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Limpar os pés antes de entrar

por autor convidado, em 02.11.10

A blogger mdsol (a viver aqui), comentadora habitual em vários blogs que costumo frequentar, deixou, aqui há dias, o seguinte comentário no Aspirina B (posteriormente promovido a post de pleno direito):

Os blogs são como uma praça de cidade pequena: onde todos se podem encontrar e onde todos se podem evitar. Há os gregários militantes (...); há os gregários soltos (...); há os institucionais (...); há os que (...) são mais desalinhados (...); há os errantes e sonhadores (...). E há, como em todas as praças, os loucos, fundamentais para a manutenção da sanidade mental dos restantes.

A comparação é bonita, lírica. E também demagógica, errada e fonte da maioria dos problemas dos blogs e foruns portugueses (nos estrangeiros, vê-se muito menos).

Por muito que eu gostasse de concordar — e juro que gostava que funcionasse assim — não posso; essa é uma lição árdua que vem do tempo em que a comunicação era feita em bulletin boards, acedidos através de um modem 14.4 externo, importado da Suíça, que dava esticões de cada vez que tinha que mexer nos fios presos com fita cola (que o encaixe telefónico era diferente, e o meu eu de 15 anos não tinha máquina de soldar e muito menos pistola de cola quente). As mais das vezes, o BBS era de um particular e não de uma empresa, e tudo o que por lá se encontrava (normalmente, documentação técnica, uma vez por outra uma imagem muito fraquinha de gajas em bikini) era fruto do esforço dessa pessoa e de dois ou três carolas que ajudavam à festa.

Nesse tempo não havia dúvidas: o BBS tinha um dono, bem definido, e ponto final. Podíamos ficar de fora de uma BBS por uma razão tão simples como termos humilhado o dono da linha no torneio de Heretic que se jogava nas aulas de Tecnologias de Informação. Chegávamos a casa à noite, e nada de ligação. Não havia cá essa conversa do "estão-me a censurar". Pois estão. Isto não é um espaço público, pá.

Como tal, cara mdsol, isto não é como a praça duma cidade pequena; quando muito, seria como os pátios que se vêm nos bairros históricos de Lisboa: tem dono e o dono pode ser mais tolerante, ou não. Se vais para lá dizer que o dono é um bêbado, cheira mal da boca e tem as unhas dos pés grandes, na melhor das hipóteses não voltas a lá entrar. Na pior, levas dois milhos na corneta (e não voltas a lá entrar).

Eu poderia ter uma regra no meu blog de "proibida a permanência a pessoas que digam olaré". É uma regra arbitrária? É. Estúpida? Também. Válida? Concerteza. O espaço é meu, faço dele o que entender. Quem quiser entrar, tem mais é que cumprir as regras. Presentes e futuras, por mais estapafúrdias que possam ser. Quando jogávamos futebol na rua, não passava pela cabeça de ninguém falar mal do puto que era dono da bola.

Em Portugal, talvez fruto da ditadura que nos governou durante uma porrada de anos, há muito essa tendência de gritar "CENSURA" (normalmente acompanhado de "FASCISTA") de cada vez que desaparece um comentário num blog ou uma posta num fórum. E que o Criador tenha dó da alma do blogger que decida banir permanentemente um comentador, como esta que o Maradona não compreende (e se não compreende, é porque não é tão bom como eu pensava que fosse). É uma cena cultural, só pode. A mim, que nasci depois do 25 de Abril, e que não conheço outra coisa que não seja a liberdade, faz-me confusão que a minha liberdade de blogger seja posta em causa pela liberdade do palerma que vem dizer disparates para o meu blog.

