações de movimentação de terras, está relacionado com aquilo que eu já referi: inclinações da via mais ténues.
Sobre os pendulares, novamente é manifestada alguma ignorância. O projecto dos alfa pendulares tem uma ĺonga história e teve a participação de vários países, incluindo o reino unido e itália. A construção desse modelo esteve a cargo da FIAT, antes da Alstrom ter comprado o projecto. Aconselho umas procuras sobre, salvo erro, o projecto ETR400 e, claro, o Pendolino italiano. E se um comboio desenhado para circular a 220km/h não é um comboio de alta velocidade então estamos mal, pois pela definição da União Europeia um comboio de alta velocidade é aquele capaz de circular acima dos 200km/h e a definição dos americanos já é relaxada para cerca de 180km/h.
E por fim, TGV é uma marca e nada mais que uma marca. É a etiqueta de propaganda usada pelo serviço de comboio de alta velocidade francês, que corresponde à sigla "train à grande vitesse". É apenas um comboio de alta velocidade. Da mesma forma temos o Eurostar, o Shinkansen, o AVE, o ICE, e por aí a fora. Ou será que esses não existem?