Chegou a época da graça dos santos populares. Chegaram os dias em que nós, provincianos apenas porque resistimos a viver no futuro de um passado que já mais ninguém quer, recebemos devolvido o esplendor da cultura que mais ninguém conhece. Santo António abre a trégua nas mecânicas rotinas de Moscavide-Chiado, Barreiro-Graça, Amadora-Campolide – e cita à festa. É a romaria que se desenterra da vida que se deixou na aldeia. O alfacinha retinto nasceu, afinal de onde? A noite dos santos é o dia do regresso da Santa Luzia, da Senhor da Saúde ou da Senhora do Almurtão. São estes os santos a que Lisboa abre as portas de uma “invasão” cultural que não é mais que a nostalgia do tempo e da vida perdidos no inferno da grande cidade. Afinal, o popular santo Antoninho abençoa anualmente os seculares casamentos de mátrias renúncias e esperançosas resignações que se consumam nos intermináveis dias do exílio na capital.
E nós, provincianos a viver no futuro de um passado que mais ninguém quer, recebemos devolvido o esplendor da cultura que mais ninguém conhece. Porque são as nossas romarias que irrompem pela noite dos santos na capital. São as nossas festas populares, com o ruralismo e a socialidade primitivos que só nós ainda vamos testemunhando ao natural, que a civilização das alamedas importa nesta única noite. Para não chocar até ao insuportável a pureza dos take-away, dos volto já e dos tempos de promoção única, Santo António patrocina as nossas romarias com a adequada depuração urbana: retira-lhes a quermesse, a procissão e os foguetes; ficam só a sardinha assada, a entremeada na brasa e, é claro, a bebedeira entre o vómito e o coma.
E a festa reúne muitos, reúne todos – na dormência do insuportável dos dias que acabam de passar e estão para vir já amanhã ou mais logo.
A cultura urbana presta-nos, a nós provincianos, esta significante homenagem. E, em nosso nome, os nossos mais legítimos e legitimados representantes agradecem.
E retribuem. Por todos os cantos do nosso profanando território rural fazem os nossos legítimos e legitimados representantes nascer agora, uma vez por ano ou umas vezes de quatro em quatro anos, a resplandecente cultura da capital. Ao melhor estilo assimilado dos alfacinhas, temos a festa da xerovia, a festa da cereja, a festa dos míscaros, e a dos coentros e a das beldroegas e a da sandes de pescadinha-marmota. Os nossos legítimos e legitimados representantes brindam-nos com festas iguais às nossas ancestrais romarias – com a sardinha assada, a entremeada na brasa e a bebedeira do vómito ao coma. Mas, é claro, já depuradas das quermesses, das procissões e dos foguetes.
Bem... dos foguetes nem sempre. É bonito que o modernismo (re)conheça os sagrados valores da tradição popular!
No início da semana, enquanto o Primeiro-Ministro selava o caixão do Governo no funeral do País, a minha terra estava em festa. No maior núcleo suburbano da periferia, a segunda maior das 30 paróquias dos arrabaldes comemorava com pompa e circunstância o ‘Dia da Freguesia’. O último, por graça da visão de futuro do futuro ex-ministro Relvas, que dedicou a estas berças a maior estima e consideração na reforma territorial, a tal reforma de que o ‘doutor rapidinha’ no auto-elogio fúnebre se orgulhou quase tanto como de ter sido ele mesmo e só ele quem pariu Passos Coelho para o estadismo nacional. Para comemorar o último dia do resto da sua freguesia, a autarquia celebrou os seus ilustres: Condecorou os membros da Junta de Freguesia, com as medalhas adequadas a sempeternizar os seus valorosos feitos. Valor de cuja autenticidade ninguém deve duvidar, posto que atestada pelos próprios. Presidiu o Presidente da Junta, como é de natureza e direito. E chegaram a emoção e os fregueses ao rubro no momento em que o egrégio autarca inaugurou a nova praceta da aldeia. Para que a História não venha a subestimar a importância da praceta, o Senhor Presidente da Junta deu-lhe o seu nome (seu dele). Por sinal - mas não por acaso, certamente - homónimo do Papa