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Hoje em dia, a democracia é assim como uma espécie de religião. No caso português, foi-nos impingida há trinta e tal anos. A grande maioria dos portugueses acreditou nela. E muito bem. Mas não tardou muito que a democracia deixasse de o ser, na verdadeira acepção da palavra. A pouco e pouco foi-se degradando, mas os portugueses continuaram a acreditar nela. E pior, continuaram a acreditar que viviam em democracia. Acreditar em democracia é uma coisa. Mas acreditar que vivemos em democracia é outra completamente diferente. No tempo do fascismo havia muita gente que acreditava em democracia, mas ninguém acreditava que vivíamos numa. Conquistámo-la em 1974 mas esquecemo-nos que temos que a reconquistar diariamente, senão perdemo-la. Pode manter o nome, mas a prática é outra conversa. A palavra democracia, de origem grega, significa “governo do povo” (Demos=povo - Kratein=governo). Se alguém acredita que, em Portugal, temos um governo do povo, decerto vive na lua. O simples facto de podermos votar sempre que há eleições não significa que vivemos em democracia. Neste país, grande parte das pessoas nem sequer sabe os nomes ou conhece as caras daqueles que as vão representar. A única pessoa cujo nome aparece no boletim de voto e que é escolhida de acordo com os votos é o Presidente da República. E este, nas últimas eleições, foi eleito por vinte e tal por cento dos votantes. E foi assim que passou a ser o representante de todos os portugueses.
Este sistema está feito por partidos e para partidos. Devia ser do povo e para o povo. Isso é que é democracia. O sistema representativo e parlamentar ou semiparlamentar, que se apodera do nome da democracia, limita o poder dos cidadãos ao simples direito de votar, ou seja, a nada. É o único direito que o povo tem e, mesmo esse, é condicionado pelos mais diversos factores que, em muitos casos, se resumem à necessidade de arranjar emprego (para si próprio ou para um familiar) e a promessas eleitorais que raramente são cumpridas.
Não podemos considerar democrático um sistema em que os políticos e governantes mentem constantemente, enriquecem à custa do povo, prometem e não cumprem, não são responsabilizados pela má gestão do dinheiro dos contribuintes, um sistema em que o ordenado mínimo e grande parte das pensões são miseráveis.
Enquanto isto acontecer, a democracia não passa de um sistema em que os eleitores têm a liberdade de escolher os seus próprios ditadores. Não passa de um mito. De uma religião em que os deuses são os partidos e os crentes são os seus militantes. Não passamos de escravos modernos, crendo poder votar e livremente escolher quem decidirá o nosso futuro. E quando, logo após as eleições, chegamos à conclusão que fomos enganados, podemos barafustar, espernear e até ameaçar. Não temos poder para mudar nada. E andamos nisto até ao dia das eleições seguintes. E nesse dia lá vamos nós, todos contentes e orgulhosos, exercer o nosso único direito democrático. E, espantosamente, votamos nos mesmos ou nos outros, que, afinal, são os mesmos! E, como são os mesmos, fica tudo na mesma. Só mudam os “boys”, que foi para esses que votámos. E assim tem acontecido connosco há mais de trinta anos e, com outros países, ainda há mais tempo.
A nossa democracia é um “bluff”. A oposição já não existe. Os principais partidos políticos estão de acordo no essencial: manter este tipo de sociedade, em que os mercados e os senhores do grande capital é que mandam. Nenhum dos partidos políticos com acesso ao poder põe isso em causa. Tudo isto, nem remotamente, tem a ver com democracia. Escolher entre o Sr. Feliz e o Sr. Contente ou entre Monsieur Dupont e Monsieur Dupond nunca será uma verdadeira escolha.
Vivemos numa ditadura económica.
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