Que os partidos da direita tenham a Constituição da República na conta de um papel de embrulho pronto para ir parar ao lixo não é caso para admirar, pois sabe-se (e o actual PSD, em particular, não o esconde) que não morrem de amores por ela.
Ao invés, já é digno de espanto o facto de os partidos da esquerda (e, neste caso, reporto-me ao PS e ao PCP), alegadamente seus defensores estrénuos, admitirem que se passe por cima dela, sem sequer esboçar um gesto em sua defesa, se as conveniências políticas do momento forem nesse sentido.
É esta a conclusão a que, com pena, chego, vistas as reacções destes dois partidos à iniciativa de requerer a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da Lei do Orçamento levada a cabo por um grupo de deputados do PS e pelos deputados do Bloco de Esquerda.
O
PS entendeu por bem
demarcar-se totalmente da iniciativa e o PCP fez outro tanto, sendo que ambos estes partidos consideraram, aquando da discussão parlamentar do Orçamento, que a lei violava princípios constitucionais básicos. Aliás, o PCP, pela voz de Bernardino Soares, reafirma-o ao dizer que “O corte é inconstitucional seja feito a todos os trabalhadores, seja feito apenas aos do sector público”. Mal vamos, pois, quando o presidente da República, que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição, dela abjura, como foi agora o caso, e quando nem os partidos da oposição se erguem em defesa dos princípios constitucionais.
E mal vamos, porque, por este caminho, o governo pode passar a violar impunemente a Constituição, o Estado de direito passa a ser uma fábula e toda a arbitrariedade do poder passa a ser consentida. E lá se vão os direitos e liberdades que a Constituição nos garante e com eles até a noção de que vivemos numa democracia se esvai.
Julgava eu, antes destas cenas, que a Constituição não era papel de embrulho. Depois disto, já nem sei que diga.
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