de Roma. A emoção foi compartilhada – há quem diga que até às lágrimas – pelo convidado de honra da festividade, o presidente da Câmara Municipal, a quem o presidente da Junta agradeceu o patrocínio da jubilosa jornada. E não faltou a retribuição da generosidade patrocinadora: O autarca-agraciado-titular da onomástica da nova praceta fez questão de declarar à rádio local que nunca mais será candidato pelo partido que o elege há 20 anos, porque isso seria “ir contra” a pessoa do Presidente da Câmara, cujo partido nunca ganhou eleições naquela freguesia. Contra aquele homem nunca! Mesmo que mude a lei que para já o impede de se recandidatar. Mesmo que seja revogada a lei que decretou a morimbundície da sua já pré-saudosa freguesia. Contra o benfeitor nunca! Como a canoa de Carlos do Carmo: Nunca, nunca, nunca mais! E assim foi aquela tarde de chuva e sol. Estava o Primeiro-Ministro a endossar ao Tribunal Constitucional a chave do esquife do País, ao mesmo tempo que o autarca da futura ex-freguesia de Valverde se ressuscitou das cinzas da sua extinta autarquia. Se lá estivesse o Chico Buarque, haveriam de cantar todos: Bonita festa, pá! Bonita festa, Chico!
" Luís Montenegro admite extinção do Tribunal Constitucional O líder parlamentar do PSD admitiu, em entrevista à Rádio Renascença, a possibilidade de extinguir o Tribunal Constitucional (TC). Luís Montenegro afirmou que "muita coisa pode ser revista" e que o futuro pode mesmo passar pelo fim do TC. " (citação de 'ionline' no Facebook, hoje) ___________________
Acho esta declaração um acontecimento. A notar, tal como as muitas decorrências: 1 - Um responsável do partido que ocupa a cadeira da cadeia-de-ordens sachs-troikiana propugna que o Governo não deve ter limites na discricionaridade de dispor do País a seu bel prazer; 2 - O lider de uma ideologia com assento no órgão a quem cabe partilhar o princípio da separação de poderes acha que ao poder executivo pode ser permitido não só exercer a fatia do poder que lhe cabe sem prestar contas aos órgãos de controlo da separação de poderes, mas ir mais além (sempre mais além...) e prescindir do próprio princípio da separação. Digamos que tem o devaneio de apagar Montesquieu da História da Civilização; 3 - Este bizarro - e sinistro - desvario ideológico surge, em concreto, por efeito de desagradar aos ditos partido/ideologia que um decreto do seu governo tenha de ser repreendido por ser contrário à ordem constitucional, ou seja, à República e à Nação; 4 - O grupo parlamentar de tal ideologia não aceita pacífica e respeitosamente que a Constituição lhe imponha deveres e limites - e que o órgão constitucional próprio (o Presidente da República) convoque a apreciar a legalidade quem tem o poder-dever de a apreciar; 5 - Tal sinistra ideologia foi guindada e é mantida no poder pela mão mais-que-visível de quem tem por primeira função defender a Constituição - o Presidente da República - mas fica insatisfeita com o facto de o mentor e 'padrinho' pedir fiscalização a quem tem o poder-dever de fiscalizar; 6 - O Presidente da República enviou para o TC o pedido de apreciação de constitucionalidade de uma lei (a principal lei diretora do Governo) depois de no ano anterior o Tribunal ter já declarado a inconstitucionalidade das mesmas normas - e fez esse pedido negando-se a cumprir o principal dever que jurou ao tomar posse: o de defender a Constituição. Em suma, conformou-se e foi cúmplice do mais grosseiro golpe político do Governo, por duas vezes consecutivas (tantas quantas o Governo teve oportunidade de mexer nessa 'lei diretora'); 7 - Há em Portugal um partido (e, mais importante, uma corrente ideológica) que reune, de uma assentada, um Governo que pretende governar contra a Ordem da Nação, uma delegação parlamentar que bate palmas a esse golpe e se enfurece quando ele é detido, e um Presidente da República que encobre o golpe anti-constitucional do gang ideológico a que pertence e do governo que ele próprio promoveu e catapultou para o poder.