Por acaso, nunca censurei nenhum comentário, mas como é um blog de cariz fortemente técnico e pouco dado a discussões, não chega à vintena de comentários - no entanto, e durante os anos em que fui moderador do fórum do euromilhoes.com, também devo ter censurado duas ou três postas, no máximo, e penso que nunca bani ninguém. Pode-se dizer que a minha tolerância a disparates é bastante alta, o que também leva à minha política de aprovação de comentários: qualquer pessoa registada pode deixar um comentário, que será censurado a posteriori, se for caso disso; alguns blogues têm a política contrária, os comentários ficam em fila de aprovação, o que consiste numa censura a priori. Isso permite-lhes aprovar comentários de anónimos, mas sobre o anonimato falarei noutro dia.

Bloggers e comentadores portugueses, metam uma coisa na cabeça depressinha: um blog é como a casa de uma pessoa ou, nalguns casos, de um colectivo. Há lá quem mande. Eventualmente, se o blog estiver alojado numa plataforma, como o Blogs do SAPO, o Wordpress.com ou o Blogger, os gestores da plataforma poderão impor algumas regras genéricas, como temas xenófobos, pornografia, etc. Aí, o blog continua a ser como uma casa, mas que tem de obedecer às regras do condomínio. No entanto, isso não confere mais nenhum direito aos comentadores, senão aqueles dados pelo "dono da casa". Se não gostam do que lá se diz, discutam com elevação e educação. Se não conseguem, vão arrotar postas de pescada para outro lado ou passem adiante.

Sobre o estranho espaço dos blogs (e, embora não se fale disso, dos fóruns) e do direito de resposta (o que implica a censura e os impedimentos de acesso), ler aqui e aqui o presidente do conselho regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o Prof. Dr. Azeredo Lopes.

