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Pois eu tornei-me a Morte, o Destruidor dos Mundos
Vi estas imagens pela primeira vez, miúdo ainda, sem compreender nem os factos relatados nem as suas implicações. Tenho a certeza que o que me marcou foi a determinação daquele homem. Julius Oppenheimer não está a praticar um acto de confissão, não está a fazer uma auto-critica; não se purga das suas culpas, fala para que não se repita.
Muitos anos depois, tive oportunidade de assistir às comemorações do 6 de Agosto no segundo "Ground Zero" da História. Mas Oppenheimer fala-nos do primeiro de todos, quase farsa ante o que veio depois, e é esse depois que nós vemos na sua face torturada e que ouvimos nas suas palavras.
Pensem nas crianças, mudas, telepáticas
Ante o depois, a emoção — mas também a determinação — de Julius Oppenheimer quase poderiam parecer uma farsa. Acontece apenas que ele não se confessa, não se auto-critica; diz apenas nunca mais.
Pensem nas meninas, cegas, inexatas
Isto mostra-nos como as repetições da História podem até violar a sequência temporal de que Marx falou, continuando a verificar o essencial, ou seja, o carácter dos seus protagonistas.
Pensem nas mulheres, rotas alteradas
Vivemos tempos de farsa. Nós, portugueses, somos confrontados com ela quase todos os dias, mas devo dizer que só consegui compreender sua génese quando me recordei daquelas imagens. Vejamos, a nossa Trindade Cósmica é ridícula, o nosso seráfico Brama só consegue manter a dignidade requerida enquanto não quebra o silêncio. Por mais bramânico que se queira fazer aparecer, o nosso Silva torna-se sempre banal quando fala da vidinha; da sua e dos seus, claro. Que outras poderiam ter relevância para serem mencionadas?
Pensem nas feridas como rosas cálidas
O nosso Shiva de Massamá é fraco. Quer que se lixe; não destrói no brilho de mil sóis; corrói apenas. É apenas mais lento; não menos destrutivo, apenas mais vagaroso. O nosso Shiva é um apenas. Está bem acompanhado, é preciso dizê-lo.
Mas oh não se esqueçam da rosa, da rosa
Se o Shiva que nos tocou em sorte é apenas um apenas, o nosso in-Seguro Vishnu é uma alforreca: não harmoniza, amolece. Como todos os deuses criados pelo Homem, visa a criação duma realidade à imagem dos seus próprios criadores, tão gelatinosa como ele próprio. E contudo, a nossa, inimitável, portuguesíssima, Trindade Cósmica, mais não faz do que revelar a sua incomplitude essencial. Tal como "Os Três Mosqueteiros", a nossa Trindade tem quatro elementos. Nunca ficaria completa sem o Relvas.
Da rosa de Hiroxima, a rosa hereditária
Convenhamos que seria de esperar. Todas as troikas são sexualmente ambíguas, todos os triunviratos se desfazem; todas as trindades mais não fazem do que revelar o outro, o gascão, o princípio activo. Juro que não quero saber se é possível obter uma licenciatura com quatro exames, ou com quantos créditos se faz um canudo de circunstância. O Relvas tinha que ser dê-érre-ponto, ponto.
A rosa radiotavia, estúpida, inválida
O que eu precisei que o anti-Relvas Oppenheimer me mostrasse, foi a resposta a um paradoxo bárbaro e revoltante: como é possível que alguém seja licenciado numa licenciatura que ainda não existia à data em que ocorreu?. E no entanto, a resposta é simples: o Relvas não é uma farsa; o Relvas é a farsa.
A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica
O Relvas é, a um tempo, o espaço em que os outros três se movem e o criador desse mesmo espaço. O Relvas é o Deserto. Não um "deserto de ideias", não um "deserto de competências", não um "deserto de méritos": o Deserto, que tudo faz à sua imagem. Nem a rosa de Hiroxima cresce no deserto, onde até os escorpiões sofrem de paranóia suicida. A trindade suprema é o monumento à sua obra; até que a sua obra dispense o monumento que sobre ele se ergue.
Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada— Vinicius de Moraes
Um dia, se o próprio Tempo for capaz de resistir à voragem do deserto da farsa que tudo engole, perguntar-nos-emos como foi possível insultarmo-nos ao ponto de nos fazermos governar por esta trindade quártica e completa; talvez apenas os nossos filhos o venham a fazer. Espero que corem da vergonha que não temos.
Pois eu tornei-me o Deserto, o criador de mim mesmo
E a farsa fez-se.
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