José Sócrates vai ser comentador num programa de televisão semanal. E já por aí circulam petições a exigir que alguém com poder faça calar o homem. Consonantemente ou não, os mais ortodoxos crentes do PSD (com os neófitos deputados enfileirados a seguir à cabeça do leader Montenegro) esbraceja por tudo o que é off-set – e o CDS mostra-se ‘perplexo’ com a permissão de regresso de Sócrates ao uso do direito de expressão.
Os mais argutos pensadores da política não partidária aventam a tese de que a ideia de dar antena a José Sócrates terá sido de Relvas. Porque é ele quem manda na RTP, porque é ele o criador da estratégia de diabolização de Sócrates, porque é o partido que ele comanda que continua à procura de melhor argumento do que o estafado “a culpa é do Sócrates”, porque são ele Relvas e os seus parceiros de negócio internacional quem mais perde com a catástrofe que estão a ser os intermináveis disparates de Gaspar na sustentação do acéfalo Coelho e do já anedótico Cavaco.
Seja um “presente envenenado” de Relvas ou uma distracção dos conselheiros de Cavaco-Passos-Gaspar, o estrondo do regresso do anterior primeiro-ministro já se deu. E enquanto o Prof. Marcelo não vem aconselhar os da situação e aclarar os da oposição, andamos todos expectantemente curiosos…
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É muito questionável a ética de anfitriões e convidados de programas com comentadores manifestamente afectos a uma ideologia, apresentados como se fizessem análise 'isenta'. Precisamente por serem apresentados assim.
Essa elementar salvaguarda ética foi e tem sido estrondosamente violada pela astuta estratégia de utilização de um professor de palavra fácil e retórica convincente - como indiscutivelmente é Marcelo Rebelo de Sousa - para em prime time transmitir aos portugueses uma clara visão de defesa do partido político de que é militante e foi leader máximo, com a aparência de reflexão serena e avisada do professor universitário.
Vem agora a notícia de que o pequeno ecran vai proporcionar a palavra a quem alinha por outro diapasão político.
É natural - embora lastimável - que se amofinem aqueles que vivem confortáveis à sombra do sereníssimo professor liberal-conservador e vejam ameaçado o privilégio de as ideias do ilustre prof. circularem "livres e líquidas". É natural, porque a propaganda de sentido único tem dado enormes frutos e incontáveis vantagens. Com Cavaco a defender o indefensável Governo da nulidade e Marcelo a propalar que este Governo é mau, mas a culpa é dos adversários, torna-se uma chatice deixar circular a palavra do contraditório.
O problema é que essa 'chatice' é, afinal, nada menos que a Democracia.
O confronto de ideias diversas – sobretudo num país que arranjou um bode expiatório para todas as contradições de um capitalismo financeiro que estoira por todos os lados (e para todas as incompetências de quem exercita esse modelo de governação até ao absurdo) – vem abanar a comodidade da política de sentido único. Ainda por cima, bradam os ‘revoltados’, a RTP leva a democraticidade ao ponto de permitir que se defenda aquele para quem se atiram todos os males. Não dá jeito nenhum...!
Para quem imponha à sua própria honestidade intelectual a necessidade de ouvir os dois lados das questões, ter Sócrates a dar uma perspectiva diversa da de Marcelo-Cavaco-Relvas é tão somente a forma de mitigar um pouco a desvergonha que tem sido a utilização da figura artificialmente promovida do Prof. Marcelo.
Pela minha parte, não deixarei de ouvir sempre um e o outro. Apesar de ter as maiores dúvidas sobre se algum deles me convencerá.
* Também publicado em http://quadratim.blogspot.pt
Desde que em 1985 Cavaco chegou a Primeiro-Ministro que em Portugal há um consenso: Nestes 30 anos tivemos um partido que foi sempre a favor do TGV e do novo aeroporto - e um partido que foi sempre contra. Sempre! A favor, sempre, foi o partido do governo. Contra foi, sempre, o partido da oposição.