Marco Amado

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publicado às 12:36


Todos os nomes

por autor convidado, em 27.09.10

Neste fim-de-semana fui a um casamento (e não há nada melhor que um casamento - ou as bebidas alcoólicas que por lá se servem gratuitamente - para desatar um bloqueio de escrita) de um amigo, companheiro de muitas aventuras durante os loucos anos do ensino superior.
No final da noite (ou ao início do dia, visto que já eram quatro da manhã), depois dos últimos copos e estórias, dei por mim a pensar numa historieta que tinha no principal papel, precisamente, o recém-casado...
Decorria o UEFA Euro 2000, e tínhamos improvisado um lounge no nosso apartamento de estudantes para assistir aos jogos, com sofá, uma televisão de tamanho razoável e cerveja sempre fresquinha. Muita cerveja. Nessa altura morávamos quatro lá em casa: eu e mais dois que já lá estávamos há uns anos, e um rapaz cabo-verdiano há cerca de duas semanas. O nosso amigo agora recém-casado não morava connosco, era do prédio ao lado, mas passava lá a vida. Era assim uma espécie de Kramer (quem se lembra do Seinfeld?) que comia as nossas batatas fritas, jogava nos nossos computadores e usava a nossa retrete. Um prato.
Adiante... Estávamos já nos descontos de um Roménia x Portugal, empatado a zero. Luís Figo prepara-se para bater um livre, faz um compasso de espera enquanto outro jogador português corre devagar para a área. O nosso amigo, exasperado, grita “anda, preto do carago!”. Olhámos para ele em pânico, mas sem tempo para o admoestar: Figo cobra o livre, esse tal jogador salta e cabeceia para o fundo das redes. Golo de Portugal, Francisco da Costa, também conhecido por Costinha, o Ministro.
Depois dos saltos, dos chapadões nas costas e mais uma ronda de cervejas, lá lhe chamámos a atenção, “então, pá?”, “tu és louco?”, “‘tá o cabo-verdiano lá dentro, caraças!”. “E então, eu não sou racista”. E não era, de todo, facto que eu poderia atestar com várias situações que não vêm ao caso.
Como é que certos nomes ganham dimensão depreciativa? Preto, chinês, marroquino, cigano. Conheço uma ou duas pessoas a quem os amigos chamam “preto” e que o são, de facto. Trabalhei com uma marroquina a quem chamávamos, carinhosamente, “marroquina”. Estudei alguns anos com um tipo cigano a quem chamávamos “ganet” sem qualquer malícia (e por quem nos envolvemos certa vez ao milho com um tipo que lhe deu um pontapé no meio da avenida, sem qualquer razão).
Os “nomes” são aquilo que as pessoas querem que sejam. É incomodativo ao início? Talvez seja. Mas sei que estas pessoas de quem falei nunca tiveram problemas com quem lhes chamava daquela forma, sabendo que essa forma de tratamento seria mais um reconhecimento da amizade ou companheirismo, do que um insulto. E um insulto dos piores.
Um gajo corta a rotunda, “oh boi, calhou-te a carta no Cérelac?”, e responde ele, “vai lamber sabão, oh palhaço”; o mesmo gajo corta a rotunda, “oh preto, pareces uma avozinha”, o tipo pára o carro em derrapagem, sai, deixa a porta aberta, e encaminha-se a passos largos para o desbocado.
Porquê a desproporcionalidade na resposta? Sim, sou preto. Sim, tenho pressa. Sim, não devia ter cortado a rotunda. Mas agora vou-te rebentar as beiças porque me chamaste por aquilo que eu sou. E dou de barato o pormenor da avozinha. Vá-se lá perceber. O tipo que vai levar na trombeta ainda há-de ter um genro preto, ou ser casado com uma preta, ou trabalhar com uma carrada de pretos, com zero problemas até este dia. E escrevi “pretos” umas poucas de vezes neste parágrafo propositadamente. Preto, preto, preto. Quando os “brancos” (pergunto eu, em Portugal, com toda a nossa história colonial e de mistura racial, quem é que pode atestar que é mesmo, mesmo branquinho em toda a sua linhagem?) deixarem de usar estes termos duma forma depreciativa, os pretos, os ciganos e os marroquinos vão deixar de se importar. Afinal, é só uma palavra.
Como os processos de pensamento são retorcidos, estava a escrever isto a pensar na minha filha.
Assim que o CPMS foi aprovado, decidimos conversar com ela a propósito disso, não fosse ela apanhar algum colega este ano com dois pais, ou duas mães (doutro casamento, ou duma adopção individual, ou o que seja - bem sei que ainda temos a completa aberração dos casais do mesmo sexo não poderem adoptar). “Sabes filha, podes vir a ter um coleguinha com duas mães ou com dois pais”, “Com dois pais?”, e ri-se. “Sim, filha, com dois pais”. “Está bem”. Isto foi fácil de mais. “Não vês nenhum problema?”, “Não, o Pedro não tem pais nem mães e a Teresa só tem uma mãe e uma tia”. Pois é.
Ainda assim, alguns dias depois decidimos voltar à carga, junto a uma amiga nossa que é lésbica. “Vês, filha, por acaso a Joana não namora, mas se namorasse, tinha uma namorada”. Pergunta ela à nossa amiga “Não gostas dos meninos?”, “Não, gosto de outras meninas”. “Eu também não gosto dos meninos, dão-me pontapés por baixo da mesa ao almoço”. Ah, a inocência da infância.
É esta inocência que a sociedade faz questão de extirpar das nossas crianças. Se o fizesse abrindo-lhes os pequenos olhos para a multiplicidade de condições, não só sexuais, como culturais, religiosas, étnicas, sociais e financeiras, estaríamos a prestar um excelente serviço às gerações futuras. Mas não, somos burros que nem umas portas: não fales, que são Jeovás; não fales que são ciganos; não fales que são paneleiros.
Filha, fala com eles, que são preconceituosos. Talvez tu possas furar a carapaça.

P.S.: Como é lógico, todos os nomes são fictícios; ou então, não. Mas é o mais provável.
P.P.S.: Um dos meus maiores amigos durante a infância e adolescência era preto. Mestiço, vá. A vida atirou-nos para caminhos separados, mas acho que continua a ser preto. E que continua a ser um tipo porreiro.

Marco Amado

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publicado às 21:54


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