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O Secretário de Estado dos Transportes diz que o TGV está cancelado. E já se diz por aí que é "sensato". O pior é que isso pode ser sensato hoje, mas aposto que amanhã já o não vai ser. Esperemos a próxima 'inspiração' do Gaspar... Esperemos que os novos donos da ANA façam aquilo que os levou a comprar: abarrotar a Portela com as low cost, o que torna indispensável o novo aeroporto de Alcochete (também era 'sensato' não se fazer, pelo menos até Sócrates cair...), o que torna inadiável a nova ponte, o que torna urgente a ligação ferroviária a Alcochete, o que torna o TGV um investimento “extraordinário e absolutamente estruturante”...
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O TGV de antes era mau,
mas o TGV agora é bom,
porque o TGV de agora não é um TGV,
é um TGV de mercadorias.
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Eu bem estou farto de avisar, desde há 30 anos, que na literatura do TGV há algum romance a respeito de pessoas, mas muitos contos que tratam de mercadorias...
A Democracia foi concebida pela relação entre o dever maior de os governantes humilde e fielmente ouvirem e acatarem e o direito maior do Povo a soberana e livremente decidir e ordenar. E foi envenenada quando os dois papéis se inverteram.
É a irracionalidade da ganância que tem valido ao liberalismo a revolta das populações e a indignação dos intelectuais honestos. A irracionalidade de apagar a função do Estado abandonando cada cidadão a si próprio – e, depois de entregar os serviços sociais básicos ao lucro dos privados, impor austeridade e brutalidade fiscal para que os custos desses serviços sejam financiados… pelo Estado.
E o cúmulo da aberração já aí está, nos hospitais e nas escolas.
Ficou evidente que para um Governo liderado por um mau aprendiz obcecado com a oposição e para uma Oposição liderada por um mau aprendiz de governação foi muito foi muito incómodo o aparecimento de um homem que dá sinais de saber governar se ganhar e de saber fazer oposição se perder.
O mais tragicamente bizarro do regresso ao antigamente é o despudor com que o governo e os seus autarcas apresentam como principal ”folha de serviço” o investimento ‘enorme’ na multiplicação de cantinas, ajudas e caridades para a pobreza que todos os dias fazem aumentar.
Haja bonomia e ingenuidade para esperarmos o dia em que aqueles que hoje incitam e “encorajam” os portugueses à emigração o façam emigrando eles próprios – porque enquanto os não virmos nessa atitude estarão desmascarados na hipocrisia, na desumanidade e no oportunista egoísmo que são os seus verdadeiros móbeis. Porque não fazem mais do que tentarem ver-se livres daqueles de quem o país devia cuidar e, afinal, ficarem eles próprios com campo livre para aproveitarem o que resta deste monte de escombros em que o neo-fascismo opera o golpe de retrocesso civilizacional.
Num ano como este, não tarda o reconhecimento dos autarcas da situação pela “excelência” da comunicação social local,
entretanto empenhada em descobrir no discreto anonimato uma raridade de “valorosos cidadãos”,
que "por amor à terra” acham chegada a hora de “dar a cara” num "conselho de voluntários", consultivo ou económico-social,
o qual nos vai garantir que “aceite o sacrifício” de se recandidatar o autarca no poder,
que, por não “virar costas às dificuldades” – e depois de tão solicitado pelos “ilustres cidadãos empenhados na região” – se disporá a “servir o bem público nesta hora tão difícil”.
Para pagarmos a nossa dívida, os países amigos concederam-nos que contraíssemos uma dívida, com a condição de financiarmos o pagamento da nova dívida por meio de emissão de dívida – e, assim, solucionarmos o problema da dívida criando uma acrescida e maior dívida.
...o sucesso do profissional da política depende hoje da 'arte' de tratar a coisa pública dizendo tudo e fazendo nada, e os negócios privados fazendo tudo e dizendo nada.
António Filipe, meu companheiro de geração, de cidadanias e de angústias, no Facebook: “Quando eu, há dois anos, aqui no Facebook, criticava o governo de Sócrates pelos ataques que fazia aos mais desfavorecidos havia pessoas que punham "Gosto" nos meus comentários e até comentavam elas próprias. É interessante e preocupante notar que, actualmente, quando faço as mesmas críticas ao governo de Passos Coelho, algumas dessas pessoas nem põem "Gosto" e muito menos comentam.” Comentei, observando ao António Filipe que faltava no seu post uma categoria de pessoas: Aquelas que, como eu, tinham simpatia pela visão que Sócrates tinha do País e, no tempo em que ele governava, o criticavam pelas falhas, cedências e desvirtuamentos - mas também advertiam que a seguir viria muito pior: era o neo-fascismo que estava em marcha com a moção de censura que o PSD e o CDS apresentaram para (segundo eles próprios) "irem ao pote" - e graças ao apoio que essa moção de Relvas e Passos teve por parte do PCP e do BE, que votaram a favor do derrube de Sócrates para a entronização de Passos e Relvas, que Cavaco tinha preparada. Sócrates, meu amigo pessoal, confessou-me que não conseguia ir mais longe do que os políticos que tinha a seu lado sabiam e o poder do capital permitia. Dos que vieram a seguir, faça cada um a sua apreciação.
O Progresso e o nihilismo radical
Tenho os meus 'sonhos' do que deveria ser a organização social e política - e nunca desisti de lutar por eles. Mas, por isso mesmo, tento em cada momento histórico perceber o ESTÁDIO que se vive e o que é possível fazer para se passar ao seguinte, tendo em atenção as circunstâncias REAIS. Por isso fui tão crítico (contundente e indignado, muitas vezes) para com o Governo socialista, mas no momento em que todos víamos que vinha aí o neo-fascismo do farsola comissário do Goldman Sachs eu soube 'tolerar' o mal menor do que era possível na conjuntura europeia - e avisei que era muito bonito pensarmos numa Democracia Popular, mas horrível distrairmo-nos nesse DEVANEIO e, com essa distracção, permitirmos que voltasse a ditadura enquanto atacávamos as imperfeições da Democracia. Como ensinavam Lenine e Mao, o esquerdismo é a doença infantil do comunismo e abre as portas ao indesejável avanço do 'inimigo principal'. O Povo não se alimenta de sonhos, nem de discussões puristas à volta de o que é esquerda e direita, o que é mais esquerda e mais de direita, quem é de esquerda e quem devia ser mas não é. A Nação vive de cada momento concreto - e a marcha da História depende do modo como cada passo seja sólido para preparar o progresso e/ou para não deixar avançar o monstro inimigo do progresso.
Feito na noite do reveillon o 1º 'número' que os assessores de propaganda e imagem de Aníbal lhe prepararam para brinde de ano novo (compreendendo as "fundadas dúvidas" que subsistem por nulidade ou nesciência dos assessores constitucionais, jurídicos, políticos, económicos e linguísticos), o 'duce' do nacional BPNismo cumpriu o 2º malabarismo previsto para a iniciativa, enviando ao TC o excel que Vitor mandou imprimir ao seu amigo Pedro-da-Laura, amigo de todos os facebucks. O feito, glorificado entusiástica e devotamente pelos off-sets de Cassola Relvas, abriu já o esperado frenesim dos cultores do excel-economismo que campeiam no espaço de elucubração outrora ocupado pela Política e pelo Direito que Deus haja - e de imediato os estagiários, secretários, assessores, secretários-de-assessores, assessores-de-secretários, especialistas, generalistas, motoristas, figurinistas, veradores-em-tempo-inteiro e presidentes-de-junta laranjas, alaranjados ou em alaranjamento degenerativo ou incurável, todos à uma e cada um por si, como mandam as regras, estenderam o jogo da Pirâmide, que habitualmente vendem aos patos-bravos, a uma nova área de apostas:
Qual vai ser a decisão do Egrégio, Venerando e Douto TC sobre as "fundadas dúvidas" que baralham a confusão reinante em Belém.
Em matéria tão inovadora na actividade piramidal da classe iluminada - e na expectativa de que a 'parada' de lanço dos betoneiros baixe ao nível das posses populares - eu avanço já com a minha aposta: " (...) Tudo visto e considerando o estado de verdadeira emergência das contas públicas nacionais e a absolutamente indesejável crise política que poderia aniquilar a boa imagem e a boa-alunagem do Governo na credibilidade externa - como muito sábia e avisadamente referiu o Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Presidente da República na sua emérita alocução, que aqui se dá por integral e venialmente reproduzida - este Tribunal declara conformes com as normas constitucionais e o seu mais puro e sagrado espírito os artigos do Orçamento de Estado que determinam a imediata suspensão dos subsídios de férias e demais privilégios análogos dos trabalhadores. Na mesma conformidade e tendo em atenção a certeza sobre tão fundadas dúvidas de sua Excelência, que sem dúvida alguma acautelam o indesejável entorpecimento da tão desejável refundação do Estado - mais declara este TC que são inconstitucionais os artigos do OE2013 que prevêem a tributação das pensões auferidas pelos detentores de grandes fortunas. A Bem da Refundação. Publique-se e cumpra-se. "
Fica público o meu palpite - sabendo que os piramidais promotores não chamarão pelo meu nome na hora de proclamarem o faites vos jeux.
O Presidente da República, que há um mês quebrou o silêncio para dizer que ia continuar em silêncio, está a contagiar os assessores. Numa síntese da indignação higiénica de Manuela Ferreira Leite e do compairismo disléxico de Marcelo Rebelo de Sousa feita por vá-se lá saber quem, escreveram a Cavaco, para mensagem de Ano Novo, uma lengalenga de faz-que-anda-mas-não-anda no digo-que-não-disse que deus-é-bom-e-o-diabo-também-não-é-mau – e o desafortunado presidente que Deus haja cumpriu o comando. Destreinado de em público usar o falar de estadista que ainda não aprendeu e a que está visto que nunca chegará ou chegaria, o mentor do BPNismo não se afoitou à ambição de lavar a cara – quedou-se por tapar o nariz à sujeira e tentar lavar daí as mãos. Sem possibilidade de sintetizar mais o rudimentar, ouvimos do inquilino de Belém uma mensagem em dois pontos: Isto está uma lástima quanto a governo e a orçamento e a Nação – por asneiras unicamente internas, porque o liberal-mercadismo europeu é uma alegria – e sacudamos do capote a água que melhor se ajeita nas calendas do cumprimento das polémicas e ecléticas e eventuais decisões do Tribunal Constitucional. O decreto fúnebre da vida dos portugueses é sinistro, mas não se pode criar uma crise política – eis a ‘perfeita’ simbiose da constatação da evidência com a desculpa esfarrapada para a perpetuar. Afinal, tudo uma declaração – mais uma – de que pode tirar o cavalinho da chuva quem ainda persista na ilusão de que numa destas manhãs de nevoeiro nos chega por aí um presidente da República. Porque reconhecer que o Governo é uma trágica lástima e dizer que não se põe fim à tragédia para não se tocar na lástima é, apenas e tão somente, ignorar que o nosso sistema democrático-constitucional só prevê e permite e exige que, na gangrena em que o poder político já apodereceu, um único protagonista avance: o Presidente da República. Não podem lavar-se as mãos na lama de que elas próprias são feitas.
Um voto grande: pensar, pensar, pensar! por via do sentir, sentir, sentir; para falar, falar, falar; Para avançar, pelo progredir;
Para limpar, pelo derrubar e matar, pelo destituir; Para anular, pelo justiçar e construir, pelo reconstruir; Para restaurar, pelo recuperar e desenvolver, pelo proteger e crescer, pelo estimular e igualizar, pelo prosperar; Para governar, pelo merecer e nunca carreirar, pelo sempre doar; Para permitir viver, pelo saber dignificar.
Sentir, sentir, pensar, pensar, falar, falar Para avançar, pelo progredir!
Sentir, pensar e falar… Há que escrever!
“ Escrever é estar contra, dizia Barthes (…). Contra o país onde as crianças chegam às escolas com fome ou batem à porta das urgências hospitalares com a esperança de a poder matar. Contra o país onde os velhos são olhados como fardo inútil que desequilibra as contas do Estado. Contra o país onde a pobreza é uma lâmina de desespero no quotidiano de dois milhões ou mais de portugueses. Contra o país onde se assassina a esperança todos os dias. Contra o país dos banqueiros com a retórica imoral do “ai aguentam, aguentam”. Contra o país dos políticos mixordeiros da política, que mostram como estão de volta os “coniventes sem cadastro”. Mas a favor de um país, “com olhos e com boca”, aonde o puro pássaro seja possível. “ Fernando Paulouro, Jornal do Fundão, 27.Dez.2012
2013 vai ser diferente. Tem de ser diferente. Nesta ocasião de, mais que fazer os habituais votos (haverá coragem?) mudar de atitude, eu cumpro. Neste 2012 que por graça de Deus se está finando, a ironia e o escárnio foram a única reacção adequada ao absurdo, ao inimaginável, ao patético. Mas a realidade chegou, nesta maldita era que hoje era bom que terminasse, a mais longe que o patético - chegou ao trágico. Por isso, há que levar a sério aquilo que ainda quisemos crer que fosse uma brincadeira de estúpido mau gosto. Há que dizer adeus à ironia. E dedicar a nossa maior consideração aos nossos amigos, aos amigos dos nossos amigos, aos que dizem ser nossos amigos e aos que dizem ser amigos dos nossos amigos. Adeus, ironia. Às ordens, tristeza oficial! Que 2013 seja o que Deus quiser. Porque Deus são os cidadãos, as pessoas, a gente.
* Também publicado em http://quadratim.blogspot.pt
Fernanda Câncio, “Artur e os outros burlões” in Diário de Notícias, hoje
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Onde estavam os jornalistas económicos quando PSD e CDS juravam que, uma vez no poder, bastaria "cortar no supérfluo" e nada de aumentar impostos, nada de fechar centros de saúde, escolas, racionalizar o Estado, tudo isso que o Governo anterior fazia, claro, por pura maldade? E onde estão agora, que até o Pedro admite ser a generalidade da despesa do Estado com prestações e serviços sociais, os reconhecimentos de terem sido levados ao engano, os mea culpa por não terem feito "o trabalho de casa"? Onde estão as acusações de burla e os apodos de burlão a quem vendeu a história falsa?
Difícil encontrar hoje um analista ou jornalista que não faça pouco das previsões do Vitor, não é? Mas quem não se recorda de ter sido apresentado como "um técnico brilhante e apolítico", "uma infalível máquina de contas", e a sua austeridade como "o único caminho"? E já não se lembram de como o Pedro era "um homem sério", "sensato", "bem falante" (!), que "não enganava ninguém", e o Álvaro um brilhante académico que trazia do Canadá a saída para todos os problemas? "
[citação parcial]
* Também publicado em http://quadratim.blogspot.com
Hoje em dia já todo o cidadão comum viu que os políticos profissionais não são mais que falcatos, daqueles que nunca tiveram profissão, nem formação, nem méritos, nem escrúpulos. A maioria dos cidadãos comuns – aquela categoria que é mesmo o cidadão comum – tardou a descobrir essa realidade, afinal tão antiga como a História.
Mas não há fome que não dê em fartura: e o ‘povão’ que ontem vegetava no acriticismo indiferentista perante as hordas de espertos que ao chegar a hora de ficarem sem a semanada do papá já têm o futuro mais-que-prevenido por dúzias de bandeiras, emblemas, pins e auto-colantes da seita que os torna especialistas de qualquer coisa que é coisa nenhuma, esse mesmo ‘povão’ faz, hoje, uma pausa no frenesim futeboleiro e muda de bancada para clamar, proclamar e sentenciar que todo o cidadão pensante ou perguntante de Política é pela certa membro dessas associações de malfeitores que são os partidos, movimentos, grupos cívicos ou tertúlias filosóficas. O unanimismo abstencionista que ontem levou ao poder ‘sumidades’ como cavacos, coelhos e tozés rumou hoje em procissão ao totem do “eles são todos iguais”.
Só ninguém diz que à cabeça dessa procissão vão, precisamente, os sacerdotes do novo catecismo. E poucos notam que na ladainha há, por cada sacerdote, um fiel séquito de sacristães livres de paramentos mas sempre prontos a preparar, abrir, adornar e limpar o caminho da procissão que a cada quatro anos redescobre os demónios - e a urgente exorcização. Até que chegue (de novo) a hora de abrenunciarem. A benefício do novo conclave. Ou à espreita da sua própria sotaina.
A menos que vos esteja a escrever de um outro mundo tão estranho que a minha miopia não dê para lhe notar as diferenças, acho que afinal o mundo não acabou hoje
Confinando-me ao território que as fugas às portagens me permitem alcançar (“quem vê o seu povo vê o mundo inteiro”, diz Eduardo Lourenço), garanto que em Portugal o mundo não acabou mesmo, apesar das codiciosas ordens que António Borges tem trazido do Goldman Sachs. O astro-calendário maia terá sido prodigioso ao ponto de adivinhar que Cavaco conseguiria posturar Gaspar em duas-patas-só e ajeitá-lo na pasta das Finanças – mas, talvez aterrorizados com tão abstrusa imagem do inferno, os maias devem ter, assim que deparados com a maldição, ter feito o resto das contas com o ábaco do próprio Vitor e tanto bastou para que a aritmética acabasse no tresloucado resultado que daquela idioteira sai sempre e invariavelmente. Em suma, é tão exato o mundo acabar nesta data como a luso-sociedade Aníbal-Loureiro-Olivcosta ter sacado apenas 4 mil milhões dos patos à beira-mar plantados.
Mas os galfarros do freak-infanto-manicómio instalado ali para os lados do Arco da Rua Augusta, fiéis à ordem de acabarem com tudo o que mexa, não desistiram de substituir o fim do mundo pelo fim de qualquer outra coisa que lhes fosse tão cara como o próprio mundo (o deles, claro). E resolveram, com aquela determinação com que o Coelho vem sempre dizer que descobriu a pólvora três dias antes de reaparecer com o mesmo ar apatetado declarar que somos todos uns atrasados mentais pois está visto que a pólvora nunca existiu – resolveram que por estes dias tinha que acabar qualquer coisa.
E escolheram o emissário, ou melhor, a emissária da trágica notícia. Mandaram a dòtôra da Cruz, a mais loira da ganapagem, com a inteligência, a honestidade e a competência que lhe conhecem. Porque conhecem mesmo – essa é mais uma matéria em que somos todos atrasados mentais, que eles é que sabem. Com a sapiência que espanta pelo menos os advogados, juízes, professores e demais estudiosos do Direito (espanta mesmo, já que quando ela fala de Justiça toda essa classe esbarra em conceitos e ideias que nunca viu nos códigos, na jurisprudência ou na doutrina) veio então a charmosa namorada do Assessor Principal da Ministra da Justiça proferir o revolucionário decreto: Vai acabar a impunidade. Não sei se foi maior o riso do entrevistador da RTP, se o engasganço dos cinco milhões de futuros pagantes das luvas do Relvas. Mas a dòtôra loira falou e disse. Vai acabar a impunidade. Podem escrever. É como se já tivesse acabado. Fui logo à procura dos artigos que a água oxigenada vai limpar do Código Penal. Ansiava ver o finar de impunidade da loira - e desejar paz à sua alma. Mas num ápice despertei. Ainda não é desta que o Diabo foge da Cruz.
Código Penal
Artigo 308º Traição à Pátria
Aquele que, por meio de abuso de funções de soberania, entregar a país estrangeiro ou submter à soberania estrangeira todo o território português ou parte dele; ou ofender ou puser em perigo a independência do país
é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.
Artigo 335º Tráfico de Influência
Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, para abusar da sua influência junto de qualquer entidade pública,